Apesar de boa estrutura, Casas de Acolhida não suprem nem 10% da população de rua
17 abril 2023 às 14h27
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De acordo o último censo realizado pelo Instituto Neclive da Universidade Federal de Goiás (UFG), em parceria com outras secretarias e forças de proteção, Goiânia possuía, em 2019, cerca de 1,2 mil pessoas em situação de rua. Após quatro anos, no entanto, vivenciamos uma pandemia que deixou muita gente desempregada e sem renda, o que contribuiu para que esse número aumentasse. A visão, inclusive, é compartilhada pela própria Secretaria Municipal de Desenvolvimento Humano e Social (Smdhs), conforme recente entrevista concedida ao Jornal Opção.
Com tantas pessoas vivendo de forma desumana pelas ruas da Capital, debaixo de viadutos e de árvores, expostas ao sol e à chuva durante o dia e a noite, a reportagem do Jornal Opção foi checar a situação das casas responsáveis por dar acolhimento e moradia aos grupos em situação de rua.
O chefe da Gerência Especializada para Pessoas em Situação de Rua da Smdhs, Marcos Prado, informa que atualmente existem duas casas para acolhimento dessa população mantidas pela prefeitura e, em bairros estratégicos da Capital. Uma delas está localizada no setor dos Funcionários – na Avenida 24 de Outubro, esquina com P 23-A –, e a outra no Leste Universitário – na rua 220, nº 887 –, além do Centro de Referência Especializada para População em Situação de Rua (Centro Pop), na Alameda Botafogo nº68, no Centro.
O gerente explica que são ofertadas 60 vagas no abrigo do setor dos Funcionários somente para homens, já com lotação completa. Já na casa do setor Universitário, são abrigadas as mulheres, solteiras ou casadas, e famílias, com uma disponibilidade total de 50 vagas. Com distinção de gênero, as casas também estão preparadas para receber pessoas transexuais. Ao todo, são 110 vagas disponíveis para uma população estimada em mais de 1,2 mil pessoas.
Marcos Prado, confirma a situação de déficit de oferta. “Existe esse déficit, mas, segundo a tipificação, a Casa de Acolhida Cidadã foi feita para atender até 50 pessoas por unidade. Elas são casas de passagem, onde há uma rotatividade muito grande em períodos curtos de tempo, de maneira que já atendemos até 230 moradores por mês em uma só casa”, explica. Ele lembra que cada pessoa que passa por uma das casas pode ficar até 90 dias, mas na maioria das vezes, saem antes. “É raro esses casos, pois alguns arrumam trabalho, outros voltam para casa e alguns saem porque querem”.
Casas de Acolhida
A reportagem foi até às duas Casas de Acolhida Cidadã mantida pela prefeitura. A Casa 1, que fica no setor dos Funcionários, na verdade é um prédio de três pavimentos que mais se parece com um hotel. Em bom estado de conservação, a casa está com lotação máxima: 60 pessoas distribuídas em quartos com até cinco camas beliches.
A coordenadora do local, Olívia Alves Braga, esclarece que este abrigo especificamente recebe os homens em situação de rua. “Aqui o acolhimento é de alta complexidade, que trata daquelas pessoas que já perderam tudo, até mesmo a dignidade, e precisam ser acolhidas e amadas”, disse ela.
Olívia conta que a casa está sempre lotada e que a procura é grande. Apesar do grande movimento, a convivência no local é pacífica. “A casa tem regras que não podem ser quebradas. Não podem chegar bêbados ou drogados. Caso isso ocorra, eles são imediatamente desligados, então eles obedecem”, garante. Ela relata que acontecem algumas desavenças pontuais que são resolvidas e que há um trabalho educativo que tem dado certo.
Roberto Adriano, 29, é LGBTQIA+ e está hospedado na casa há quase um mês. Adriano veio de Teresina Capital do Estado do Piauí. “É minha segunda vez em Goiânia, gosto muito dessa cidade, as pessoas são de bom coração. Sou grato ao pessoal da prefeitura que me acolheu muito bem ainda lá na rodoviária quando os procurei, e me trouxeram para essa casa. Aqui sou respeitado e tenho tudo que preciso”, conta Adriano, que está à procura de um trabalho para poder alugar um quarto.
Na casa, já há exemplos de moradores que conseguiram um emprego. É o caso de Fábio Henrique, natural de Contagem (MG). Ele diz que é guia de turismo e está na casa há pouco mais de um mês. “Problemas particulares de família me levaram para as ruas. No primeiro dia que cheguei aqui já encontrei guarida nessa casa. Fui muito bem acolhido, não tenho do que reclamar. Já até arrumaram trabalho para mim. Estou atuando nos serviços gerais de uma empresa e logo que eu receber o primeiro salário quero alugar meu cantinho”, disse com lágrimas nos olhos.
Marcos Prado lembra que existe uma lei aprovada em 2020 que disponibiliza 5% das vagas de emprego não especializados em empresas que ganharem licitação no município de Goiânia – para pessoas em situação de rua. O projeto de lei é de autoria do presidente do Legislativo Romário Policarpo (Patriota). “Esta semana estamos com um grupo de trabalho já preparando toda essa listagem e deixando a disposição desses novos contratos da prefeitura de Goiânia”, informa.
