“A reforma administrativa da Prefeitura é urgente e tem de passar logo pela Câmara”
01 maio 2015 às 13h09
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Um dos mais ferrenhos críticos da administração municipal, vereador do PSB diz não acreditar na ideia segundo a qual “quanto pior, melhor” e sugere que a oposição tenha de ajudar o Executivo a gerir a cidade para superar os tempos difíceis
Atualmente em seu quarto mandato na Câmara de Goiânia, o vereador Elias Vaz é uma das vozes mais conhecidas do Legislativo municipal. Polêmico e questionador, ele carrega o espírito de quem começou a militância política cedo, aos 16 anos, no movimento estudantil. Mas ficou particularmente conhecido por ocasião da luta pela implantação do transporte alternativo na capital, no fim da década de 90. O embate serviu à criação da Cooperativa de Transportes do Estado de Goiás (Cootego), hoje inserida no sistema de transporte e dando suporte a cerca de 400 famílias.
Em 2000, Elias Vaz assumiu mandato com a maior votação da história da Câmara Municipal até hoje, 14.237 votos. As demais eleições foram mais complicadas, mas, mesmo tendo pouca estrutura, ele “sobrevive” até hoje, sempre como oposicionista. Hoje é um dos mais influentes vereadores e foi nesta condição que o Jornal Opção o recebeu para a entrevista da semana.
Atualmente o vereador preside a Comissão de Constituição, Justiça e Trabalho (CCJ) da Câmara, que discute o projeto de reforma administrativa enviado pela Prefeitura. Severo crítico da gestão da capital, o pessebista acha que não é hora de fazer oposição por oposição. “É preciso ter responsabilidade com o município e com as pessoas. Em situações de ‘quanto pior, melhor’, quem sai perdendo em maior proporção sempre é a faixa das pessoas mais humildes”, explica. Para ele, está sendo mais complicado ao prefeito Paulo Garcia (PT) lidar com sua própria base do que com os vereadores da oposição. “Mas é preciso fazer a reforma administrativa, Goiânia não pode esperar mais. Seria uma atitude irresponsável não levá-la adiante e rapidamente.”
Elder Dias — Vivemos um momento complicado, financeiramente falando, nos cofres públicos em geral, sejam municípios, Estados ou União. Dentro desse contexto e sendo representante do Legislativo em Goiânia, como o sr. vê a reforma administrativa proposta pelo Paço?
O rumo está correto. Temos de ter coerência: quando o prefeito Paulo Garcia (PT) fez reformas que ampliaram o número de secretarias e o gasto com cargos comissionados, aumentando o custo da máquina, nós fomos contra. A reforma administrativa, agora, vem para resgatar o mínimo de uma estrutura de organização administrativa que seja compatível com o que é arrecadado.
O projeto propõe, por exemplo, a redução do número de alguns cargos comissionados, inclusive do valor gasto com eles; também aponta para a diminuição da quantidade de secretarias. São medidas que achamos importantes, porque, no fim, vão diminuir também as microestruturas, as diretorias. Nós chegamos a ter no Parque Mutirama, por exemplo, nove diretores. Isso é uma coisa inconcebível. O diretor do Mutirama tinha status de secretário. Costumo brincar dizendo que um diretor geria a Montanha Russa, outro diretor devia estar tomando conta do Autorama, e assim por diante. Ou seja, uma coisa verdadeiramente absurda.
Então, vejo a proposta de reforma, com essas reduções, como positivas. O que não podemos permitir é que o desarranjo das contas vá parar no bolso do contribuinte — como quiseram implantar ao tentar passar o aumento do IPTU — ou nas costas do servidor municipal — com o projeto de redução do quinquênio para o funcionalismo. Isso não podemos aceitar, porque o enxugamento da máquina não pode jamais atingir direitos adquiridos dos trabalhadores. Este é o marco que estamos nos impondo. Mas o que avalio é que hoje o prefeito terá mais problemas com a base do que com a oposição.
Frederico Vitor — Mas por que o sr. acredita que isso ocorra?
