Referência no Direito Eleitoral em Goiás, advogado questiona a maneira com que o Judiciário tem condenado os políticos e diz que é bom que Lula seja candidato

Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

Dyogo Crosara é diante de “colegas que estão aí há décadas, com grande experiência e conhecimento” na advocacia goiana, como ele observa, alguém com poucos anos de profissão. Isso não impediu seu escritório de se tornar, em tempo curto, referência obrigatória para áreas como o Direito Eleitoral. Hoje ele presta serviços aos maiores nomes da política do Estado e, como tal, tem observado com preocupação as decisões judiciais dos últimos tempos, baseadas, por vezes, mais em convicções e pressões do que em provas.

Com a judicialização da política, ele percebe que “hoje há claramente uma desarmonia entre os Poderes”, com o protagonismo do Judiciário. “Quando a população brasileira, com o julgamento da chapa Dilma-Temer, passa a saber o nome dos ministros do TSE, é preciso repensar tudo e descobrir o que está errado”, exemplifica. Sua preocupação se estende à forma com que estão ocorrendo sentenças ligadas ao mundo político: “Se não tiver prova, não pode ter condenação. É isso que a sociedade precisa entender: tentar punir sem ter prova clara é algo muito grave”, diz. Crosara vê uma grande chance de o ex-presidente Lula (PT) disputar a eleição sob efeito suspensivo e diz que isso seria “importante” para a democracia. “É melhor que ele seja candidato e que a própria população julgue se ele deve ou não ser eleito”.

Nesta entrevista ao Jornal Opção, ele também analisa o quadro preocupante da seção goiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO), que passa por período de turbulência dirigida por Lúcio Flávio Paiva. Esmeraldino atuante, Dyogo vai integrar também a próxima diretoria do Goiás Esporte Clube, como vice-presidente de Assuntos Jurídicos, e defende as mudanças no estatuto da agremiação.

Elder Dias — O sr. é uma referência em Direito Eleitoral em nosso Estado. Um marco, talvez o maior, em sua área passou a ser o julgamento da chapa Dilma-Temer, ocorrido em junho deste ano. Creio que o TSE [Tribunal Superior Eleitoral] nunca tenha tido tanta exposição: todo o País parou para assistir aos votos dos magistrados e havia um clima de torcida como em um campo de futebol, com cada cidadão dando seu palpite, como faz com a escalação da seleção. O sr. considera que esse julgamento mudou os rumos da Justiça Eleitoral? Ou foi apenas um julgamento a mais?
O TSE perdeu a oportunidade histórica de aumentar a importância de seu papel. Temos de nos lembrar de que os tribunais eleitorais, por sua própria concepção — principalmente o TSE —, guardam uma alta carga política. Não estou dizendo “politiqueira” ou “político-partidária”, mas política. Todo interesse nacional tem de estar amparado por aquela decisão. Nesse sentido, o TSE fez também essa análise, entendendo que, naquele momento, não haveria elementos robustos para que se alterasse um pleito presidencial.

O protagonismo da Justiça Eleitoral tem aumentado a cada dia desde 1997, quando houve a criação da Lei das Eleições, e especialmente a partir de 1998, por causa do artigo 41 dessa lei, que prevê a pena de cassação de mandato a quem comprar voto. A partir de então, há uma escalada de importância na Justiça Eleitoral. Isso passa por sua estruturação, especialmente a partir de 2003, passando a ter servidores de carreira, e pela judicialização do processo eleitoral. Nós temos o processo eleitoral mais judicializado do mundo. Nas nações mais desenvolvidas, não há sequer Justiça Eleitoral — apenas a formação de juntas eleitorais por ocasião de uma eleição.

Aqui no Brasil criou-se esse “turno extra” [a judicialização] quase que em todo município. Isso não faz bem ao processo eleitoral. Desde 2006, temos a edição de normas que estão afastando o eleitor do processo de campanha. Antigamente, se podia quase tudo nas campanhas; hoje não se pode quase nada. Havia showmícios, brindes, camisetas etc. e havia muita crítica por causa disso. Mas, naquela época, o cidadão sabia quem era o candidato e tinha contato direto com ele. Com a redução da propaganda pela legislação eleitoral — é bom ressaltar que isso não é culpa da Justiça, mas responsabilidade dos legisladores —, hoje temos situações em que, para 2018, vamos ter o regramento até do tamanho do adesivo no carro e onde poderá ser colocado um adesivo político em sua casa — pela norma, não pode ter adesivo na porta ou no portão, somente na janela! Onde mais existe isso?

Portanto, temos por causa disso o afastamento entre o candidato e o eleitor. Isso cria um aumento de importância do palanque eletrônico — TV e mídia virtual —, o que torna muito mais possível “fabricar” um candidato; e, em segundo lugar, cria intermediários entre o candidato e o eleitor, as cha­madas “lideranças”, que encarecem o processo eleitoral e o tornam mais sujo.

