“Vai ser preciso muito tempo para recuperar o Brasil”
16 abril 2016 às 10h27
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Referência internacional do Brasil na área de câmbio, economista diz que a única coisa certa para o País, no momento, é a incerteza
Elder Dias
“O café não é doce, não. É muito amargo.” Se é para usar uma metáfora literalmente ao alcance dos sentidos, assim é que o economista Nathan Blanche, um dos maiores especialistas do País em câmbio, vê o cenário brasileiro. Residente em Goiânia, ele é um dos nomes mais requisitados pela grande mídia para falar sobre a conjuntura nacional. Neste fim de semana, o jornal “O Estado de S. Paulo” publicaria um material exclusivo em que ele mostrava os passos necessários a serem dados pela equipe econômica de um eventual governo Michel Temer (PMDB) em três níveis de dificuldade: verde, amarelo e vermelho.
Entre os pontos mais difíceis, embora necessários, segundo Blanche, estão as reformas das leis trabalhistas e da Previdência. Ele resume com uma frase o cenário difícil e bem turvo: “Só há uma coisa certa no Brasil: a incerteza.” Em específico, ele diz que há uma coisa que joga muito contra o governo: a realidade econômica.
Mais do que isso, Nathan Blanche aponta para um aspecto sombrio: os efeitos dilacerantes da crise econômica, que podem ser comparados – e ele os compara – aos de uma guerra, embora sigam de forma silenciosa. “As pessoas não percebem que os efeitos de ambas, do ponto de vista prático, são muito semelhantes.”
Governo do PT – Parte 1
Quando Lula assumiu o País em 2003, não foi uma decisão voluntária do partido dar continuidade à política econômica do Plano Real. Foi uma realidade a que eles foram forçados.
A “Carta ao Povo Brasileiro” foi imposta pela realidade da economia. Havia necessidade de um corte total dos investimentos, de refinanciar a dívida externa com um prêmio de risco [diferença entre o rendimento de um título público de um país em relação a outro investimento considerado seguro, ou seja, o retorno adicional que o investidor quer obter para aceitar correr certo grau de risco] batendo nas alturas.
É incrível pensar que 15 anos atrás, a taxa de câmbio chegou a 4 reais o dólar. Isso é para ter ideia do que valia o prêmio de risco em termos de inflação e custo de financiamento. Ou seja, o País seria paralisado. Com sua habilidade de sindicalista, Lula rasgou a cartilha do que eu chamo de “desenvolvimento populista de esquerda”, política declarada pelo PT e pela qual o partido nasceu e cresceu. Mas a realidade econômica se impôs e Lula teve de mudar seu discurso, o que fez com a carta.
Governo do PT – Parte 2
Só de 2006 para cá é que o PT está, de fato, no governo. O Banco Central não era petista e a Carta ao Povo Brasileiro era o antidogma do PT. Antonio Palocci [então ministro da Fazenda] tinha uma cabeça – pelo que conheci, dele e de sua equipe – que nada tinha a ver com o PT. Com o advento do mensalão e a piora das expectativas fiscais, o PT rasgou a Carta ao Povo Brasileiro e deu-se início ao governo petista de fato, do ponto de vista econômico.
Quando Guido Mantega virou ministro e assumiu a economia, de fato se implantou a mentalidade do PT. Ele é desenvolvimentista, se baseia e se centraliza no governo. Hayek [Friedrich Hayek, economista austríaco] definiu muito bem, ao dizer que essa política significa centralizar a economia de maneira tal que acaba por dominar todo o Estado, escolhendo quem deve receber as benesses.
“Estelionato eleitoral”
A absoluta falta de responsabilidade foi sinalizada na eleição de 2010. Aquilo custou muito caro ao Brasil. O PIB potencial do Brasil era de 3%, 3,2%. Poderíamos crescer sem afetar os fundamentos, mas crescemos 7% para eleger a presidente Dilma Rousseff. A sociedade brasileira estava de porre, foi um crescimento totalmente anabolizado.