Porque, no grosso do que é a reforma, ela contraria muito mais os interesses da base do que os da sociedade. Naquilo que houver interesse público, como é a questão da redução de cargos ou a diminuição do número de secretarias, acredito que o Paço contará com o apoio da oposição. É verdade que há pontos a serem discutidos, como por exemplo apuramos na audiência pública que fizemos nesta semana, quando o Psol colocou que a redação da parte que trata da data base não estava bem feita com relação à garantia de sua continuidade. O próprio secretário presente [Jeovalter Correia, de Finanças] foi bem aberto à discussão, falou que não teria problema em refazer o texto. Então, vamos estabelecer um debate mais próximo tanto junto à Prefeitura como em relação aos sindicatos. Somos totalmente favoráveis à redução da estrutura organizacional.
Outro ponto polêmico diz respeito à incorporação. Particularmente, assim como eu defendi o quinquênio — por entender que beneficia todos de modo geral e que é um direito desde quando a pessoa vai prestar o concurso público, é uma condição que já está estabelecida —tenho restrições à incorporação, vejo alguns problemas. Como funciona a incorporação? A pessoa ganha um determinado acréscimo por ocupar certa função durante um determinado período, geralmente cinco anos, e incorpora para o resto da carreira a maior gratificação que tiver recebido. O primeiro grande problema é que isso gera uma anomalia: imagine que uma pessoa seja chefe e depois volta à função original; teremos, então, duas pessoas trabalhando nas mesmas tarefas e uma delas ganhando muito mais, porque algum dia foi chefe. O segundo problema é sabermos que a maioria das pessoas que ganham gratificação — e é claro que há exceções — é de “amigos do rei”, chega ao cargo por indicação política. Ou seja, o critério para essas pessoas adquirirem um degrau a mais, um aumento no salário, não é técnico, mas o fato de serem bem articulados.
Elder Dias — A solução, então, é a meritocracia?
Aí há outra questão, que acho positiva: a reforma administrativa proposta aponta para a utilização dos recursos que hoje estão muito mais ligados às gratificações a uma questão de produtividade. Uma preocupação que afeta os sindicatos está nas regras da meritocracia. Eu, pessoalmente, acho que a meritocracia é o rumo, o qual temos de discutir para melhorá-lo. Por exemplo, podemos discutir se o modelo de meritocracia que o Estado adota é o melhor, se está sendo desenvolvido de forma correta. Tudo bem, que discutamos para melhorá-lo, mas ele, de qualquer forma, já é muito melhor esse modelo do que o método da indicação política.
Pela produtividade que a meritocracia esclarece, podemos diferenciar locais de função semelhante. Se um posto de saúde tem um desempenho muito melhor que outro para a sociedade, penso que seu pessoal deva ser valorizado. O mesmo vale para uma escola ou qualquer outra atividade da administração. A iniciativa privada usa bem esse sistema e não vejo problema em sua aplicação no setor público. Sabemos que, na prática, tem muito servidor que dá a alma por sua função e a exerce na plenitude, enquanto outro se escora nesse servidor para, no fim, ambos ganharem a mesma coisa. É preciso ter o mínimo de reconhecimento por aquele que tem muito mais dedicação. Para isso é preciso disponibilizar incentivos para as pessoas que produzem mais e prestam um serviço melhor. O cuidado, de nossa parte, tem de ser, no momento da regulamentação, em fazer algo que funcione com justiça. Mas, em suma, penso que é um caminho que a reforma administrativa está tomando.
Cezar Santos — O sr. tem se notabilizado por ser, talvez, o mais ferrenho crítico de Paulo Garcia. Qual é o principal problema da gestão do prefeito?
A administração atual não resolve os problemas mínimos. O que era para ser positivo, como o Complexo Macambira-Anicuns, se torna outro entrave. Lançaram agora o BRT no Eixo Norte-Sul, algo que deveria ser bom. Mas, por conta do andar da carruagem da gestão, logo imaginamos que vai virar problema, que vai emperrar, que não vai acontecer.
Frederico Vitor — A gente percebe dificuldades da Prefeitura com sua própria base. Três dos quatro vereadores eleitos pelo PT em 2012 deixaram o partido. Na conjuntura atual, como ela está? Apresenta sinais de divisão?