Elder Dias — São “lideranças profissionais”…
Exatamente, estão ali para ganhar financeiramente, o que aumenta a corrupção. Ora, essa tendência tem de ser revista: a Justiça Eleitoral não pode ser protagonista do processo. Quando a população brasileira, com o julgamento da chapa Dilma-Temer, passou a saber o nome dos ministros do TSE, é preciso repensar tudo e descobrir o que está errado. Não é a Justiça que tem de ser protagonista, mas o candidato! (enfático) Mais do que uma alteração nesse processo de judicialização, é necessário fazer uma análise do processo eleitoral como um todo. Hoje há um claro afastamento do eleitor com a classe política e isso não faz bem para ninguém. Não quero dizer que se permita tudo na propaganda, mas que se possibilite ao eleitor ter contato com seu candidato. Nos Estados Unidos, há dois anos de campanha eleitoral para presidente, para o condado, para a câmara local, para o Senado, ou seja, a pessoa sabe em quem está votando, porque o candidato é testado, é experimentado; no Brasil, se não for por meio da imprensa, não há como a população saber quem é o candidato, porque ele se esconde atrás das lideranças — seu anteparo nas localidades — ou atrás de um teleprompter ao gravar um programa. Vamos eleger, em 2018, pessoas as quais não sabemos o que pensam de verdade.

Elder Dias — Em 2018 deveremos ter, como novidade em escala, o uso de plataformas de “big data”, com uma quantidade enorme de dados, como houve nas eleições dos EUA, por Donald Trump, e nas eleições municipais de São Paulo, por João Doria (PSDB). Quem tiver dinheiro para bancar esse tipo de mecanismo vai alcançar o eleitor de modo bem mais acertado, especialmente pelas redes sociais.
Em 2018, sairá na frente o candidato que entender que as redes sociais terão papel decisivo para a criação de notícias. E aqui estamos falando de “big data”, de “fake news” [“notícias falsas”, em inglês], mas de como ter contato com o eleitor, seja por informação verdadeira ou por informação falsa. A Justiça Eleitoral não conseguirá reprimir as informações ou os abusos nas redes sociais. Não há lugar algum no mundo, não tem como. Nas eleições dos EUA só conseguiram descobrir o uso errôneo das redes sociais em prol de uma candidatura e em detrimento de outra meses depois de elas ocorrerem. As eleições de 2018 no Brasil vão ficar marcadas pelo modo com que os candidatos vão utilizar as redes sociais para chegar ao eleitor. Vamos presenciar uma “fabricação de notícias”. E aí fica a dúvida: essa pessoa que este vai escolher como candidato é real? Tenho sinceras dúvidas.

Euler de França Belém — Nas últimas eleições, a Justiça Eleitoral agiu quase que como em uma ditadura: oficiais de justiça chegavam ao jornal e mandavam retirar notas publicadas, mesmo que elas contivessem a resposta da pessoa alvo da crítica. Ou seja, o juiz, ao determinar a retirar da nota, sequer avaliava o mérito daquele texto — se era sensacionalista ou injusto. Bastava o candidato — no caso, a prefeito de Goiânia — reclamar para a nota ter de ser retirada. Isso não é uma aberração? Por que o juiz se submete a isso?
Tentar cercear a liberdade de expressão, especialmente a liberdade de imprensa, é algo que foge ao texto da Constituição. Mas não me parece que isso vá ocorrer nas eleições de 2018. Teremos um terreno fértil e aberto, uma luta franca. Não vejo a Justiça Eleitoral interferindo em críticas ásperas ou em acusações aparentemente verídicas. Para mim, haverá uma liberalização, nas redes sociais, especialmente. O direito à informação vai estar acima do direito à privacidade.

Cezar Santos — Pelo que o sr. diz, teremos um caos nas próximas eleições.
Não, não digo que será um caos. Pelo contrário, não ter um maior policiamento das redes sociais é bom, não se pode ter tanta restrição. Obviamente, cada um tem de responder por seus abusos, mas a liberdade tem de vir primeiramente. Será uma eleição altamente judicializada, mas na qual a Justiça Eleitoral vai tentar deixar as coisas correrem de uma forma mais tranquila, desde que não se ultrapassem os limites. O problema é que os limites são sempre um conceito subjetivo. O que é uma notícia manifestamente falsa? O que é uma manifestação injuriosa ou caluniosa? Isso é muito subjetivo. Isso vai de acordo com a formação de cada juiz, que carrega consigo sua bagagem histórica, aquilo que faz na vida.

Cezar Santos — Foi noticiado nesta semana que o mandato do governador do Tocantins foi cassado por algo relativo a 2003, uma ação de improbidade. Isso não é muito tempo?
Os processos judiciais, especialmente as ações de improbidade, ainda demoram muito tempo para tramitar, é um defeito do Judiciário brasileiro. É bom lembrar que ações de improbidade não têm prerrogativa de foro e, portanto, começam com o juiz de primeiro grau. No caso, estamos falando de um processo que teve sentença em 2017 para um fato que ocorreu em 2003. Ou seja, não se trata de estar no Supremo, com prerrogativa de foro e, por isso, o processo atrasar. O fato é que o sistema judiciário é moroso em si, não tenha dúvida disso.
Em tempo, improbidade é uma questão muito subjetiva. Eu digo que tudo hoje pode ser improbidade. De acordo com o artigo 11 da Lei de Improbidade, é tido como improbidade administrativa a ofensa aos princípios da moralidade, da impessoalidade, da eficiência… ora, o que é isso? Cai tudo em um subjetivismo absurdo. Vivemos tempos difíceis e o STF tem trazido para si um protagonismo que afastam garantias individuais — como a presunção de inocência —, o que é algo muito grave. Esse protagonismo às avessas do Supremo, ao validar coisas claramente ofensivas aos direitos individuais, gera o efeito em escala a outros juízes. E, então, na hora de interpretar o que está certo ou errado, hoje é muito mais fácil, na dúvida, condenar alguém do que absolvê-lo. Por quê? Porque para condenar basta se apoiar naquilo que o Ministério Público está pedindo; para absolver, será preciso dar muitas explicações. Hoje, quem advoga para a classe política tem claramente, para si, que é muito mais fácil condenar alguém do que absolver.