Hotel 5 estrelas
Já a Casa da Acolhida Cidadã 2 está situada no setor Leste Universitário, em um prédio de dois andares muito bem cuidado. A estrutura é excelente e “mais parece um hotel cinco estrelas”. Foi assim a definição da hóspede Samara Ribeiro, 23, que está na casa com o esposo e dois filhos pequenos.
Samara é natural da cidade de Tucuruí, no Estado do Pará. Ela conta que a família estava vivendo em Caldas Novas, mas perderam o trabalho na cidade e, sem renda, não conseguiram pagar o aluguel e optaram por vir para a capital. “Chegamos aqui há dois dias sem nada. Eu nunca imaginava que tinha um local tão bonito pessoas como nós morar, com uma alimentação incomparável. Isso aqui é um hotel cinco estrelas, moço”, disse agradecida.
Luciana Pereira, coordenadora do abrigo, relata que a procura pela casa cresce a cada dia e, atualmente, há 17 acolhidos, sendo cinco famílias. “São pessoas em situação de rua e algumas que estão em trânsito. Oferecemos acolhimento imediato e emergencial para famílias e mulheres solteiras com ou sem filhos, além de encaminhamento para emprego, unidade de saúde e demais serviços da rede”, explica. O abrigo possui 11 quartos com suíte, guardas roupas e beliches, dois deles com berços.
Nos dois abrigos, os hóspedes têm direito a quatro refeições por dia: café da manhã, almoço, lanche da tarde e jantar. Toda alimentação é preparada nas próprias casas.
Frio
Perguntado quais ações serão tomadas pela secretaria com a possível chegada de uma frente fria em Goiás, Marcos Prado esclarece que será oferecido acolhimento para pernoite coletivo com divisão para homens, mulheres e LGBTQIA+, com conexões forradas e cobertores.
Também serão oferecidos café da manhã, refeições e, para aqueles que não quiserem ir para os abrigos, haverá equipes itinerantes para atendê-los nas ruas. “Uma grande estrutura será montada ou no parque Mutirama ou no auditório da secretaria, de forma que estamos preparados para atender às demandas que surgirem”, garante.
Centro Pop
Além das Casas de Acolhida, a prefeitura também oferece serviços no Centro de Referência Especializada para População em Situação de Rua (Centro Pop). Segundo a coordenadora do local, Mônica Dulcinéia, a oferta no ambiente oferece serviços referentes a uma série de necessidades, desde o mais básico até o mais complexo. “Temos equipe de assistentes sociais e psicólogos, além de café da manhã reforçado e um almoço diferenciado. Ainda oferecemos banheiros e todo o material que eles precisam para fazer a higienização pessoal”, enumera a coordenadora. Durante a visita, a reportagem encontrou uma estrutura física preparada para um bom atendimento.
Dentro do atendimento, o Centro Pop também ajuda aqueles que querem tirar seus documentos, fazer cadastros em programas sociais – como o Bolsa Família – e facilitar a colocação no mercado de trabalho. A coordenadora ainda informa que a alimentação é toda preparada pela Organização das Voluntárias de Goiás (OVG), sendo supervisionada por profissionais que trabalham com cardápios variados. Mônica reitera que as marmitas são doadas de acordo com a procura. “São oferecidas em média 150 marmitas por dia. A comida é de alta qualidade”, garante.
Monica enaltece a parceria com a OVG, apontando que a entidade veio para somar. Ela ressalta que, se depender da administração pública, nenhum deles fica sem alimentação. A coordenadora deixa bem claro que todos os serviços oferecidos na casa são custeados com recursos municipais.
Acolhimento social
Apesar de reconhecer os avanços nos serviços oferecidos, porém, a dirigente chama atenção para a participação de esferas da sociedade no processo de acolhimento dessas pessoas. Ela cita o exemplo de Minas Gerais, onde comerciantes ajudam a prefeitura nessa tarefa. “A sociedade só criminaliza, e os comerciantes da mesma forma. Lá em Minas existe uma parceria entre administração municipal e comerciantes que, quando percebem que há na frente da sua loja pessoas nessa situação, oferecem ajuda disponibilizando banheiros para que elas possam usar e levando-as até os órgãos da secretaria social. Aqui os lojistas só discriminam e, quando nos ligam, é somente para pedir a remoção como se eles fossem um saco de lixo”, desabafa.
Em frente à casa, em uma pracinha, há frequente movimentação de pessoas em situaçaõ de rua. Gilberto, 35, é um deles. O homem – que carregava uma cachorrinha filhote nos braços, a Xuxa, entre um gole e outro – conta que é do estado do Tocantins e veio para Goiânia porque sua família não o suportava mais. “Minha família praticamente me mandou embora. Mas não posso reclamar, eles me ajudaram muito até chegar nesse ponto. Fico aqui por perto porque ali na casa eu tenho comida e banheiro”, explicou.
Segundo um dos psicólogos da casa, Marcelo Mello, na maioria das vezes, as pessoas atendidas no espaço só querem ser ouvidas. “Nós os orientamos em todas as demandas individuais e às vezes percebo que só querem ser ouvidas, um acolhimento e, aqui, elas têm isso”, diz.