A reforma administrativa mostra isso. Percebe-se até o líder do prefeito [Carlos Soares, do PT] se manifestar contra a proposta, não é segredo para ninguém. Os vereadores estão falando publicamente que têm resistência.
Elder Dias — Mas o mesmo não ocorre com Marconi Perillo? A base dele também está, pelo menos em parte, insatisfeita.
Parece que sim, mas Goiânia tem um agravante: os níveis de popularidade do prefeito estão muito baixos.
Elder Dias — Mas quando se corta na própria carne — e uma reforma administrativa é sempre assim, um corte do governo em si, nos “seus” —, não é natural que seja a inquietação seja na base mesmo?
Sim, mas no caso da Prefeitura não foi a única vez que houve essa insatisfação. É uma reclamação quase generalizada por parte dos vereadores da base. Reclamam que a conversa no Paço é um monólogo, não há diálogo. Dizem que o prefeito não dialoga de verdade, que é discutir e ouvir. Quando são convocados para alguma reunião, dizem que só lhes é dito o que deve ser votado, sem discussão. E isso vai gerando insatisfação, vai deixando resquícios e se agravando. Hoje está muito claro para mim que a base do Paço não está satisfeita nessa relação.
Elder Dias — Mas essa insatisfação não é por conta de questões de busca de benefícios eleitorais? É isso que ocorre em qualquer nível, seja União, Estados ou municípios. Às vezes temos reclamações a respeito de não atendimento de reivindicações pouco republicanas, como colocar mais pessoas (ou não perder pessoas) na máquina administrativa. Não é o caso?
Acredito que até o momento não tinha sido esse o problema. Isso deve acontecer agora, com a reforma. O grande problema que havia com a base era o não atendimento das demandas. Quando houver a reforma, creio que realmente vai se evidenciar essa crise, pela perda de postos, de uma diretoria ou uma chefia. Se não vai existir mais tal cargo, é óbvio que isso pode gerar uma crise. Entretanto, a crise que há com os vereadores é que não há resposta para as demandas simples dos bairros em que o vereador tem sua base — uma lâmpada queimada, buracos na rua, um parque por fazer, a cobertura de uma quadra etc. Isso acaba deixando os vereadores fragilizados.
Isso ocorre porque a relação entre parlamentares e governo, muitas vezes, se dá nesse aspecto de obras para suas bases eleitorais, o que eu até considero um caminho mais republicano, mais interessante. Não vejo problema em negociar obras e demais iniciativas de benefício popular.
Elder Dias — Mas não deixa de ser uma troca.
Sim, mas nesse caso, como o vereador ganha com isso? Ganha por levar um benefício à sociedade. O vereador está apostando na satisfação da população. Por isso eu sou um defensor do orçamento impositivo, apesar de não gostar da expressão. Eu o chamo de “orçamento real”, porque o orçamento que temos é uma ficção, o Executivo faz o que quer com ele.
Elder Dias — Mas, para ser democrático de verdade, sem ter essa de curral eleitoral, não seria melhor deixar o próprio povo pedir?
Sim, por meio do orçamento participativo, não tenho dúvida disso. Mas, no caso, se for para colocar a questão entre um orçamento feito Legislativo que brigue por benfeitorias e outro em que fique um técnico ou secretário o discutindo atrás de uma mesa, o que fazer? A análise política que um vereador vai fazer é “tenho de trazer a obra mais interessante possível para agradar às pessoas e elas aprovarem meu trabalho”. É assim que ele fará. Um tecnocrata decidindo é antidemocrático.
Particularmente, se eu fosse fazer um trabalho em uma região por meio de um orçamento assim, eu faria uma votação naquele lugar para saber o que a população indicaria. Se me permitirem influenciar sobre um determinado valor do orçamento, vou para a sociedade, para a comunidade, marcar um dia, um fim de semana, fazer uma votação para decidir o que fazer, se é um Cmei ou um posto de saúde. Isso engrandece o trabalho do vereador. Minha tese é essa, de sempre envolver diretamente a sociedade.
Cezar Santos — O prefeito Paulo Garcia se elegeu muito bem, em primeiro turno. Em que momento e por causa de que o sr. acha que se deu a crise da gestão municipal?