Euler de França Belém — O sr. acha, então, que Gilmar Mendes [ministro do STF] está certo em seus posicionamentos, ao afirmar que o Judiciário hoje está se excedendo?
Sim, ele está certo. Gilmar comete alguns equívocos, principalmente ao expor os juízes — já que a magistratura tem toda uma ritualística e é importante que seja assim —, mas as convicções que ele externa, em um futuro próximo, serão julgadas pela história. E, quando isso acontecer, não será julgado negativamente.

Elder Dias — Durante a Operação Lava Jato, ficou marcada a exposição da apresentação em Power Point feita pelo Ministério Público para afirmar que o ex-presidente Lula (PT) era o chefão da quadrilha desbaratada pela investigação. Mas, no fim, em vez de apresentar as provas concretas, o procurador disse ter “convicção” do que dizia. Ou seja, não há provas, mas apenas convicção, em muito do que tem sido feito. Esquecem-se os autos e acusam e julgam com base em uma “meia prova” que vai ao encontro do clamor da opinião pública. Como o sr. vê esse momento?
A gente precisa tomar cuidado para diferenciar “justiça” de “justiçamento”. Nem sempre o que a maioria aparentemente entende ser o certo no decorrer da história mostra-se dessa forma. Quantos julgamentos históricos foram antecipados e, depois, se verificou que não era bem aquilo que se pensava? O pré-julgamento é algo muito grave e muitas pessoas — preciso dizer, embora esteja falando a um jornal — são condenadas pela imprensa previamente. A imprensa reverbera aquilo que o Ministério Público traz a ela como acusação e repete o que se aceita na comunidade como “verdade real”. Mas, quando se vai para o processo em si, percebe-se que aquilo não é o real. Os juízes estão passando por um processo de acuamento e levados ao açodamento. São vigiados o tempo todo e colocados contra a parede para julgarem de acordo com a vontade do povo. Não é assim e não pode ser assim, não combina com o Estado de direito.

Em todo julgamento, era necessária uma prova robusta para ter uma condenação. Hoje, já há decisões judiciais que dizem que se “um conjunto de indícios” leva a uma conclusão comum é possível condenar. Mas, vejam só, não há provas, apenas indícios. Indício não é prova. Isso não poderia servir jamais à condenação.

Euler de França Belém — O sr. diz que indício não é prova. Mas, no processo do ex-presidente Lula, as coisas não estão muito evidentes?
No caso, é um pouco diferente. O que quero dizer é que muitas vezes se tenta condenar por indícios, por “início” de provas, até invertendo o ônus da prova. Querem que o réu seja responsabilizado por provar que não tem culpa. Ora, quem tem de provar que aquele determinado sítio é de Lula é o Ministério Público, não Lula provar que não é dele. Sequência de indícios não pode levar a uma condenação como essa.

Vamos supor que uma pessoa está na rua, na porta de um colégio, carregando um monte de dinheiro. É o bastante para afirmar que essa pessoa comprou votos? Quem foi o eleitor subornado? Alguém viu a entrega do dinheiro? Não se pode dizer apenas que ele comprou voto apenas porque era dia de eleição e ele estava na porta do colégio eleitoral com aquele tanto de dinheiro. Não existe “obviamente”, prova é prova. Se não tiver prova, não pode ter condenação. É isso que a sociedade precisa entender: tentar punir sem ter prova clara é algo muito grave. A história vai nos condenar por isso. O momento de radicalização por que estamos passando vai ser julgado de forma muito triste pela história do Brasil e isso não vai demorar.

Escrevi um artigo recentemente — foi publicado pelo site jurídico Migalhas — chamado “O Direito e o pêndulo”. Tenho a visão de que a história das nações se move de forma pendular, indo do extremo da direita — um período ditatorial, de restrição às garantias individuais, em que essa dita vontade popular prevalece — ao extremo da esquerda, por onde o Brasil quase caminhou. Hoje vivemos um momento em que o pêndulo (à direita) está lá “em cima”, muito puxado. Partindo um pouco para a política, nenhum movimento extremo está certo. Ao longo da história, as nações que mais obtiveram sucesso foram as que conseguiram manter esse pêndulo no meio ou com as menores oscilações possíveis. O Brasil não tem esse perfil, parece buscar os extremos.

Euler de França Belém — Ainda em relação a Lula, sua defesa diz que não há provas de que ele seja dono do sítio em Atibaia (SP) ou do apartamento no Guarujá (SP). Mas o que fazia executivos de uma empresa como a Odebrecht ou a OAS iam a esse sítio e a esse apartamento? Como um juiz deve avaliar essas questões?
O juiz deve analisar o conjunto probatório como um todo. Nesse caso, há depoimentos, provas testemunhais e documentais. Particularmente, não conheço os autos, mas, no caso, se os juízes entenderem que há provas, devem condenar. O que não podem é apenas supor que existem provas. É preciso parar de fazer silogismos para chegar à verdade. Não existem duas verdades, ou é ou não é.

