Historiador se diz responsável pela primeira biografia completa de Luís Carlos Prestes, o controverso líder comunista que virou “bode expiatório” no golpe de 1964

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Foto: Fernando Leite/ Jornal Opção

Frederico Victor

A figura de Luís Carlos Prestes é ilustre na história do Brasil. Estrategista militar e comandante da famosa Coluna Prestes, o gaúcho é, até os dias atuais, um dos maiores ideólogos da esquerda brasileira. Contudo, embora tenha esse inquestionável protagonismo, Prestes ainda não tinha uma biografia que contasse sua história. Trabalho que ficou a cargo do historiador Daniel Aarão Reis.

Professor titular da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador das esquerdas brasileiras, Aarão foi convidado pela editora Companhia das Letras para escrever a biografia de Prestes, a fim de compor a coleção Perfis Biográficos, que visa apresentar a história das grandes personalidades do país em livros de aproximadamente 200 páginas.

Porém, como conta Aarão, seu trabalho de pesquisa a respeito de Prestes foi demasiadamente profundo. Resultado: o livro foi publicado com 576 páginas, tornando-se, assim, a primeira biografia de Prestes no Brasil. A questão, segundo o historiador, é que sua obra vai além do que foi apresentado por Jorge Amado em “O Cavaleiro da Esperança”. “Essa obra era uma celebração, uma hagiografia, não tinha nenhuma consistência e não era admitida como uma biografia”, relata.

Ao Jornal Opção, o professor conta como se deu sua pesquisa, suas fontes e trata, também, de fatos que ligam a história de Prestes à de Goiás, inclusive com a atuação polêmica de figuras largamente conhecidas no Estado.

Quais foram as principais motivações que o levaram a escrever a biografia de Luís Carlos Prestes? Quais foram seus objetivos, levando em consideração que já existe um relativo material a respeito da vida dele?
Quando eu era jovem, revolucionário, achava que Prestes era uma pessoa muito má vista, porque ele, como um grande líder comunista, juntamente com outros líderes do trabalhismo brasileiro como Jango, virou, para aquela juventude que estava surgindo cheio de gás, uma espécie de “bode expiatório” pela derrota de 1964. Posteriormente, após o exílio, quando voltei para o Brasil e comecei a estudar as esquerdas, tive outro ângulo de análise em relação a Prestes e ao próprio Partido Comunista Brasileiro (PCB), chamado também de Partidão. Inclusive, em um livro que organizei sobre o marxismo no Brasil, fiz um texto sobre a história do partido de 1945 até o golpe em que já fica visível a minha nova compreensão. Já não via Prestes como culpado. E acredito que ele contribuiu muito para meu trabalho como profissional da história, pois tentamos muito mais entender a pessoa em seu contexto do que julgá-la como algo mais simplista. Então, quando veio o convite da Companhia das Letras, sentia que escrever sobre a vida de Prestes era um desafio para o qual já me julgava preparado para empreender, sem aquelas compreensões simplistas de “bode expiatório”.