Creio que foi ao fazer as reformas anteriores, que flexibilizaram a máquina do município, recriando pastas. Por exemplo, a administração tem um Gabinete Militar, com 20 militares. Eu considero que foi um erro.
Elder Dias — Mas toda essa recomposição da máquina da Prefeitura não passa pela Câmara? Os vereadores acabam sendo corresponsáveis.
Isso para quem votou favoravelmente a essas mudanças. Eu não fui, pelo contrário, fui contra essas reformas. E ainda disse que tinha vereador votando a favor com a perspectiva de participar da indicação desses cargos. Isso todos sabem que é verdade, é inocência pensar o contrário. Não falo que todos os que votaram pensavam assim, mas é a realidade.
Elder Dias — E provavelmente são agora os mesmos vereadores que estão dificultando a aprovação da proposta do Paço.
Com certeza. Isso está nítido. Quando o vereador imagina que vai cortar alguma diretoria com um conhecido ou um apoiador. Obviamente, isso gera uma situação complicada. E o que eu falo aqui todo mundo sabe, que vereador indica cargos. Uns mais, outros menos, mas, para quem está na base, então, isso é até o normal a acontecer. Mas já tivemos situação de criar secretaria para resolver problema de partido, para atender a uma tal pessoa, o que é um absurdo, perde-se o espírito do interesse público.
Agora a coisa se inverte, porque as contas apertaram. Nós, da oposição, precisamos então fazer um filtro, porque os servidores efetivos não têm de pagar essa conta. Mas, no global, essa reforma tem de passar e tem de ser feita. Aliás, digo mais: é urgente, a Prefeitura não tem mais condições de caminhar assim. Tenho uma posição de oposição independente, mas acima de tudo tenho responsabilidade com a cidade. Poderia falar, de minha posição, um “sou contra a reforma”. Isso seria irresponsável. Não, a reforma é necessária e precisamos apenas discutir a melhor forma de ela ser feita. Assim, temos a disposição de ajudar no que for possível, obviamente fazendo as ressalvas para que a reforma não promova injustiças.
Elder Dias — No papel, a proposta da campanha de 2012 de Paulo Garcia, sobre Goiânia como uma cidade sustentável, não é mesmo o que deve ser seguido pelo poder público?
Sem dúvida, o caminho da sustentabilidade é algo que, se a humanidade não perseguir, estaremos condenados na face da terra. Precisamos rediscutir nosso padrão de consumo, de cada um com a natureza. O que ocorre na questão da organização de uma cidade, vemos contradições claras. Por exemplo, na construção de prédios em lugares inadequados.
Elder Dias — Então, é muito difícil colocar a teoria na prática?
Sim, até porque os interesses imediatos são fortes. Quem tem poder econômico consegue influenciar muito. Basta ver o poder que o grupo Hypermarcas teve na votação do Plano Diretor na Câmara. Refizeram um conceito para atender a um conglomerado econômico. Outra questão foi a tentativa de venda de áreas públicas, o que barramos na Justiça. Mais recentemente, descobrimos que um grupo conseguiu aprovar, de forma totalmente ilegal em nossa opinião, a construção de mais de mil apartamentos no Parque Lozandes. Criam uma regra, mas parece que isso é só para os pobres e trabalhadores. Assim, não há nada de sustentabilidade.
Esse conceito vai sempre por conflitos de interesses. Vai sempre vir alguém para dar um jeitinho e dizer “se todo mundo respeitar a sustentabilidade, só eu não, isso não vai fazer diferença”. O discurso é bonito, difícil é respeitá-lo.
Cezar Santos — O sr. torce pelo fracasso do mandato de Paulo Garcia?
Não. Tanto não torço que estou muito preocupado com o destino desta reforma administrativa. Falei, inclusive, com alguns vereadores da oposição e acho que temos o dever de apoiar essa proposta, pelo compromisso com a cidade. Como eu disse, precisamos melhorar o projeto, mas essa reforma precisa acontecer. Outro exemplo: sobre os empréstimos que o prefeito Paulo Garcia quis passar pela Câmara, eu sempre fui um dos que não só votaram favoravelmente, mas também os defendi. Não podemos inviabilizar a administração. O que não vou admitir é que uma empresa cobre três vezes mais sobre um valor, meu papel é de questionar isso. Mas queremos sempre contribuir, como nessa questão da iluminação pública.