Euler de França Belém — Se Lula for condenado em segunda instância antes do prazo previsto em lei para se tornar candidato, ele não poderá concorrer?
Para não ser candidato, ele precisa ser condenado em duplo grau de jurisdição até o registro de candidatura, cujo prazo final é em 15 de agosto de 2018. Muito provavelmente, o TRF [Tribunal Regional Federal] da 4ª Região, em Porto Alegre, vai julgá-lo até essa data. Para ser candidato, Lula precisará conseguir efeito suspensivo disso, seja no STF ou no STJ. Eu acredito que ele vá conseguir.

Euler de França Belém — E Lula vai ser candidato, então?
Sim, vai ser candidato. E, para a democracia, é importante que Lula seja candidato, porque, caso contrário, vai se criar uma vítima histórica, o que não é bom para nenhum país. É melhor que ele seja candidato e que a própria população julgue se ele deve ou não ser eleito.

Cezar Santos — A reforma política parecia trazer uma profunda transformação e acabou se encerrando na questão da cláusula de barreiras e no fim das coligações proporcionais. Pelo menos essas duas medidas ajudam a melhorar o quadro?
A questão da cláusula de barreiras foi um erro histórico do Supremo, em 2003, e o tribunal precisa reconhecer isso. Esse instrumento é extremamente importante para evitar a proliferação dos partidos de aluguel, uma quantidade enorme de siglas que não tem qualquer ideologia e que só serve para gerar despesas para outros partidos.

O fim das coligações também é uma medida importante, mas já houve uma medida que passou despercebida em 2014, que determinou que o prazo para o tempo de rádio e TV só contaria para os seis maiores partidos. Com isso, os nanicos já foram “desidratados”. As grandes coligações pensam hoje em seis partidos maiores.

Com relação ao financiamento de campanha, com a criação do fundo eleitoral, lançamos mais uma “jabuticaba”, um sistema misto que só tem aqui: um fundo de campanha público, mas com a possibilidade de financiamento privado. Isso é uma aberração, não existe. Ou se faz um financiamento público de campanha, com total controle dos gastos, ou se faz de modo privado. Só que a principal alteração em relação a gastos de campanha. Vamos ter, a partir das eleições de 2018, vamos ter uma drástica diminuição dos gastos. Como agora o candidato é responsável pela prestação de contas e vai responder criminalmente por isso, bem provavelmente vamos ter uma redução grande da prática do caixa 2, porque ninguém quer assumir essa responsabilidade por eventuais ilicitudes durante o processo eleitoral. Creio que os próprios candidatos vão tomar mais cuidado e não entrarão por esse lado do jogo.

Cezar Santos — Então, por esse lado, vamos ter uma eleição melhor no próximo ano.
Vamos ter, sim, tenho muita confiança nisso. O que me preocupa um pouco é a necessidade de definir o papel do próprio Judiciá­rio. É preciso que ele intervenha quando necessário, e não toda hora.

Elder Dias — Hoje, provavelmente, os eleitores saibam mais nomes de juízes do STF do que de deputados de seu próprio Estado. Quando houve o julgamento do mensalão, José Dirceu foi condenado sem uma prova definitiva. Para todo mundo, ele estava envolvido e era claramente culpado, não tinha como não estar implicado. Dirceu, então, foi julgado pela teoria do domínio do fato, usada pela primeira vez na Justiça brasileira. De que modo isso contribuiu para que, hoje, haja outras condenações mais baseadas em delações e indícios do que em provas cabais?
Mais uma vez, precisamos entender que o Supremo é feito de pessoas que carregam consigo a bagagem de uma vida. Concordo plenamente que o Judiciário hoje tem um protagonismo que não deveria ter. Não é o Judiciário que tem de definir os rumos da Nação. Hoje há claramente uma desarmonia entre os Poderes — o STF tem uma postura interventiva, quer definir o rito de julgamento de processos na Câmara, isso não existe (enfático).

Sobre as questões do Direito Criminal, me parece que a composição atual do Supremo tem uma concepção de que os políticos precisam ser julgados como maior rigor, independentemente do que há nos autos. Isso, digo, é muito preocupante. Não dá para julgar pela aparência, pelo domínio do fato, tem de ser pelas provas.

Foi no julgamento do mensalão que começou a espetacularização do Judiciário. Interessante notar que também é a partir daquele momento que se inicia a transmissão ao vivo das sessões do Supremo, pela TV Justiça. Um ministro da maior Corte dizer que alguém pode ou não ser candidato a presidente é algo inimaginável em outro país, é algo totalmente inconcebível, porque a função de julgar tem de ser dentro dos autos, silenciosa, estudiosa. O Supremo não pode mandar recado para a Nação pelo telejornal, isso tem de ser feito dentro dos autos. Não pode haver jogral no “Jornal Nacional” com ministros apresentando seus votos.

Não é assim que funciona, esse protagonismo não é sadio para a Nação. O papel do Judiciário precisa ser repensado e é preciso entender que isso está ocorrendo porque há um espaço vazio deixado pelo Executivo e, especialmente, pelo Legislativo. Quando este se omite de ser protagonista das grandes questões nacionais é isso que ocorre. Qual é o grande projeto para a Nação que o Legislativo tem encaminhado? Não há, o Legislativo só anda guindado pelo Executivo.