Em dado momento, seu livro aborda um episódio ocorrido durante a Coluna Prestes, no qual o ex-senador Totó Caiado teria pilhado toneladas de commodities e as vendido no mercado. Qual é a fonte desta informação?
Todas as informações que estão no livro, ou quase todas, procuraram seguir os critérios que os historiadores e jornalistas investigativos têm. Quando se tem uma informação, que, além de plausível, vem de fontes que se desconhecem, e, no caso concreto, até são inimigas, você considera aquela informação consistente. De um lado, essa informação sobre Totó Caiado vem do relatório de Bertoldo Klinger, que perseguia a Coluna. Esses relatórios permaneceram arquivados no Exército durante décadas. Anita Prestes, quando fez a sua tese sobre a Coluna, foi a primeira pessoa a descobrir estes relatórios e a trabalhar com eles. A partir de abril de 1925, quando a Coluna entrou no Brasil, Klinger, que era um dos mais competentes oficiais do Exército brasileiro, foi designado para persegui-la em Mato Grosso e, depois, em Goiás. Naquela época, os oficiais do Exército brasileiro eram treinados dentro da doutrina chamada de guerra de posição ou de trincheira, que era uma guerra mais clássica. Mas Klinger foi um dos primeiros a perceber que a Coluna não iria para a luta das trincheiras, ou seja, seguia para uma guerra de movimento e tentou se adaptar a isso, montando unidades do Exército transportadas por caminhões. E isso teve certa eficácia, sobretudo na região Sul de Goiás que, à época, já era bem servida em termos de estradas. Porém, na medida em que a Coluna foi indo para o norte, ele viu que já não dava para fazer a perseguição com automóveis e caminhões, mas que era preciso recorrer a unidades irregulares. Ele próprio diz em seu relatório que o Exército brasileiro não tinha condição de fazer isso. Então, veio a ideia de chamar senhores de terra de Goiás para desempenhar esse papel. E somente dois desempenharam esse papel no início, segundo o relatório de Klinger: Totó Caiado e Abílio Wolney. Segundo Klinger, além de perseguir a Coluna, os dois senhores de terra começaram a barbarizar as populações, além de pilhar gados que eram vendidos em mercados legais e clandestinos. A situação subiu a tal proporção que Klinger pediu as autoridades para dissolver essas tropas irregulares, então, chamadas de batalhões patrióticos. Era o Estado que pagava essas tropas. Klinger dizia que eles não só não perseguiam com eficácia, o que poderiam fazer, pois conheciam o terreno e se moviam a cavalo, como também estavam barbarizando as populações. Por isso, ele pediu ao Estado para acabar com aquele corpo armado. Depois, essa forma de luta foi reativada na Bahia, porém, com sucesso. Os latifundiários baianos perseguiam a Coluna com tal eficácia que ela decidiu, a partir desta perseguição, ir para o exílio. Essa denuncia aparecia no relatório de Klinger e também na crônica escrita, após a Coluna, por Lourenço Moreira Lima, que era uma espécie de cronista da Coluna. Ou seja, havia a mesma informação, vinda de fontes que não se encontraram. Eram fontes que não se conheciam, não se encontraram e eram inimigas. Por isso, considerei plausível essa informação, que foi repetida em muitos outros momentos, não só pelos colunistas como também por outras testemunhas, por exemplo, os dominicanos do convento de Porto Nacional, que fizeram uma carta à Coluna, mostrando que os colunistas tinham as melhores das intenções, mas que estavam desencadeando uma guerra no interior do Brasil, que as populações não sabiam quais eram as motivações e que estavam sendo prejudicadas pela passagem dos colunistas, como também pelas barbaridades praticadas por bandidos e pelos grandes senhores de terra e seus capangas. Então, outras fontes depois foram mostrando que era um padrão que acompanhou a Coluna e que fez a população do interior sofrer, visto que passava a Coluna cometendo alguns desatinos; os bandidos vinham atrás, assim como os senhores de terra, que cometiam as mesmas barbaridades. Ou seja, realmente era um quadro que me fazia ter essa informação sobre Totó Caiado como plausível.

Houve conflitos em Goiás com a passagem da Coluna Prestes?

