A Câmara Municipal de Goiânia analisa um projeto que autoriza a Prefeitura a permitir o uso de instrumentos de menor potencial ofensivo, ou seja, não letais, por agentes de trânsito. A proposta prevê que esses servidores possam portar spray de pimenta e dispositivos eletrônicos de controle, como tasers, exclusivamente para autodefesa e proteção de terceiros em situações de risco. O texto está em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

A proposta, do vereador Sanches da Federal (PP), estabelece que o uso será permitido apenas a servidores uniformizados, identificados e em serviço, que tenham recebido capacitação técnica e psicológica. Além disso, cada ocorrência deverá ser registrada e relatada, sendo o uso restrito à legítima defesa própria ou de terceiros. Segundo o parlamentar, a medida busca garantir mais segurança aos agentes e à população, especialmente diante de situações de agressão e ameaça registradas durante fiscalizações.

“A utilização de equipamentos de menor potencial ofensivo, de instrumentos não letais, já é uma realidade em diversos municípios do país”, afirmou o vereador em entrevista ao Jornal Opção. “É importante enfatizar que quem anda uniformizado, seja policial militar, guarda municipal ou agente de trânsito, chama a atenção. Se alguém estiver ameaçando um cidadão e vir dois ou três agentes de trânsito, ele vai pedir apoio. Mas o agente hoje não tem nenhum equipamento de menor potencial ofensivo, ou seja, ele é um cidadão comum. E ele não pode se furtar de ajudar”, acrescentou.

Projeto inconstitucional?

Durante a tramitação no Legislativo, a Procuradoria da Casa considerou o projeto inconstitucional, apontando vício formal de iniciativa. Segundo o procurador-geral da época, Herbet de Vasconcelos Barros, o texto trata de servidores públicos e organização administrativa, matéria de competência privativa do prefeito. Dessa forma, ao definir regras, atribuições e regulamentações, o projeto invadiria a esfera do Executivo.

No entanto, o documento destaca que a proposta é de cunho autorizativo, ou seja, apenas libera o Paço Municipal a decidir sobre a medida. A gestão municipal segue como responsável pela regulamentação, capacitação e fiscalização. Diante disso, o relatório da CCJ, elaborado pelo vereador Léo José (SD), recomendou a aprovação do projeto.

Na última sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a matéria esteve em pauta, mas não foi votada após a aprovação do pedido de vistas do vereador Denício Trindade (UB). Com isso, o texto será analisado pelo parlamentar por mais uma semana antes de retornar à comissão para nova apreciação.
Sanches garante ao Jornal Opção que não há risco de veto ou inconstitucionalidade no texto do projeto. Ao mesmo tempo, ele ressalta que a questão já foi articulada com o prefeito Sandro Mabel (UB). “Já conversei com o prefeito, com os agentes de trânsito e com o sindicato. O prefeito já autorizou na minha frente, na frente do secretário e do diretor da Secretaria de Engenharia de Trânsito (SET). Seja por lei ou por decreto, isso vai ser concretizado”, afirmou.

Outro argumento apresentado é a Lei Federal nº 13.060, de 22 de dezembro de 2014, que dispõe sobre o uso de instrumentos de menor potencial ofensivo por agentes de segurança pública em todo o território nacional. O texto defende que os agentes de trânsito também possam ser reconhecidos como agentes de segurança pública para fins de utilização desses instrumentos.

Segundo o advogado José Patrício Júnior, especialista em direito penal e processual militar, os agentes de trânsito não estão incluídos nesse rol por possuírem “natureza fiscalizatória e administrativa”. Ele aponta que o Artigo 144 da Constituição Federal estabelece os órgãos de segurança pública, que incluem a Polícia Federal (PF), a Polícia Rodoviária Federal (PRF), a Polícia Ferroviária Federal (PFF), as Polícias Civis, as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares. Dessa forma, o especialista cita que, juridicamente, a inclusão dos agentes de trânsito como agentes de segurança pública não está prevista expressamente na Constituição.

No entanto, ele pessoalmente defende que a categoria possa andar com instrumentos para proteção própria.

“Agora, se você me perguntar, eu diria que sim, eles devem andar armados. São agentes que atuam, para manter a ordem pública, contribuindo assim com a segurança pública.Já presenciamos diversas situações em que esses profissionais foram agredidos enquanto realizavam seu trabalho, aplicando multas. (…) Então, se sou favorável ao uso de arma letal, ao uso de arma não letal, eu sou ainda mais favorável. Por isso, tudo o que contribuir para a segurança pública recebe meu apoio”, afirmou o especialista em entrevista ao Jornal Opção.