A nova matriz econômica adotou a velha doutrina petista, de esquerda, baseada e centralizada no governo federal. Dilma, por decreto, fez baixar juros e evitou a desvalorização do dólar, controlando a taxa de câmbio. Em julho de 2013, a presidente baixou os juros da taxa Selic para 7,25%. Começaram a controlar a inflação com o leilão diário de swaps [venda de moeda no mercado futuro (derivativos), o que reduz a pressão sobre a alta da moeda], que chegou a US$ 110 bilhões. As intervenções do BC no mercado chegaram a mais de US$ 450 bilhões. Foi algo pré-programado que fazia parte do início do estelionato eleitoral para 2014. Não bastasse isso houve redução de tarifa de luz, mais aumento para casa própria e aquisição de automóveis. Houve uma expansão tão grande do endividamento público que seu próprio financiamento não cabia dentro da economia brasileira. Estourou.
Setor alcooleiro
O governo quebrou literalmente a indústria do álcool. Destruiu uma indústria de base fantástica e alternativa, que começou ainda na época dos militares. Como esse combustivel tem um preço que acompanha relativamente o da gasolina e não recebeu o mesmo subsídio que deram à Petrobrás – que vendeu seu produto de forma subsiada –, o pessoal do álcool quebrou.
Derrocada do superávit
Duas realidades fizeram com que a economia do Brasil tivesse um passivo enorme: o fim do milagre chinês e a derrocada das commodities. Nosso superávit do setor de minério de ferro chegou, anos atrás, a cerca de US$ 40 bilhões; hoje, não chega a US$ 10 bilhões, porque caíram os preços das commodities. Depois de 2008, houve uma estagnação – para não dizer recessão – dos países ricos e os preços dos produtos industrializados, inclusive chineses, tiveram grande queda.
Restrição de Direitos Trabalhistas
Há regras dentro da legislação trabalhista que não cabem dentro da economia. As empresas pagam salários com o que produzem, com o que vendem. Quando cai o consumo, mas ao mesmo tempo se mantêm por lei os custos com o trabalho, vai se quebrar a árvore de que usufrui o próprio trabalhador. Ou seja, se há uma queda de 10%, é preciso baixar os custos em 10%. O que ocorreu com a economia dos EUA em 2008? Eles não tinham hora extra, trabalhavam o que precisavam trabalhar. Tinham consciência disso, uma cultura diferente, outra civilização. No Brasil, se não couber algo semelhante via cabeça, vai caber forçosamente via bolso. Queira ou não, quem cria riquezas é quem dá emprego, não adianta pensar diferente.
O Brasil precisará passar por restrição de direitos previdenciários e trabalhistas. A necessidade de financiamento do governo, hoje, já atinge 72% do crédito no Brasil. Para a iniciativa privada, que é quem paga os impostos. Ou seja, estamos em uma encruzilhada muito complexa. E eu diria “graças a Deus”, porque só a crise e o caos vão conscientizar uma sociedade como a nossa. E não culpo só o trabalhador, que é quem elege e às vezes não tem cultura, mas também o político e o empresário, que aceitaram viver em um regime equivocado, num blefe de pôquer do qual agora chegou a conta para pagar. A Constituição é linda, mas está aí toda a realidade agora.
América do Sul
O que vem ocorrendo na América do Sul nos últimos tempos, com o desenvolvimentismo populista de esquerda e de direita, e seu centralismo econômico no governo, fez chegar a isso. A festa acabou. O presidente dos Estados Unidos foi recebido bem em Cuba por causa de seus olhos bonitos? Não, mas porque ou os irmãos Castro abriam a economia ou haveria uma revolta na ilha. Na Venezuela, com seu populismo bolivariano que hoje é de direita, a inflação está em 260% ao ano, as prateleiras estão ficando vazias. E lá tudo é mais grave porque o setor que sustentava a economia, o petróleo, caiu vertiginosamente. A conta de resultados chegou para o continente, mas quem primeiro rompeu a cadeia foi a Argentina, que vem de uma situação econômica muito feia – chegaram a importar trigo, tamanho o arraso. É exatamente, com dimensões diferentes, o que está acontecendo com a economia brasileira.
Argentina
A Argentina está penando muito, está tendo grandes dificuldades. Começaram a renegociar a dívida externa agora, e é bem verdade que o prêmio de risco de lá até melhorou em relação ao nosso. Em termos de renda e de PIB, porém, a situação é muito ruim, não há capacidade de pagamento. O presidente Mauricio Macri foi sincero, abriu o câmbio e está fazendo um ajuste muito forte – seu país depende muito do comércio exterior.