Poucos. Um deles foi quando a Coluna pretendeu enfrentar o Klinger e se deu muito mal. No fundo, isso dizia a respeito de que, embora a tática de guerra de movimento fosse adotada, muitos chefes da Coluna tinham a nostalgia, a perspectiva e o sonho de tomar posições e guardá-las. Essa tática de movimento foi adotada pela Coluna como linha geral. Porém, em certos momentos do processo, é possível notar que há certa tentação em voltar à guerra de posição. Assim, em dado momento no Sul de Goiás, eles resolvem enfrentar o Klinger em combates que não são típicos de guerrilha. Um dos princípios básicos da guerrilha é só atacar com a certeza da vitória, quando se tem uma superioridade esmagadora naquele momento e naquele lugar. Eles foram ao embate com Klinger e se deram mal. Após concluírem que se deram mal na guerra de posição, eles voltaram à guerra de movimento. Klinger, como não tem condições de acompanhar, aciona os senhores de terra, que acompanham sempre de muito longe a Coluna. Mais tarde, o chefe da Coluna, diz para seus apoiadores no exílio, por meio de uma carta, que os perseguidores fugiam do combate. Tanto que Lourenço Moreira Lima diz que a primeira etapa da Coluna, de Goiás ao Ceará, foi um passeio. Chegam, inclusive, a elogiar muito a temperatura amena de Goiás e as paisagens deslumbrantes do Estado. Ou seja, praticamente quase não houve combates. Digamos que a Coluna teve vida dura no Norte de Mato Grosso e ao Sul de Goiás. Daí que vem a informação, pois, ao invés de combaterem a Coluna, os perseguidores ficavam saqueando e barbarizando as populações, atribuindo os saques aos colunistas.

Quantos homens integravam a Coluna Miguel Costa/Prestes, quantos Estados foram percorridos e porque uma nova periodização: não mais 1925, mas 1924 a 1927?
Eu resgato no livro o nome Coluna Miguel Costa/Prestes, porque a atual memória oficial consagrou o nome de Coluna Prestes. Prestes era formalmente chefe do Estado-maior da Coluna e o comandante da Coluna era Miguel Costa. Por isso, durante muito tempo, a Coluna era conhecida como Miguel Costa/Prestes. Porém, sustento no livro que, por duas razões, o nome Coluna Prestes acabou se afirmando. Numa primeira etapa, os oficiais do Exército que compunham a liderança da Coluna teriam ficado muito incomodados pelo fato do comandante-geral ser um homem da Força Pública de São Paulo, instituição hoje que é a Polícia Militar paulista. Isto é, não é muito honroso ter oficiais do Exército comandados por um homem que é fruto de uma força auxiliar. Miguel Costa tinha se tornado chefe da Coluna porque, quando houve a Revolução de São Paulo, em 1924, ela é dirigida por vários generais do Exército, entre eles, o general Isidoro Dias Lopes. Quando eles se retiram para o Oeste do Paraná e se juntam com os tenentes vindos do Sul, esses generais que estavam no topo eram mais velhos e foram considerados inaptos para segurar a barra de uma aventura pelo Brasil a fora. Então, todos esses generais vão para exílio e o homem que tem a maior patente, embora não seja do Exército, é Miguel Costa, um major da Força Pública de São Paulo. O homem do Exército que tinha a maior titularização era Prestes, que era capitão. Os demais eram tenentes. Depois, no desenrolar dos tempos e da Coluna, eles iam se promovendo. Havia essa sedução pelos títulos. Miguel Costa e Prestes vão a general e outros se tornam coronéis e tenentes-coronéis.

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A Coluna terminou quando?
Em fevereiro de 1927. Logo que a Coluna acabou, o nome de Miguel Costa começou a desaparecer e o de Prestes a ganhar força. E eu atribuo isso, logo nessa primeira etapa, quando Prestes ainda não era comunista, ao fato de os oficiais do Exército não acharem honroso para eles terem feito uma saga épica, durante dois anos, comandados por um homem que pertencia a uma força auxiliar. Posteriormente, quando Prestes entra no Partido Comunista e se torna, a partir da Insurreição de 1935, um herói revolucionário, os comunistas vão bater nesta tecla de chamar a Coluna de Prestes. Mesmo porque Miguel Costa tinha divergências com Prestes. Tanto que Miguel Costa, do ponto de vista político, se filia ao Partido Socialista Brasileiro (PSB) e não aos comunistas. Miguel Costa era um homem de esquerda e permanece assim até morrer, mas nunca se filiou ao Partido Co­mu­nista. Ou seja, duas fontes contribuíram para o desaparecimento do nome de Miguel Costa: de um lado os oficiais do Exército, desejosos de terem um comandante militar do Exército; e do outro os comunistas. Agora, diga-se a bem da verdade, e falo isso no livro, Prestes, sempre que se referia à Coluna, fazia questão de dizer que ela era comandada por Miguel Costa, sendo ele o chefe do Estado-maior. Ele não tem, em nenhum momento, a perspectiva de usurpar isso. Porém, na memória, realmente Miguel Costa desapareceu. Por que no livro a Coluna só começa de fato em abril de 1925? Porque é nesta data que eles resolvem adentrar o Brasil nesta marcha, no qual me refiro no livro como “a grande marcha pelos Brasis”. E por que na memória ela só começa em outubro de 1924? Porque é quando há o Levante de 1924, que tem dois focos: julho de 1924 e a Insurreição em São Paulo, quando eles resolvem sair do Estado e ir para o Oeste do Paraná. O movimento revolucionário só começa no Rio Grande só Sul em outubro de 1924. A ideia era tomar o Estado, mas logo veem que não têm condições para isso, pois foram cercados. Por isso, saem do Rio Grande do Sul para encontrar os revolucionários no Paraná. Quando fazem a junção, compreendem que não dá mais para resistir e resolvem começar a marcha. Entram pelo Paraguai, voltam para o Brasil pelo Mato Grosso e começam a marcha.

