Pedro Leonardo Rezende: “Goiás se torna um dos maiores produtores de alimentos do mundo”

23 julho 2023 às 00h00

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Italo Wolff
Pedro Leonardo de Paula Rezende é secretário de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa). O zootecnista já presidiu a Agência Goiana de Assistência Técnica, Extensão Rural e Pesquisa Agropecuária (Emater), entidade jurisdicionada à Seapa que alcança os produtores rurais com trabalhos de extensão.
Tem experiência na área de Zootecnia com ênfase em melhoramento genético, forragicultura, nutrição e características da carcaça e da carne de bovinos de corte. É ainda doutor em Ciência Animal pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e servidor efetivo da Agência Goiana de Defesa Agropecuária (Agrodefesa).
Nesta entrevista ao Jornal Opção, o chefe da pasta faz uma radiografia do agro, setor responsável pelo crescimento do PIB de Goiás nos últimos anos. Segundo o secretário, o bom momento do agronegócio vai durar, e o estado se firmará como referência mundial no setor, aliando produtividade à sustentabilidade.
Italo Wolff – O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) chegou a apenas R$ 58 milhões no ano passado, valor mais baixo de sua história, que começa em 2003. Como está o programa atualmente?
Pedro Leonardo – O Programa de Aquisição de Alimentos foi relançado neste ano, após injeção orçamentária de R$ 500 bilhões. O edital para produtores se cadastrarem encerrou neste dia 18. Cada um desses pequenos produtores da agricultura familiar podem vender até R$ 15 mil para o Estado de Goiás, que então distribui o alimento em forma de doação às entidades filantrópicas de interesse público.
É uma política pública que visa auxiliar o produtor rural da da agricultura familiar no momento mais importante da cadeia produtiva, que é a comercialização. Visa também auxiliar as pessoas em situação de insegurança alimentar e vulnerabilidade social, que recebem esses alimentos gratuitamente, que foram adquiridos pelo governo do Estado de Goiás.
Existe um leque de possibilidades, de produtos que podem ser comercializados. A lista que consta no edital tem mais de 160 itens. Eles são negociados dentro do Programa de Aquisição de Alimentos segundo os preços indexados pela tabela oficial da Companhia Nacional do Abastecimento (Conab).
Os produtores têm previsibilidade: eles sabem quanto irão receber por determinada quantidade de produtos em determinado período. Esse é um aspecto muito importante do PAA, pois fomenta a agricultura familiar, que frequentemente tem dificuldade na etapa da comercialização de sua produção.
Muitas vezes, o produtor rural da agricultura familiar sabe produzir bem, produz com qualidade, com escala, mas se vê com uma série de dificuldades no momento da comercialização desses excedentes. Como na agricultura familiar se trabalha predominantemente com produtos de alta perecibilidade, que têm pouco tempo de prateleira, é fundamental dar vazão à mercadoria no tempo adequado. Caso contrário, quando esses produtos chegam ao momento da comercialização, perdem valor.
Essa é política nacional. É executada também pelo governo federal. Participar do PAA federal não impede que o produtor também se inscreva no PAA estadual e participe dos dois programas simultaneamente. Ele pode comercializar até R$15 mil em cada um dos programas, somando R$ 30 mil em ambos.

Ainda no tema dos programas federais de incentivo à produção rural, como está o Plano Safra?
O relançamento do Plano Safra para o biênio foi anunciado pelo Governo Federal neste dia 27. Serão R$ 364,22 bilhões em recursos para apoiar a produção agropecuária nacional de médios e grandes produtores rurais até junho de 2024. Essa política pública de crédito é fundamental para que o agro possa se desenvolver, realizar os investimentos no seu sistema produtivo, também o custeio da produção.
O grande desafio é fazer com que esses recursos de fato cheguem no momento adequado a quem precisa. No setor agrícola, se trabalha com um calendário produtivo apertado, então, é importante que o agricultor tenha acesso a esses recursos que foram anunciados no momento adequado.
Outro aspecto importante anunciado para este Plano Safra é o das linhas de crédito específicas para agricultura familiar. O aporte é de R$ 71 bilhões para este segmento, que tem acesso a taxas de juros e períodos de carência diferenciados.
O Plano Safra representa ainda uma oportunidade para o produtor rural que preza pela conservação ambiental. Há melhores taxas de juro para quem adotar práticas de sustentabilidade nos seus sistemas produtivos. Em Goiás, essa medida é fundamental, porque temos um grande volume de pastagens degradadas, áreas que podem ser revertidas para produção rural por meio da implementação de práticas sustentáveis.
