A decisão do ministro Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu todas as loterias municipais do país, também impacta o avanço do projeto em Goiânia. O processo de criação já estava travado desde agosto, quando o Tribunal de Contas dos Municípios de Goiás (TCM-GO) determinou a anulação do pregão que definiria a empresa responsável pela operação. Além da capital, outras cinco cidades goianas foram afetadas: Anápolis, Aparecida de Goiânia, Caldas Novas, Matrinchã e Trindade.

Em Goiânia, o TCM-GO anulou o pregão para escolha do operador da loteria municipal por duas irregularidades apontadas pelo relator, conselheiro Fabrício Macedo Motta: falta de clareza sobre o objeto da contratação -pois o edital mencionava uma plataforma tecnológica, enquanto o Termo de Referência tratava da seleção do operador lotérico – e ausência do Estudo Técnico Preliminar (ETP), documento obrigatório na fase de planejamento conforme a Lei de Licitações.

Diante dessas irregularidades no pregão realizado na gestão anterior da Prefeitura de Goiânia, o TCM entendeu que não era possível corrigir o edital e ordenou sua anulação. A corte, porém, não aplicou multa aos responsáveis, alegando necessidade de garantir o contraditório e evitar nulidades processuais. O Tribunal também rejeitou outras alegações da denúncia, como falta de publicidade do certame, critérios subjetivos de julgamento e exigências de habilitação desproporcionais.

Apesar da anulação do pregão, o TCM deixou claro que a decisão não afetaria a existência da Loteria Municipal de Goiânia. O órgão apenas determinou que a prefeitura elabore um novo processo licitatório, desta vez com planejamento adequado e definição precisa do objeto.

Criação

Prevista pela Lei nº 11.052, de 29 de setembro de 2023, a loteria municipal foi proposta pelo vereador Léo José (SD). Após a sanção, o então prefeito Rogério Cruz (SD) publicou um decreto, em dezembro, regulamentando o serviço. No entanto, em 2024, quando a Prefeitura de Goiânia abriu um edital para contratar a empresa que operaria a loteria, o TCM-GO emitiu uma cautelar que suspendeu a licitação.

Marcada para 12 de dezembro do ano passado, a licitação previa um contrato de dez anos e estimava arrecadação bruta de R$ 43,2 milhões apenas no primeiro ano. O vencedor seria aquele que oferecesse o maior percentual de repasse à administração municipal, respeitando o mínimo de 53,33%.

O edital permitia que a empresa vencedora atuasse com apostas esportivas, compra de bilhetes premiados, prêmios instantâneos e sorteios de números, tanto de forma física quanto online.

Anteriormente, o prefeito Sandro Mabel (UB) havia dito ao Jornal Opção que a atual gestão estudava o tema para avaliar sua implementação. A loteria também chegou a ser cogitada como possível fonte de financiamento para o Instituto de Previdência dos Servidores do Município de Goiânia (GoiâniaPrev). No entanto, o assunto “esfriou” por conta da cautelar do TCM-GO.

Após a criação da loteria municipal, o vereador Pedro Azulão Jr. (MDB) apresentou um projeto para revogar a lei que instituiu o serviço em Goiânia. Em entrevista ao Jornal Opção, ele disse que o texto recebeu a assinatura de mais de 20 vereadores e justificou a apresentou da proposta. “Isso só traz transtornos, causa vício, provoca brigas entre casais; as pessoas criam a ilusão de que vão ficar ricas e acabam se complicando”, argumentou.

Porém, com a decisão do ministro Nunes Marques, Azulão afirmou que vai suspender a tramitação da proposta, já que a liminar atende ao objetivo do projeto. “Agora, com a decisão do ministro, vou suspender a tramitação porque ela atende ao meu pedido. Mas vou manter o projeto em mãos. Se essa decisão for revertida, eu o apresento novamente para que Goiânia não tenha loteria municipal”, acrescentou.

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Decisão do STF

Segundo o documento, a decisão foi tomada no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1.212, apresentada pelo partido Solidariedade. A sigla afirma que o crescimento das loterias municipais, sendo mais de 80 criadas nos últimos anos – 55 somente em 2025, extrapolou o controle e criou um cenário considerado insustentável. Para o partido, essa expansão se tornou uma espécie de “metástase inconstitucional”, gerando insegurança jurídica, estimulando concorrência entre municípios e ameaçando o equilíbrio das competências entre União, estados e prefeituras.

A liminar determina o cessamento imediato de todas as atividades relacionadas às loterias municipais, incluindo apostas esportivas, apostas de quota fixa (como as bets) e sorteios diversos. Também fica proibida a adoção de novos atos que permitam o início ou a retomada desses serviços. O ministro fixou multas severas em caso de descumprimento: R$ 500 mil por dia para municípios e empresas que mantiverem as atividades e R$ 50 mil diários aplicados diretamente a prefeitos e diretores das empresas responsáveis pela exploração dos jogos.

Ao justificar a decisão, Nunes Marques afirmou que loterias não se enquadram como serviços de interesse local. O ministro reforçou que a União detém competência privativa para legislar sobre sistemas de sorteios e consórcios, enquanto os estados podem explorar loterias por competência administrativa residual. Também destacou os riscos econômicos e sociais decorrentes da proliferação das loterias municipais.

“Em relação à alegação de vício material, verifico, conforme exposto, que a exploração de forma amplamente difundida gera riscos ao pacto federativo, em virtude da sobreposição da exploração da atividade nos Municípios em todo o País, com potencial de ocasionar tumulto normativo e regulatório, bem como graves discrepâncias no controle social e na proteção do usuário”, afirmou Nunes Marques.

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