“Lúcio Flávio exerce mandato isolado na OAB-GO”

Elder Dias — Uma questão importante é que, como elaborador das leis, o Legislativo atua de forma corporativa. Isso acaba por “amarrar” o Judiciário em relação a even­tualmente agir contra um político dentro do que regem as leis. Essa autocomplacência dos legisladores não prejudica a democracia?
O Judiciário tem tentado mandar o seguinte recado aos parlamentares: “Vocês estão fazendo feio. Tomem aqui uma carta de advertência!”. Não é assim que funciona. O que está acontecendo se dá dessa forma por culpa do Legislativo? Em grande parte, sim, porque não cumpre seu papel, se permite uma série de manobras com viés claramente contrário aos interesses da Nação. Esse espaço vazio, porém, precisa ser preenchido pelo próprio Legislativo, com a melhoria de seu quadro, de quem está ali. O que não pode é ser preenchido pelo Judiciário, por outro poder. Essa reforma precisa sair do próprio Poder Legislativo.

Elder Dias — No fim das contas, com a legislação sendo feita pelos parlamentares que estão lá, parece que mudam as regras para que tudo continue da mesma forma…
Não é uma concepção equivocada. Pelo contrário, é claramente isso mesmo.

Elder Dias — Com a verba do fundo eleitoral criado agora sendo colocada nas mãos dos dirigentes dos partidos, e sendo essa verba concentrada em seis grandes partidos, não se cria mais uma dificuldade para a renovação do Legislativo?
As alterações dessa última reforma só visaram não renovar o quadro. Elas não têm nenhum outro viés. A gente, outras vezes, usava o termo “puxadinho” para designar esse tipo de reforma. Dessa vez, foi um arremedo. Não há qualquer interesse em “reformar”, visou apenas a ma­nutenção dos que fizeram essa legislação.

Cezar Santos — A base aliada do governo em Goiás está com excesso de nomes e surgiu uma manobra para lançar três nomes ao Senado, embora tenha apenas duas vagas. Isso é possível? Por qual mecanismo?
Legalmente isso não é impossível, mas politicamente pode não funcionar. Vamos supor que haja seis partidos nessa coligação majoritária. Para o Senado, as duas vagas de titular e as quatro de suplente — duas para cada titular — obrigatoriamente deverão sair dentro dessa chapa que lançou governador e vice-governador. Todavia, é possível fazer outra chapa apenas com candidatos ao Senado, a deputado federal e a deputado estadual, sem lançar governador e vice. Isso é legalmente legítimo. Nesse caso, não teriam candidatos a governador e a vice e essa chapa poderia apoiar o candidato a governador de outra chapa. Repito: legalmente é viável, mas os candidatos a deputado dessa chapa sairiam bastante prejudicados, porque só poderiam coligar entre si. Para estadual não há tanta dificuldade, porque vários partidos saem de forma isolada — como ocorreu com o PTB na última eleição. Mas o quadro fica ruim para federal, porque geralmente se forma o chamado “chapão”. A resposta final é que poderia haver até quatro candidatos ao Senado disputando duas vagas e apoiando o mesmo candidato ao governo, embora em um quadro complicado politicamente.

Euler de França Belém — A atual gestão da OAB-GO tem sofrido uma série de baixas. Em vez de unir as diversas correntes, o que tem havido é a saída de quadros que o apoiavam. O presidente, Lúcio Flávio Paiva, já afastou conselheiros por cartas enviadas por motoboys. Como o sr. avalia o mandato dele, que entra agora em seu último ano?
Quando, durante a mais recente campanha eleitoral para a seccional da Ordem em Goiás, nós, da OAB Forte, falávamos que para ser presidente era necessário ter preparo, muitos nos disseram em resposta que queríamos era apenas continuar no poder. Não era isso e está mais do que provado que, para ser presidente da OAB-GO, é preciso saber o que se está fazendo. Não foi o caso do eleito. Lúcio Flávio chegou lá sem saber o que era a Ordem e demorou muito tempo para aprender o que significava aquela cadeira. Começou, então, a tomar posturas unilaterais, sem ter a visão de que era o presidente da Ordem, mas de um conselho seccional. A Ordem, pela própria formação trazida pelo Estatuto da Advocacia, diz que o presidente — que chamamos de “presidente da OAB em Goiás” — é, na verdade, o presidente de um conselho.

Portanto, é necessário que se respeite esse conselho, que se respeite aqueles que foram derrotados na eleição e que não se tenha uma cadeira com um rei só. O que temos hoje é o mandato de uma pessoa isolada, que não tem mais grupo e que não está defendendo os interesses da categoria. Sinceramente, não vejo a OAB mais nas principais lutas da advocacia: temos problemas seriíssimos hoje, seja com o Tribunal de Justiça, seja na sociedade, mas ninguém mais vê a OAB participando disso.

Lembro-me de que em outros mandatos, quando o grupo era o da OAB Forte, a Ordem era chamada para resolver problemas em creches, para mediar desocupação de terrenos. E hoje, qual é o papel que essa atual gestão tem na sociedade? É nulo. É uma gestão abaixo de qualquer crítica, não só pelo problema interno. Este pode até agravar a situação de não conversar com o público externo, mas o que está ocorrendo é que a OAB está perdendo sua representatividade. A Ordem não foi feita para se isolar, ela tem de estar dentro da sociedade, inteirada do que acontece nela. Se fosse para conceituar essa gestão, é um mandato muito fraco.

