Um projeto do Instituto Federal de Goiás (IF Goiano) treina cães-guia que, após cerca de dois anos, estão prontos para apoiar cegos nas atividades do cotidiano. A partir de setembro, oito novos animais serão entregues e, com a previsão de uma nova ninhada nascendo em alguns meses, a iniciativa busca famílias socializadoras, que cuidem dos cães por cerca de um ano.

O Centro de Formação de Treinadores e Instrutores de Cães-guia do IF Goiano, campus Urutaí, faz todo o processo, começando pela reprodução dos cachorros, que vêm dos Estados Unidos e são de linhagens específicas para cão-guia. Desde que nascem, os cachorros são, aos poucos, habituados a barulhos, como aplausos e foguetes, além de diferentes cheiros e pisos. Após serem vacinados, vão para a casa de uma família socializadora.

“Desde os três meses de idade, quando a família socializadora recebe o cão, ele entende que, quando está com colete para passear, não pode ter distração. A família tem um papel muito importante porque prepara o cão para o treinamento específico que vem depois” conta o professor universitário Daniel Barbosa. Ele e a esposa acolheram a cadela Capoeira em casa.

Parte da socialização de Capoeira envolve “conhecer” outros animais | Foto: Reprodução/Instagram

O cão fica com a família acolhedora até completar 15 meses de idade. Neste período, recebe visitas de veterinários e treinadores do projeto, que o ensinam, por exemplo, a andar em escada rolante. Todos os custos do cão são pagos pelo projeto, incluindo ração. Depois deste período, o cachorro volta para o IF Goiano para a reta final do treinamento, que dura seis meses. Por fim, o cão-guia conhece a pessoa com quem vai conviver por até oito anos, antes de se aposentar. O treinamento de adaptação e treinamento da nova “dupla” dura em torno de um mês.

“É importante que eu saiba o comportamento do cachorro para que ele se ligue ao cego. A velocidade da caminhada do cão deve ser proporcional à da pessoa. É um trabalho muito fino de psicólogo e veterinário”, explica o coordenador do projeto e zootecnista do IF Goiano, Bruno Naves.

Além de análise comportamental, o cão passa por teste genético, inclusive para a escolha de uma família socializadora. Esta etapa é feita em parceria com a Universidade Federal de Goiás (UFG). “Por exemplo, um cachorro muito medroso é enviado para uma família que tem criança e muito movimento de carro saindo e entrando de casa. Assim, ele perde o medo”, explica Naves.

Em média, de cada dez cães socializados, quatro se formam cão-guia. Os outros recebem funções diversas, como a de reprodutores de novas ninhadas.

Os cães são treinados para obedecer comandos, inclusive na hora da ração | Foto: Bruno Naves

Face, o cão pioneiro

Desde 2019, o aposentado Gleibson Pereria Silva, de 52 anos, tem o apoio do cão-guia Face – primeiro treinado pelo IF Goiano de Urutaí. “Mudou e melhorou tudo. A bengala, por exemplo, perde muitos obstáculos, não pega galho de árvore que pode bater na sua testa, nem poça de lama. Com o cão-guia, você nem percebe que estes obstáculos existem porque ele desvia”, relata Gleibson.

Ao falar com carinho de Face, Gleibson destaca como o trabalho do cão vai além de guiar. “Quando você está com a bengala, as pessoas te olham com dó, muitas vezes nem olham. Hoje que estou com o cão-guia, as pessoas me param para saber informações, conversam comigo. Eu interajo muito mais”, conta Gleibson. Os dois têm, inclusive, página nas redes sociais, onde compartilham o dia a dia: é a Olhos na Pata.


A presença do cão também conscientiza, como explica Daniel Barbosa, que faz papel de família socializadora. “Já aconteceu várias de sermos barrados em banco ou padaria, por exemplo. Nestes momentos, nosso papel é conscientizar sobre o direito [previsto em lei] que o animal em socialização tem de estar naquele local”, relata.

Falta investimento

Depois de formados, os cães são encaminhados às casas das pessoas cegas, que são selecionadas por meio de edital do governo federal. Segundo o coordenador da iniciativa, Bruno Naves, o projeto do IF Goiano é um dos únicos do país que, atualmente, formam cães-guia com recurso público. Os demais são locais particulares. Hoje, este trabalho em Urutaí não tem verba específica e sobrevive com o orçamento do campus. Pouco incentivo resulta em falta de cães-guia.

“O último Censo do IBGE, de 2010, aponta para seis milhões de deficientes visuais e a gente tem 200 cães-guias trabalhando no Brasil, incluindo os que vieram de fora. Precisa muito de investimento do governo. É muito caro treinar um cão deste, mas quanto mais eu treinar, mais barato fica”, alerta Naves.

Famílias interessadas em serem socializadoras podem entrar em contato pelo e-mail [email protected] ou pelo perfil de rede social @bmnaves.