O advogado alerta que apenas a União pode legislar sobre o tema: “A autorização para os agentes de fiscalização precisa vir por lei federal”. Ele ainda compara a situação à medida de Mabel de adesivar os carros da Guarda Civil Metropolitana (GCM) de Goiânia como “Polícia Municipal”, que é considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Dessa forma, essa decisão está mantida até a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 18/2025, a “PEC da Segurança”, que também trata sobre a possibilidade de conferir poder de polícia às guardas municipais.

Entretanto, ele ressalta o aumento da criminalidade no país e cita a decisão judicial que reconheceu a possibilidade de as guardas municipais portarem armas. O STF tem interpretado que, dentro de limites constitucionais, as guardas municipais podem exercer atividades de segurança pública suplementar, inclusive com uso de armas de fogo. Com base nessa interpretação, o precedente jurídico pode ser utilizado para justificar que os agentes de trânsito também possam portar instrumentos não letais.

Sindicato é favorável

O presidente do Sindicato dos Agentes de Trânsito de Goiânia (Sinatran), Eduardo Mariano, é um defensor do projeto. Ele repete o argumento de que a medida tem como principal objetivo garantir mais segurança tanto para os servidores quanto para a população. Ao mesmo tempo, aponta que outras cidades estão seguindo a mesma ideia.

“A utilização de equipamentos de menor potencial ofensivo, de instrumentos não letais, já é uma realidade em diversos municípios do país”, cita apontando que o município de Rio Verde também está articulando a questão e que Brasília já liberou anteriormente no passado. O objetivo é proteger a sociedade, porque quem anda uniformizado, seja policial militar, guarda municipal ou agente de trânsito, chama a atenção e precisa estar preparado para agir em situações de risco”, afirmou.

Por exemplo, em Rio Verde, agentes da Agência Municipal de Mobiliidade e Trânsito (AMT) receberam autorização para utilizarem armas não letais durante o trabalho, como sprays de pimenta e armas de incapacitação neuromuscular, além de coletes balísticos e alegmas. A medida foi tomada com o argumento de aumentar a segurança dos agentes em situações de risco no trânsito, especialmente durante abordagens e fiscalizações. Ela foi adotada no ano passado por meio de decreto municipal.

Ele destacou que, atualmente, os agentes de trânsito de Goiânia não possuem qualquer meio de defesa durante as operações de fiscalização. “Hoje, o agente é um cidadão comum. Ele não pode se furtar de ajudar a população, mas sem um equipamento de autodefesa, ele fica vulnerável. Quem anda uniformizado deve, no mínimo, portar instrumentos não letais para proteger a si mesmo e a sociedade”, disse.

O sindicalista também comentou sobre os episódios de agressões sofridas por agentes durante o trabalho. “Esse tipo de reação é algo cultural, e precisamos mudar essa mentalidade. O objetivo da norma nem é esse, mas ela também pode servir como forma de prevenção, para que as pessoas não ajam com violência contra os agentes”, pontuou.

Sobre a tramitação do projeto, o presidente informou que o sindicato mantém diálogo com a Prefeitura e acredita que a medida será viabilizada. “Nós conversamos com o prefeito, com o secretário e com a direção da Secretaria de Engenharia de Trânsito. Seja por lei ou por decreto, essa proposta vai ser concretizada. É uma demanda legítima para que os agentes tenham mais segurança e possam exercer suas funções com mais responsabilidade e eficiência”, afirmou.

Secretaria acompanha

Em nota, Secretaria Municipal de Engenharia de Trânsito (SET) informou ao Jornal Opção
Nota SET – A Secretaria Municipal de Engenharia de Trânsito (SET) informa que acompanha o andamento do Projeto de Lei nº 260/2025, em tramitação na Câmara Municipal de Goiânia, que trata da autorização para o uso de instrumentos de menor potencial ofensivo por agentes de trânsito.

A pasta entende que se trata de um movimento que vem sendo debatido em todo o país e que já é realidade em alguns municípios. A SET reforça que acompanha de forma técnica e criteriosa a legislação nacional sobre o tema, bem como a viabilidade operacional e econômica de eventuais investimentos, sempre em alinhamento com as diretrizes da gestão municipal.

A Secretaria ressalta ainda que situações de risco e ameaças a servidores durante o exercício da função são recorrentes, o que reforça a importância de discutir medidas que ampliem a segurança dos agentes e assegurem a continuidade do serviço à população.