Euler de França Belém — Quais são os problemas que os advogados enfrentam em relação ao Tribunal de Justiça (TJ-GO)?
Temos graves problemas com o processamento das ações judiciais. O TJ-GO criou um sistema de informatização e está fazendo a digitalização dos processos por unidade, sem se preocupar com a estrutura física do próprio tribunal. O resultado é que há processos que ficam parados de seis a oito meses para essa digitalização. Também há problemas com magistrados que não estão nas comarcas. Enfim, existem questões das quais a Ordem poderia estar mais próxima do tribunal, dialogando, o que é diferente de ter uma postura de enfrentamento. Ninguém precisa ser representante classista para brigar com A ou B, pois está lá para resolver o problema. Tentar partir para o enfrentamento sem passar pelo diálogo me parece muito mais tentar ter atitudes eleitoreiras do que qualquer outra coisa. Falar “vou enfrentar” ou “eu enfrentei”, isso não é positivo para a classe. O Judiciário é um só e os advogados compõem a estrutura que faz mover esse Poder. E essas questões do dia a dia do advogado não estão sendo atacadas por essa gestão.

Cezar Santos — O sr. falou que a OAB-GO está apartada da sociedade. Isso quer dizer que o presidente se voltou mais para estar resolvendo os problemas internos?
Não, ele hoje também está refém das crises internas, mas não está resolvendo esses problemas internos. Ele hoje é muito mais refém dos problemas que enfrenta com seu próprio grupo dentro do mandato. Não estamos assistindo a qualquer tipo de preocupação de ter um mandato voltado para dentro por uma necessidade, algo nesse sentido. Na verdade, o mandato está voltado apenas para resolver os problemas criados nesta gestão, não os problemas da OAB-GO.

Cezar Santos — Então, o nome real desta gestão é Crise…
Ou “A OAB Que Não Queremos”. (irônico)

Euler de França Belém — Lúcio Flávio alega que o grupo que o antecedeu teria deixado uma dívida monstruosa e que ele estaria tendo de equacioná-la. Isso procede?
O orçamento da OAB-GO não tem mágica, é um só. Lúcio Flávio está no segundo ano de mandato, ou seja, só findou um exercício. Então, não tem como ele falar que, com um orçamento de R$ 30 milhões, pegou um déficit de R$ 23 milhões e hoje informar que está com um superávit de R$ 8 milhões ou R$ 9 milhões tendo uma despesa anual de R$ 15 milhões. Simplesmente, a conta não fecha. O fato é que não havia aquele rombo da forma com que foi colocada. A OAB-GO tinha, sim, algumas dívidas, especialmente por falta de repasses à Caixa de Assistência (Casag). Foi feita uma negociação entre a Caixa e o Conselho Seccional da OAB-GO, algo que é feito todo ano, e a suposta dívida — que era uma questão muito mais contábil que financeira — foi sanada. Com quase dois anos de mandato, não dá para jogar culpa em antecessor. Isso não existe. Está na hora de Lúcio Flávio entender que a gestão é dele e o problema, agora, é dele também.

Euler de França Belém — Em menos de um ano ocorrerão as eleições para o próximo mandato da OAB-GO e os grupos já começam a se movimentar. A oposição parece não estar precisando fazer nada — parece que o principal opositor de Lúcio Flávio é ele próprio. O que parece ocorrer é que três grupos — o da OAB Forte, o de Leon Deniz e o de Enil Henrique — se preparam para uma união e o lançamento de um único nome. Isso é possível?
É plenamente possível, porque to­dos esses três personagens saíram da OAB Forte. Leon Deniz foi conselheiro seccional na gestão de Miguel Cançado; Enil foi tesoureiro e, depois, presidente eleito saindo também do grupo OAB Forte. Então, não há por que não dialogar. O importante agora é desenhar um quadro macro, no qual a Ordem esteja no centro. O que não pode haver são interesses promocionais, para fazer fama de escritório usando a Ordem para isso. A Ordem não pode servir de trampolim para ninguém.

Sempre enxerguei a Ordem como lugar de advogados importantes, já consolidados, e que vão para o mandato prestar um serviço à categoria, justamente porque é um serviço muito importante. Quando se fala isso, muitos dizem que essas pessoas vão para lá para “afagar o próprio ego”. Ora, isso também é válido. Mas o que estamos vendo no momento não é isso, mas uma tentativa de autopromoção de alguns membros da atual diretoria buscando colocar em evidência seus próprios escritórios. Outros grupos nunca fizeram isso enquanto estiveram lá. Na verdade, são grupos que historicamente avançaram a OAB em Goiás para que ela chegasse ao patamar em que está hoje, uma Ordem respeitada e ouvida pela sociedade.

Incomoda todos nós o minimalismo com que a atual gestão tem tratado os problemas da sociedade goiana e brasileira. Então, esses três grupos podem, sim, se juntar. Seria uma junção de conveniências? Não entendo assim, porque todos eles nasceram no mesmo braço e são grupos que historicamente sempre se respeitaram.

Cezar Santos — Seria uma união para salvar a OAB-GO?
Não, seria uma união pela OAB-GO. Usar o termo “salvar” seria colocar Lúcio Flávio quase que em uma situação de vítima e não é isso que está acontecendo. O que esses grupos podem fazer, com total condição, é se juntarem para pensar na OAB-GO e lançarem bons nomes, na retomada de um projeto. E me parece que vai acontecer daqui para frente.