China
O único país com regime centralizador da economia que sobrevive é a China, porque adotou um sistema parecido com a “Carta ao Povo Brasileiro”, mas em nível mundial. Eles abriram a economia e têm controle da poupança, sob um regime muito forte. Para ter ideia, a poupança no Brasil hoje está em 13%; na China, está em 48%. A Previdência chinesa custa 2% de seu PIB, enquanto a do Brasil custa 13% da mesma somatória.
Michel Temer
Não esperemos que Michel Temer seja um novo Mauricio Macri [presidente da Argentina], que tem um partido de centro-direita, muito mais voltado ao mercado. Só que Temer não tem opção: se não quiser cair também, se quiser permanecer no governo, vai ter de adotar políticas que atendam à demanda do mercado para restituir a credibilidade perdida.
Corrupção
Esse foi o grande legado do PT. Se o Brasil nunca foi tão honesto em termos de lideranças políticas, hoje Paulo Maluf chega a ficar ofendido (risos). Está depreciado.
Receita para a economia
Não é preciso apenas mudar o sistema em 180 graus: é preciso colocar quem tenha credibilidade. Queiram ou não, os executivos com capacidade são os Gustavos Francos e Gustavos Loyolas da vida, os Pedros Malans e os Edmars Bachas da vida [economistas de referência da política econômica, que atuaram especialmente nos governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), de 1995 a 2001]. Estes são os homens. O que tem de ser feito está ditado pelo mercado.
Abertura de Mercado
O Brasil tem a economia mais fechada do mundo. O fluxo do comércio nacional é de 20% do PIB. Se tomarmos a média dos países do Pacto do Pacífico – México, Chile, Colômbia –, eles terão o dobro do que temos. Estamos totalmente fora do jogo, é preciso abrir a economia. E agora ainda mais, porque estamos sem opção: não temos poupança interna nem crédito para subsídio. Vamos precisar de capital e tecnologia externos. Então, que acabemos com esse limite de 49% de capital externo, isso é uma ignorância. Nossa indústria automobilística paga um custo-benefício tecnológico absurdo. Tivemos uma revolução da informática no mundo, mas aqui ainda vivemos tempos bárbaros, estamos muito atrasados.
Alternativa Política
A grande expectativa que eu tenho é de que apareçam lideranças novas para a política em 2018. Mas não vejo ninguém, não tenho nomes. Não há um líder no horizonte. O regime atual, do “é dando que se recebe” é terrível. E o grande legado do PT foi exagerar nesse tipo de “regras do jogo”. O PT fez o mensalão e dobrou a aposta com o petrolão, por isso surgiu uma figura como Sérgio Moro [juiz federal responsável pela Operação Lava Jato].
Efeito da crise
As pessoas não percebem que os efeitos de uma crise econômica, do ponto de vista prático, são muito semelhantes aos de uma guerra civil. Inclusive com destruição física e intelectual. Hoje tem gente passando fome no Brasil. E pode se preparar: vai aumentar muito o nível de insegurança. Isso está se agravando e deve ficar ainda pior, porque as empresas tendem a quebrar. O número de recuperações judiciais nos dois primeiros meses do ano, comparando-se 2016 a 2015, aumentou em 350%. O número de falências aumentou em 50%. A conta para pagar está aí. As pessoas morrem por falta de qualidade de vida, por falta de saúde, por falta de educação.
Classe C
Entre 2007 e 2013, o número de famílias que ascenderam à classe C foi de mais de 3 milhões. Agora, de 2014 a 2018, vamos ter 6 milhões de famílias que devem voltar da classe C para as classes D e E. Isso é uma consequência de uma crise econômica que é comparável a uma guerra, de fato.
Petrobrás
A Petrobrás fazia 10% dos investimentos totais do Brasil. Agora está pagando contas. É uma empresa que tem recuperação, claro. Mas, quer minha opinião sobre o que eu faria amanhã? Privatizaria a gestão, mas a empresa continua sendo do Estado. Nos países do norte europeu isso ocorreu. O que tem vem a “Pátria nossa” com postos de gasolina, com petroquímica? Isso é para criar cabides de emprego. Isso sem falar em outras estatais.