Eu já disse isso ao presidente da Casa, o vereador Anselmo Pereira (PSDB), que nós devemos assumir uma responsabilidade até além da que temos, precisamos propor sugestões para a Prefeitura, se lá nos derem abertura. Não acredito na política do “quanto pior, melhor”. Para mim, quanto pior, pior. Até porque quem sempre é mais sacrificado é justamente a parte mais humilde da sociedade. Se a saúde está ruim, quem tem melhor condição busca seu plano de saúde; já quem não tem tanta condição, está sendo muito afetado, sem ter como reagir.
O mesmo ocorre em cenários de greve. É um direito legítimo dos trabalhadores, mas que acaba atingindo principalmente a parte mais vulnerável da sociedade. Em uma greve da educação municipal, os mais afetados são aqueles que têm criança na escola pública, não em colégio particular. Se ficar ruim, fica principalmente para a sociedade mais humilde e trabalhadora.
Elder Dias — O sr. está em seu quarto mandato e já deve ter percebido que a população sempre se lembra mais de quem está no Poder Executivo. Nesse cenário, prefeito, governador e presidente são sempre alvos muito visados. Para o Legislativo essa responsabilidade geralmente se dilui, a não ser em um caso de escândalo muito grave. Por exemplo, no caso da corrupção na Petrobrás, um partido, o PP, está com metade de sua bancada no Congresso sob investigação, porque o acusado [Paulo Roberto Costa] de ser o operador do esquema na sigla resolveu aceitar o benefício da delação premiada. Mas, por analogia, poderíamos supor que, se outros operadores fizessem a mesma coisa, pegariam em média também a metade de cada um dos partidos. O Congresso Nacional tem cerca de 600 parlamentares, entre senadores e deputados. Metade disso são 300. E um ex-presidente, antes de ir para o Planalto, falou em “300 picaretas” por lá. Então, isso quer dizer que a população, no máximo, pode confiar só em metade do Legislativo?
Eu penso que hoje temos uma crise que era apenas política e está virando institucional. Essas crises promovem alterações mais profundas. Esse modelo de representação, em minha opinião, está falido. No ponto de vista clássico da democracia grega, as pessoas iam para as ruas, praças, debatiam política. Hoje não há mais a possibilidade de fazer isso, mas temos uma ferramenta importante, que é a internet. Digo isso porque já há países votando sua Constituição por meio das redes sociais. É o caso da Islândia, que promove assim votação direta pela sociedade.
Temos de avançar, no sentido de fazer votações mais polêmicas de forma direta, pela internet. Hoje fazemos transações bancárias dessa forma, passamos dinheiro, recebemos também assim. Então, precisamos fazer isto: caminhar em outro sentido, esvaziando o papel do Legislativo, transferindo o que for possível para uma democracia mais direta. Na gestão pública, precisamos aprofundar na transparência. Por que as notas fiscais do que foi gasto geralmente não estão disponíveis para a população? Não estão porque não querem, porque um jornalista pode ir lá checar e perceber que há alguma distorção no gasto com pneus, ou com gasolina etc. Foi um avanço a criação de portais da transparência, mas ainda há muito que fazer.
Elder Dias — A transparência ainda está meio opaca, então…
Exatamente. De qualquer forma, é preciso observar a questão do controle social dos gastos públicos combinada com a participação mais efetiva da sociedade nas decisões. Precisamos observar o que está acontecendo de mais avançado em outros países. Isso poderia esvaziar o Poder Legislativo? Sim. O Parlamento tem determinados vícios que a própria sociedade lhe impõe. Se alguns vereadores deixarem de brigar para trocar uma lâmpada ou arrumar um lote ou limpar uma rua — ações as quais não considero como o papel central de um vereador —, vão perder a eleição. A população de seu colégio eleitoral ficou “viciada” nessa forma de comportamento de seu representante, a própria sociedade tem uma relação de expectativa deformada do que deve ser um político. Se tem político que compra voto é porque tem gente que o vende. Tem gente que fala que tal político “não presta, mas me ajudou em uma coisa e vou votar nele assim mesmo”. Não deveria ser assim. Mas isso evidencia que atravessamos uma crise de representação.