Elder Dias — O quadro da OAB em Goiás, em termos de mobilização para problemas conjunturais graves no Estado e também nacionalmente, parece realmente desmobilizado. Como está ocorrendo com a Ordem em outros Estados e em sua gestão em todo o País?
O que estamos vendo é um enfraquecimento da OAB como um todo. A gestão nacional repete o que está ocorrendo em Goiás. O presidente nacional da OAB [Claudio Lamachia] não tem hoje um papel de protagonismo em relação ao momento do Brasil. É bom nos lembrarmos de que, na história recente do País, a OAB sempre foi protagonista nos episódios mais marcantes — o fim da ditadura, o impeachment de Fernando Collor, entre outros. A sociedade buscou na OAB uma salvaguarda. Não é o que ocorre agora.

Essa preocupação em dizer que a OAB tem de trabalhar “para ela”, internamente, não representa o que de fato é a Ordem, historicamente e em seu papel institucional. Somos a maior entidade de classe deste País, quase 1 milhão de advogados, a OAB tem de assumir seu protagonismo. Como uma entidade como essa fica silente? Como não ter um papel de protagonismo? Não tem jeito, não pode. Infelizmente, o que ocorre em Goiás também se repete em outros Estados, mas é necessário que se altere o quadro como um todo.

Euler de França Belém — O presidente do TJ-GO, desembargador Gilberto Marques Filho, está propondo um aumento no número de cartórios. O que o sr. pensa sobre essa questão? Isso contribui em algo para a sociedade, pode melhorar em relação ao custo?
Em termos de custo, para a sociedade não vai alterar nada, talvez possa haver um melhor serviço. Os cartórios por aqui talvez vivam seus últimos suspiros do sistema de legislação vindo de Portugal. É uma questão que certamente tem de ser repensada em seu todo. Quando fui conselheiro da Ordem, apresentei um projeto — que foi levado pela Ordem ao TJ-GO — alterando a destinação dos recursos recebidos pelos cartórios, para que parte fosse repassada para o Fundo Penitenciário. A OAB-GO encaminhou ao tribunal, que levou ao governador, que fez chegar à Assembleia, e hoje funciona assim. Agora, no começo de dezembro, vamos ter a assinatura de um convênio por meio do qual o TJ-GO vai repassar quase R$ 70 milhões para terminar cinco presídios. E esse montante vem desse projeto.

Vejo que a questão dos cartórios precisa ser repensada como um todo e essa medida tem de ser estudada com muito cuidado, porque não se pode tirar garantias individuais. Muitos cartorários têm direitos adquiridos porque prestaram concurso para essas delegações. Não é algo simples e que precisa ser discutido com toda a sociedade. E, então, eu volto à OAB-GO: a entidade deveria estar “dentro” desse projeto, analisando sua constitucionalidade, sabendo o que está acontecendo. O que vemos, no entanto, é que o TJ-GO está tomando o protagonismo sem que nenhum outro ente esteja avaliando a redação desse projeto.

Elder Dias — O Direito Eleitoral é um “mercado” promissor na advocacia? Como é essa área?
É, primeiramente, uma área totalmente apaixonante, porque lidamos com algo que é também apaixonante, que é o voto. Isso se dá de forma mais próxima quando se trata de eleição municipal. A advocacia é uma profissão muito difícil, embora tenha muito pouco tempo nela diante de colegas que estão aí há décadas, com grande experiência e conhecimento. Ao mesmo tempo, é uma exaustiva. No Direito Eleitoral isso é multiplicado, porque o advogado passa a ter uma responsabilidade social com o resultado. Caso o profissional não consiga um resultado positivo, pode mudar a vida de muita gente. Imagine o que é a cassação de um prefeito: sai o prefeito, sai toda a estrutura de poder com ele. É muita responsabilidade.
Como “nicho” de mercado, é uma á­rea a mais. Aumentou muito com a ju­di­cialização do processo, mas não é tão rentável quanto se pensa, porque é sazonal, tem picos a cada eleição. Por isso, o Direito Eleitoral não é capaz de sustentar um escritório de médio porte.

Cezar Santos — O sr. também é professor e temos hoje uma grande dificuldade com o ensino do Direito. Muitas faculdades não conseguem emplacar sequer um aluno no Exame da Ordem. Continua tendo uma proliferação de faculdades ruins?
O ensino jurídico no Brasil tem realmente uma qualidade muito ruim. A OAB deveria ter um protagonismo maior, inclusive para tentar fechar cursos de baixa qualidade, por meio de ações judiciais, se for o caso. O Ministério da Educação também precisa reavaliar a concessão das licenças. Por outro lado, é preciso repensar o Exame de Ordem, que hoje não testa o advogado, é uma seleção muito similar ao concurso público. Se o exame é necessário, mas não testa para a profissão que o candidato vai desempenhar e não afere sua aptidão, precisa ser repens

“Foco do Goiás precisa ser em time vencedor, não em estrutura”

Euler de França Belém — O sr. será um dos vice-presidentes da próxima diretoria do Goiás Esporte Clube. O time foi muito mal na Série B deste ano, mesmo com uma folha caríssima. O Goiás tem jeito?
O futebol é muito ingrato. A diferença entre o sucesso e o fracasso de uma gestão é a bola bater na trave ou entrar. Depende tudo de uma coisa que o Goiás vai ter agora, que é planejamento. As alterações feitas no estatuto do clube, com a criação do conselho administrativo, em que o poder de decisão sai da mão do presidente executivo para a de oito pessoas — além do presidente, seus cinco vices e os dois vices do conselho deliberativo —, vai permitir que haja um processo de amadurecimento das decisões. É preciso que mais pessoas sejam ouvidas sobre o futuro do clube, que tem a maior estrutura física do Centro-Oeste e uma das melhores do Brasil. Tem, ainda, uma situação financeira invejável, sem tributos atrasados, sem dívidas previdenciárias e com dívidas trabalhistas bem negociadas. É um clube com liquidez alta, por conta de algumas transações feitas nos últimos anos. O que o Goiás precisa é ter investimento focado no futebol. O erro foi deixar isso na mão de uma ou duas pessoas nos últimos anos. É necessário que o clube se abra e passe por um processo de renovação. É isso que vai acontecer agora.