O volume de recursos anunciado pelo Governo Federal atende às expectativas do setor produtivo?
Sim. Apesar de o aumento no montante de recursos não ter acompanhado a alta nos custos de produção agrícola, o setor produtivo considerou que os recursos do Plano Safra foram satisfatórios. Observamos uma redução com relação ao custo de produção vinculado a parte de insumos, principalmente adubos e corretivos de solo. Mas, considerando todos os componentes, como o maquinário agrícola, o custo médio de produção passou por aumento no último ano.
Goiás é o terceiro maior produtor de grãos do país, mas deixou de ser um grande produtor de arroz, por exemplo. Como vê o avanço da soja sobre outras culturas?
A soja tem avançado sobre as áreas produtivas, tanto de arroz quanto de pastagens. Isso impacta diretamente a produção de outras culturas, mas o estado de Goiás tem uma série de potencialidades de expansão da produção que precisam ser exploradas. No caso do arroz, há as características favoráveis à irrigação, como a disponibilidade hídrica, por exemplo. Basta que se estimule a implantação desses sistemas produtivos irrigados, o que já tem sido feito.
E quanto ao avanço da soja para áreas preservadas de Cerrado nativo?
A expansão da soja ocorre predominantemente sobre áreas de pastagens degradadas e de outras culturas. Nossa área produtiva hoje é de aproximadamente 7 milhões de hectares, mas temos o potencial de dobrar essa área produtiva apenas com a expansão para zonas de solo degradado, sem que seja necessário abrir novas áreas. Precisamos reforçar que não é necessário desmatar para aumentar a produção.

Toda essa soja vai para a China?
Principalmente para a China, sim. É nosso principal parceiro comercial quando consideramos o complexo soja de maneira geral – soja in natura, óleo de soja, farelo. Isso se dá em razão do mercado chinês ter identificado em Goiás as características desejáveis nesse mercado. Temos atendido às exigências. Os Estados Unidos e a União Europeia também consomem a soja goiana, mas os países asiáticos de maneira geral ainda são os principais destinos dessa produção.
O movimento brasileiro pelo fortalecimento do Mercosul é interessante para Goiás?
Toda movimentação que resulta na abertura de novas fronteiras comerciais é desejável ao estado de Goiás. Temos esse potencial produtivo, que poucos estados têm, então é desejável que as políticas nacionais promovam novas parcerias comerciais. O estado de Goiás tem se consolidado como um dos maiores produtores de alimentos do mundo.
Quanto mais compradores para essa produção, maior será nossa produção. Nesse processo, o maior beneficiado é o produtor rural. A economia do estado, de maneira geral, é movida pelo agro, e o fortalecimento desse setor repercute inclusive nos preços que são praticados no mercado global.
Se critica a política de vender o produto primário para ser beneficiado em indústrias estrangeiras. Como está a implementação de agroindústrias para elaborar a soja em Goiás? Quanto dessa soja é industrializada aqui?
As agroindústrias são fundamentais nesse processo de agregação de valor. Existe uma série de exigências dos parceiros comerciais, que definem as características dos produtos que eles precisam. A soja tem maior vazão porque é o que a matéria prima que os compradores internacionais buscam para suas indústrias. O que temos buscado é, cada vez mais, negociar com parceiros comerciais que queiram adquirir produtos beneficiados.
Queremos promover novas indústrias, que possam agregar valor em toda essa cadeia de produção. A proporção da soja beneficiada em Goiás é variável, pois depende da demanda de mercado. A maior parte do complexo da soja é exportado in natura, mas nosso desafio é buscar esse processo de industrialização para agregação de valor, que tem como consequência principal o aumento de receita para o produtor.
Como funciona o projeto de fruticultura para o Nordeste do estado?
Esse projeto pode transformar o Nordeste goiano nos próximos anos em um dos maiores polos de fruticultura irrigada do Brasil. Ações nesse sentido já estão em andamento e fazem parte do Projeto de Fruticultura Irrigada do Vão do Paranã. A iniciativa está sendo implementada pela Seapa e conta com a parceria da Embrapa Cerrados e da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).
Estamos em fase de implementação dos sistemas de irrigação nos primeiros 150 produtores inscritos no projeto. A ideia se iniciou a partir de uma visita técnica que a comitiva do governo do Estado de Goiás fez à região de Petrolina e Juazeiro do Norte, no Nordeste do país, região que se consolidou rapidamente como um grande polo produtivo de frutas do Brasil.