Falam que a solução é o financiamento público para as campanhas. Então, fico imaginando: o grande problema é o caixa dois. Se hoje isso já é proibido e ocorre, como vai deixar de ocorrer se simplesmente disserem que só será permitido o financiamento público? Como evitar o caixa dois? Mais: supomos que um sujeito, para se eleger deputado, pagou um montante para vários prefeitos e vereadores. Como o financiamento público vai evitar que isso aconteça? Vendem algo para a sociedade que não vai acontecer, que não é verdadeiro. (enfático)
Todo mundo sabe que tem gente que compra voto; então, não é possível que lá no TRE [Tribunal Regional Eleitoral] ninguém saiba disso, será que não se relacionam com a sociedade? Se há uma fila de carros em um mesmo posto, com o mesmo adesivo de candidato, todos reabastecendo, o que é isso, a não ser uma relação de repasse de gasolina em troca de apoio, de votos? Então, por isso, sou muito cético em relação a esse sistema.
“A sociedade não merece esse Congresso”
Elder Dias — Mas qual seria a solução?
Apostar em outra lógica de representação. Temos de envolver a sociedade em outro debate, que ela possa participar principalmente das questões mais polêmicas.
Cezar Santos — Em Brasília, deputados e senadores são vistos quase como deuses.
Elder Dias — Eles são deuses e o Congresso é o Olimpo.
É essa a impressão que passa. Se você olha para o Senado, vê Renan Calheiros (PMDB-AL) como presidente; olha para a Câmara e está Eduardo Cunha (PMDB-RJ) no comando. Sinceramente, a sociedade não merecia isso.
Elder Dias — Mas o Congresso não estaria bem representado no seu todo com ambos no comando?
(risos) Eles estão expressando o que é o Congresso, mas a sociedade não merecia isso. O que me deixa indignado é que, mesmo sob investigação, Renan Calheiros está publicamente brigando para continuar com seus cargos na Petrobrás. Quer dizer, a gente pensa “pelo menos assim vamos ver se esse povo melhora”. Mas não melhora. Tratam de forma pública que tal projeto não foi aprovado porque o PMDB não conseguiu indicação para o cargo tal, que não vai votar enquanto não atender a tal demanda. Tratam isso de forma natural, sem vergonha alguma! (enfático) Assistir a uma situação dessa é absurdo.
Os protestos de 2013 tiveram muito a ver com isso. As pessoas vão olhando isso e se revoltando. Veem essas barganhas acontecendo de forma rotineira, com nosso dinheiro. Até os veículos de comunicação já tratam isso como se fosse coisa normal, nem fazem a crítica. Isso nem se vende mais como notícia, de tão corriqueiro que ficou. Mas, com certeza, é totalmente lamentável.
Cezar Santos — Seu partido está se fundindo com o PPS, está tudo acertado. Como o sr. vê essa mudança?
Essa discussão é antiga. Não tenho tanto conhecimento do PSB, partido em que estou não faz muito tempo. O que sei é que Eduardo Campos [ex-governador de Pernambuco e presidente nacional do PSB, candidato a presidente morto em acidente aéreo durante o último período eleitoral] já discutia essa possibilidade com o PPS há muito tempo. O momento atual do partido não é tão simples. Há pelo menos três forças políticas fortes envolvidas. Há um grupo mais ligado a Campos, que tem uma posição mais simpática ao governo de Dilma Rousseff (PT); um grupo como o do governador Rodrigo Rollemberg (DF), que se mostra mais independente; e outro, como o do vice-governador de São Paulo, Márcio França, que é mais ligado ao PSDB. Então, não é algo tão tranquilo no partido. Já o PPS é mais homogêneo, talvez por ser menor. Ou seja, não é uma equação tão simples para resolver.
O deputado Roberto Freire [presidente do PPS] faz uma boa avaliação política ao perceber que há um terreno bem fértil para uma terceira via que preserve as conquistas que os governos anteriores estabeleceram para a sociedade, mas que aponte também para avanços. Ou seja, percebe-se que há uma insatisfação com o governo do PT, que mostra sinais claros de esgotamento, mas também percebe-se que boa parte da sociedade não quer o retorno do PSDB.