Uma coisa que foi pouco debatida na imprensa sobre as mudanças no Goiás é que não haverá mais reeleição. Ou seja, temos agora o último mandato do presidente do conselho deliberativo, Hailé Pinheiro, pois não poderá ser reeleito. Haverá, então, um processo natural de mudança dentro do clube. E é bom que o Goiás se oxigene e mude seus rumos, principalmente a forma de pensar o futebol.

Euler de França Belém — O Goiás era tradicionalmente um celeiro de talentos. Por que isso não ocorre mais?
É algo que não tem como explicar. Em sua trajetória, o Goiás revelou grandes jogadores e os vendeu mal. Nos últimos tempos, vendeu bem alguns que não têm a qualidade técnica de outros que os antecederam.

O futebol é um mundo paralelo em termos de cifras, é preciso ter pé no chão. Para ter ideia, a folha do Goiás é alta para um clube de Série B, mas não chega a um quinto de um clube de Série A. Isso precisa ser pensado. Felizmente, o Goiás tem um contrato forte com a televisão e não sofre um grande impacto em suas bases mesmo ficando mais um ano na 2ª Divisão.

Euler de França Belém — É verdade que o Goiás era a segunda maior folha da Série B, atrás apenas do Inter?
Não. O Inter tinha uma folha aproximada de R$ 4 milhões; alguns clubes tinham algo em torno de R$ 3 milhões; já a do Goiás girava em R$ 2,8 milhões.

Elder Dias — Mas em 2019 a forma da receita da TV será totalmente alterada. Quem não estiver na 1ª Divisão vai perder substancialmente. E a diferença do Goiás em relação aos demais times goianos e até em relação a clubes de médio e até de grande porte do Brasil sempre foi a ótima estrutura. Essa estrutura depende da receita. O Goiás, se não subir em 2018, não ficará como o herdeiro da mansão com um carrão na garagem que teve de vender o carrão depois do primeiro ano para manter a mansão e, no segundo, não teve outra solução que não vender a própria mansão?
O planejamento para 2018 é feito todo ele com vistas a voltar à Série A. O Goiás tem não precisa da receita da TV para manter sua estrutura física. O dinheiro da TV é destinado especialmente para o investimento em futebol. Como o clube faz, então? Qualquer acréscimo para o futebol tem de vir da venda de jogadores, porque as outras receitas — mensalidades da escolinha, arquibancada etc. — são utilizadas para a manutenção da estrutura física. Mas você tem toda a razão: o foco precisa ser em ter um time vencedor. É preciso parar com a mentalidade de que está bom ter uma grande estrutura física. Time de futebol foi feito para ganhar campeonatos. Estamos tratando de uma paixão, não de uma empresa.

Elder Dias — O Goiás trouxe o ex-jogador Túlio Lustosa para ser gestor de futebol. Foi um nome de referência como atleta e toda a torcida gosta dele. Só que não tem a vivência em um clube de grande porte na função que vai exercer. Não está sendo cometido novamente o erro de testar novamente alguém para uma função tão importante?
O Goiás já trouxe grandes nomes para a área em anos anteriores, como Felipe Ximenes, que veio do Coritiba com um grande trabalho, mas deu errado aqui. Com o conselho de administração, vai ter mais gente definindo as contratações. Túlio é responsável pelo contato dos jogadores e da comissão técnica com a diretoria. As contratações vão passar por ele, obviamente, pelo treinador e por todo o conselho de administração.

Elder Dias — Isso não vai repetir o que fazia o tal “colegiado”, que chegou a atrasar decisões importantes para o clube?
O conselho de administração é muito objetivo, mas só vamos ver os frutos quando tudo for posto em prática. É um dilema: centralizar as ações em uma pessoa só, para ter mais objetividade, ou dividir e fazer de forma colegiada? As reuniões do conselho serão semanais ou a qualquer momento que o presidente convocar.

Elder Dias — Para esse conselho, o Goiás se espelhou em algum organograma de outro clube?
Vários clubes têm essa mesma forma de administração. O Palmei­ras, por exemplo, que hoje é um “case” de sucesso no futebol brasileiro. E, quando eles caíram para a Série B, em 2012, repensaram toda a estrutura de clube, o estatuto e a relação com o torcedor. O Goiás pre­cisa voltar a ter contato com sua tor­cida, que é o maior patrimônio. Não se pode fugir disso. O clube en­tendeu isso justamente no momento da crise deste ano, quando baixou o preço do ingresso e chamou o torcedor.

Elder Dias — O sr. tem desejo de ser presidente do Goiás?
Não tenho nenhum projeto nesse sentido. Esse convite para ser vice surgiu de forma inesperada para mim, creio que por causa do trabalho como advogado do clube. Sou apaixonado pelo Goiás, vou aos jogos, mas penso que isso é uma forma de dar outros ares. Não tenho nenhum parente sócio, ninguém dentro da estrutura. Isso é uma mostra de que o Goiás é um clube aberto, diferente do que muitos pensam.