A região nordeste do estado de Goiás reúne todas as características desejáveis para a atividade de fruticultura. Tem o regime de chuvas, bem como as características de solo e altitude adequadas. Todos os fatores são extremamente favoráveis, incluindo as características das propriedades rurais que em sua maioria são da agricultura familiar.
A maior parte das propriedades são assentamentos rurais, o que significa que a cadeia produtiva de frutas será importante para a complementação da renda dessas pequenas propriedades. A fruticultura é uma atividade que não requer grandes extensões de áreas para se ter um retorno financeiro. O governo do Estado, em parceria com o governo federal, adquiriu kits para irrigação.
Neste primeiro momento, as famílias incluídas no projeto vão trabalhar com a manga e com o maracujá. O maracujá já inicia o processo produtivo com seis meses após o plantio. Essas propriedades devem começar em breve a ter receita própria para honrar com seus compromissos com o custeio de implementação até que a manga inicie o seu o seu processo produtivo, que é por volta de três anos. A nossa expectativa é transformar a região, fornecendo mais uma forma de subsistência para essas famílias e suprindo uma demanda do mercado.
Também colabora com o projeto o fato de que o Vão do Paranã fica próximo ao mercado consumidor de Brasília. A região tem uma logística privilegiada. Tanto Brasília quanto Goiânia, que são mercados importantes, tem adquirido suas frutas de outros estados e às vezes até de outros países. Então, identificamos nesse ecossistema uma série de oportunidades e de demandas.
Não há o risco de a soja avançar para essa região também?
Existe, mas a maioria das propriedades da região é pequena. A soja, para ter viabilidade econômica, precisa de uma extensão de área mínima. Já a fruticultura, dá retorno financeiro no nível da agricultura familiar.
Como está a infraestrutura para o escoamento dessa produção?
O governo do estado de Goiás tem investido nas estradas para diminuir as perdas econômicas do agronegócio. Inclusive, o Fundo Estadual de Infraestrutura (Fundeinfra) foi instituído com esse objetivo. É interessante lembrar que o Fundeinfra não é administrado pelo governo – ele é administrado por um conselho de gestão colegiado, que é representado por produtores rurais e entidades de classe. Esse grupo delibera onde os recursos serão aplicados.
O principal componente do custo de produção é a logística. Muitas vezes, transportar a mercadoria em condições precárias ou transportar os insumos para as propriedades em situação precária onera a produção. Investimentos em infraestrutura retornam como lucro para os produtores.
Ouvimos com frequência que a falta de capacidade de escoamento da produção é o principal desestimulador para os empreendimentos do agro. Muitos produtores estão distantes das grandes malhas rodoviárias. Então, como resultado do investimento em rodovias, há também a inclusão de muitos novos produtores.

Por que a região de Cristalina tem sido chamada de “Califórnia de Goiás”?
Cristalina é um polo produtivo agrícola extremamente importante para o estado. Ali estão concentrados o maior polo de irrigação do Goiás e culturas diversificadas. Os produtores do município investiram em várias cadeias produtivas extremamente prósperas, como o binômio soja-milho. Tem também a pecuária, além de características climáticas e de solo positivas.
Como está a situação da febre aftosa em Goiás?
Goiás possui o segundo maior rebanho bovino do Brasil, com aproximadamente vinte e quatro milhões de animais. Recentemente, obtivemos a elevação do status sanitário do estado com relação à febre aftosa: passamos de “livre de febre aftosa com vacinação” para o status de “livre de febre aftosa sem vacinação”. Ou seja, a vacina não é mais obrigatória no território, que está livre da aftosa.
O principal resultado que esperamos com essa elevação é acessar outros mercados, que até então não eram acessados devido à exigência da vacinação contra a febre aftosa. Nossa expectativa agora é alcançar novos parceiros comerciais e novos mercados. A retirada da obrigatoriedade da vacinação também traz uma importante redução dos custos de produção na atividade pecuária.
Somos também o segundo estado com maior número de fazendas aptas à exportação de carne para a União Europeia. O bloco europeu é o conjunto de países mais exigentes com relação aos pré-requisitos sanitários. Isso demonstra que o estado de Goiás tem cumprido todas as exigências sanitárias desse mercado.
Como tem sido a relação com esses mercados em relação ao intercâmbio tecnológico?
Temos buscado intensificar o trabalho de relações bilaterais com países que são importantes parceiros comerciais, buscando não somente o comércio dos produtos, mas também um compartilhamento de tecnologias agrícolas, agropecuárias e industriais. Recentemente estivemos na embaixada de Israel, onde fomos muito bem recebidos, para promover o intercâmbio de tecnologias de irrigação.