Elder Dias — Mas esse cenário não é novo, já havia nas eleições presidenciais do ano passado. Por que Marina Silva (PSB) não conseguiu transformar isso em uma situação favorável à candidatura dela?
O problema é que ela errou na campanha. Cometeu muitos erros de conteúdo programático, além de ter sido muito atacada. Dilma usou a estratégia de se colocar à esquerda de Marina o tempo inteiro. E Marina teria de significar o avanço e não o retrocesso. O PT trabalhou muito fortemente essa rotulação dela com esse formato. Depois, no segundo turno, após passar toda a sua campanha falando que seria preciso romper com os dois grupos que, segundo ela, queriam “americanizar” as eleições nacionais com a polarização da eleição — o que é uma característica do processo nos EUA —, Marina foi apoiar um dos grupos, o de Aécio Neves. Foi um erro muito grave que ela cometeu e que me levou a não desejar mais ficar na Rede.
Tenho um respeito tremendo por Marina Silva, mas não poderia ficar em um partido brigando com uma pessoa que gosto tanto. Ela é a maior expressão pública da Rede e eu sei o que vivi no Psol com Heloísa Helena, que representava também essa mesma simbologia. Teve gente que ficou no Psol batendo o tempo inteiro em Heloísa. Não faz sentido, é o mesmo que estar no PT criticando Lula. Não faz sentido. A expressão pública é sempre o grande patrimônio do partido.
Então, eu vi que não tinha condição de ficar na Rede para brigar com Marina, entrando em conflito, até pelo respeito que eu tenho por ela. Dentro do partido às vezes a pessoa provoca um estrago maior com as críticas, porque o “fogo amigo” é terrível. Marina é uma pessoa íntegra e que eu sempre vou respeitar, mas eu acho que ela se equivocou no processo todo.
Frederico Vitor — Nós acabamos por observar que os partidos vão deixando suas diretrizes ideológicas e assumindo um pragmatismo no estilo “o poder pelo poder”. Não falta uma melhor definição, até para o eleitor se localizar entre o que seja esquerda ou direita?
É um problema que enfrentamos hoje, sem dúvida alguma. Os eleitores votam muito mais nas pessoas do que nos projetos políticos.
Elder Dias — E os políticos são bem estranhos também. Se alguém votava em Ronaldo Caiado (DEM) ideologicamente, por ser oposição a Iris Rezende (PMDB), como ficou essa pessoa depois das eleições do ano passado?
É verdade. Hoje há uma perda de identidade, até uma perda de encanto. Eu, particularmente, achei horrível a forma com que se deu esse processo do segundo turno das eleições presidenciais. Foi uma coisa horrorosa, desqualificada, uma disputa cega, um Fla-Flu na política. No futebol as pessoas têm uma certa incoerência, mas isso não pode ser aceito de forma normal quando se fala de política.
Lembro-me de que, quando eu postava alguma crítica ou elogio, seja ao PT ou ao PSDB, o pessoal vinha para cima, dizendo “você está do lado dos tucanos” ou “você é petista”. Ora, eu quero ter direito de achar qualidade e de denunciar coisas erradas, seja qual for o grupo político em questão. Quando eu citei o caso Petrobrás em minha rede social, mesmo sem citar o nome de Dilma, fui acusado de ser “tucano”, como se corrupção tivesse cor ideológica ou partidária.
Cezar Santos — Mas essa divisão entre “nós” e “eles” foi um processo claramente estabelecido como estratégia pelo PT.
Elder Dias — Mas os tucanos também gostaram, porque formou-se um maniqueísmo que lhes foi favorável.
Mas convenhamos: se a gente limitar nossas alternativas para o futuro do País entre Dilma e Aécio, isso é uma tragédia. Não é possível que as opções sejam somente essas. Penso que se quisermos fazer uma discussão mais qualificada precisamos nos livrar desse pragmatismo e desse maniqueísmo. Não podemos ficar reféns desse processo. O mais grave é que vejo gente da própria academia que foi contaminada, entraram nesse jogo. Era gente que deveria estar resistindo a essa dicotomia. Isso me assusta. Converso com amigos e colegas que são acadêmicos e os vi assim.
Na época da Guerra do Iraque, quando os Estados Unidos invadiram Bagdá, me perguntavam de que lado eu me colocava. Eu sempre respondia que não estava em lado algum, porque havia motivo tanto para George W. Bush como para Saddam Hussein estarem presos. Não tinha como apoiar qualquer um dos dois. O pessoal da esquerda dizia que o Iraque estava sendo invadido pelo imperialismo, mas como defender o governo de Saddam? Não tinha como, o ideal seria ser contra ambos. Por isso, digo que não podemos ser vítimas desse maniqueísmo, porque é algo que sempre empobrece o debate.
Elder Dias — Qual será o destino político de Elias Vaz? Vai continuar no PSB?
Fico, sim. Tenho tido uma relação muito boa com Vanderlan Cardoso [presidente estadual do partido]. Conversamos bastante, ao contrário do que algumas pessoas têm colocado. Por exemplo, ele se encontrou com Marconi Perillo e é algo que está fazendo com todas as forças políticas. Já conversou com setores do PMDB e vai conversar sempre como uma força política em Goiás.
Em relação à reunião com o governador, Vanderlan me disse que Marconi foi muito respeitoso e em momento algum tocou na questão de se juntar ou não à base do governo. Isso nem entrou na pauta, até porque o PSB nem ao menos tem um deputado estadual. Muito menos se discutiu sobre participação em cargos. Obviamente, comentaram sobre as eleições do ano que vem, mas foi uma conversa em torno da situação do Estado.
O que está em pauta é que o PSB tem potencial e vocação para disputar um projeto político em Goiás, notadamente para as eleições do próximo ano. Temos pesquisas internas que nos mostram que Vanderlan está em uma situação muito interessante em Goiânia, com chances reais, bem melhores até do que a das eleições do ano passado, quando dividia votos com Iris e Marconi. Enquanto o primeiro teve 36% do total, Marconi chegou 32% e Vanderlan somou 24%. Se disputando com duas figuras políticas históricas, o desempenho dele já foi muito bom, sem Marconi na disputa ele sobe ainda mais e a tendência é se aproximar bastante de Iris, com condições concretas de vencer as eleições. O melhor de tudo é que Vanderlan tem sido muito aberto com todos nós. Goiânia precisa de alguém com o mínimo perfil de gestor, independentemente de cor partidária.
Elder Dias — O sr. acha que exista possibilidade de o PMDB lançar outro candidato que não Iris Rezende para a disputa da Prefeitura de Goiânia?
Acho difícil, o candidato deve ser Iris e seria uma desonestidade minha falar que ele não tenha sido um bom gestor. Posso ter discordâncias, divergências, mas ele conseguiu caminhar bem em seu mandato.
Elder Dias — Seu nome tem sido bem citado para a disputa da Prefeitura de Goiânia. Existe essa possibilidade?
Cezar Santos — O sr. foi candidato a deputado estadual, com mais de 15 mil votos. Está no seu radar um voo rumo a uma candidatura a prefeito?
Tive 15,5 mil votos na eleição para a Assembleia. Desse total, 12,5 mil foram aqui na capital. Articulações fora da base dependem de estrutura. Eu não tinha isso, poucas pessoas trabalharam em minha campanha. Fiz poucas viagens ao interior. Vanderlan tem me dito isso, de que se não sair candidato existiria essa possibilidade, de eu ser o nome. Ele já até me perguntou se eu seria postulante e eu deixei bem claro: a única condição que existe para eu ser candidato a prefeito é se Vanderlan não quiser concorrer. Ele é o caminho prioritário do partido, para não deixar qualquer dúvida. Se por algum motivo ele ou o partido não quiser seu nome, aí seria outra história. A senadora Lúcia Vânia provavelmente deve se filiar, mas já afirmou que não quer se candidatar à Prefeitura, apesar de ser um bom nome para a disputa. Uma coisa, porém, a gente já deixou claro dentro do partido: o PSB vem com candidatura própria para disputar as eleições em Goiânia. Isso está decidido.