Israel hoje é o país que está na vanguarda da tecnologia de irrigação, e esse capital inclusive pode ter desdobramentos para o projeto de fruticultura do Vão do Paranã, que depende eminentemente de irrigação. Acreditamos que o compartilhamento de experiências e o estreitamento dos laços podem desenvolver as potencialidades do estado de Goiás.
A Embrapa Arroz e Feijão iniciou no ano passado os trabalhos do Laboratório Multiusuário para Pesquisa e Desenvolvimento de Bioinsumos (BioFabLab). Como está o desenvolvimento desses fertilizantes?
Os bioinsumos são alternativa para diminuir nossa dependência do mercado externo para aquisição de fertilizantes fosfatados, principalmente. Também são solução sustentável para os sistemas produtivos, pois, comparados com os fertilizantes tradicionais, têm muito menos impactos ambientais.
Goiás tem sido precursor com esse programa de estímulo aos bioinsumos no Brasil. Muitos países têm manifestado o interesse de visitar o estado de Goiás para conhecer a iniciativa, os investimentos e toda a parte de regulamentação que tem sido feita pelo Governo do Estado.
Esses fertilizantes são produzidos em biofábricas, que selecionam e multiplicam as cepas dos micro-organismos que participam do processo de fertilização dos solos, e também combatem pragas e doenças. Existem os biofertilizantes e os biodefensivos. Ambos são produzidos a partir de processos naturais, o que significa maior sustentabilidade.
Um aspecto atraente para produtores que acaba por facilitar a implementação dessa solução é o fato de que as biofábricas, os polos produtivos dos bioinsumos, ficam dentro das propriedades rurais. Elas são montadas ali, com todo controle de produção necessário, mas o próprio produtor rural consegue fabricar os seus fertilizantes e defensivos através de processos biológicos a partir de cepas de microorganismos. Os resultados são a redução do custo de produção, além da sustentabilidade.
Como está a relação com os assentamentos rurais em Goiás?
Esse é um segmento extremamente importante para nós, que está incluído nas políticas públicas voltadas para a agricultura familiar. Em Goiás, existem mais de quatrocentos e vinte assentamentos com um número significativo de famílias. São pessoas que frequentemente foram assentadas sem nenhum tipo de auxílio, sem nenhum tipo de assessoramento técnico. Então, a nossa preocupação tem sido direcionada no sentido de levar políticas públicas para promover a inclusão dessa população.
Considerando a importância desse segmento, temos levado programas como o PAA e o Goiás Social, que é uma política pública de capacitação. Recentemente o Governo do Estado de Goiás adquiriu internets satelitais dentro do programa de inclusão digital, para levar aos assentamentos rurais conectividade. Foram adquiridas setenta torres de internet satelital que já estão sendo instaladas nesses assentamentos, e isso tem nos permitido levar ações de capacitação de maneira virtual.
Esses produtores vão ter a possibilidade de comercializar sua produção agrícola através do e-commerce. Também através dessa inclusão digital, eles podem acessar informações sobre técnicas de produção, informações de políticas de fomento, e o que mais necessitarem.
Como a Agência Goiana de Assistência Técnica, Extensão Rural e Pesquisa Agropecuária (Emater) ajuda nisso?
A Emater tem um programa específico para assistência técnica em assentamentos da reforma agrária. O que esperamos é levar o auxílio necessário para que esses produtores também possam se beneficiar desse momento extremamente promissor do agronegócio.
A Emater é uma agência jurisdicionada à Secretaria da Agricultura. Então, é competência da Secretaria da Agricultura elaborar as políticas públicas que a Emater irá executar. Ela é a entidade que alcança os produtores rurais através do trabalho de extensão rural.
Há, por exemplo, o programa Mecaniza Campo. O objetivo prioritário é adquirir máquinas agrícolas, que serão destinadas às prefeituras municipais. Essas máquinas são utilizadas no atendimento das famílias produtoras em cada cidade. Já compramos mais de 500 máquinas, entre retroescavadeiras, tratores, grades aradoras, máquinas processadoras de forragem, casa de farinha móvel. Esse programa tem tido um resultado extremamente positivo no auxílio a esse segmento tão importante que é a agricultura familiar.
Mais de 90% de todo recurso utilizado no Mecaniza Campo provém de emendas parlamentares. O parlamentar que destina sua emenda ao orçamento para este programa define quais municípios serão atendidos. Mas a nossa expectativa é atender todos os municípios que têm essa demanda importante.