Pode-se dizer que a marcha tinha um programa liberal?
Era liberal, eles queriam derrubar o presidente Arthur Bernardes. Nós tínhamos uma República formalmente liberal, mas um liberalismo muito penetrado por um processo altamente corrompido, as eleições eram fraudadas, a Justiça Eleitoral inexistia, o voto era aberto, a imprensa era sujeita a frequentes repressões, tínhamos um nível de cidadania extremamente precária e limitada. Os tenentes começam a se revoltar a partir de 1922 e Prestes está dentro deste processo. Ele só não esteve envolvido no episódio do Levante daquele ano, mais conhecido como Revolta dos 18 do Forte de Copacabana, porque estava acometido pelo tifo. Se não, ele participaria. As autoridades souberam que ele estava envolvido e, por isso, o pune enviando-o para o Oeste do Rio Grande do Sul, com a ideia de confiná-lo, porque sabiam que ele tinha certa liderança dentro do Exército no Rio de Janeiro. Cometeram até mesmo uma irregularidade, porque ele tirou o primeiro lugar em sua turma de tenente, e, por isso, tinha o direito de escolher onde servir. E ele escolheu o Rio de Janeiro, onde moravam a sua mãe e suas quatro irmãs, mas o Exército o forçou ir para o Sul. Então, ele estava no Rio Grande do Sul quando explode a Revolução de 1924, e ele é um dos líderes daquele levante. Por isso, os prestistas, na perspectiva da memória da Coluna Prestes, fixam seu início em outubro de 1924. Falsifica-se a história, pois a Coluna não começa em outubro de 1924. Agora, admitir que ela começa em abril de 1925 é colocar Miguel Costa na jogada.

Como Prestes teve contato com os ideais marxistas e se torna comunista? Como foi seu processo de filiação ao PCB?
Logo que os colunistas vão para o exílio em fevereiro de 1927, o PCB tem uma proposta de organizar uma grande frente política contra aquela república elitista, cheia de arbitrariedades. Assim, Prestes e outros integrantes da Coluna são muito prestigiados e têm aquela áurea romântica dos vencidos. Então, o PCB, depois de muita discussão — pois alguns comunistas achavam que não deveriam procurar o Prestes, por ser um pequeno burguês, um homem que não tinha nenhum compromisso com o povo —, resolvem procurá-lo. Astrogildo Pereira, então líder do PCB, vai até à Bolívia, onde estão Prestes e os colunistas, tem o primeiro encontro com ele e entrega livros marxistas. Este é o primeiro encontro de Prestes com o comunismo. Mas muito superficial. Depois, Prestes vai para Argentina onde faz um contato mais íntimo com os comunistas. Na Argentina, o Partido Comunista existia legalmente, a literatura marxista era vendida em todas as livrarias e os comunistas argentinos o procuram. Neste momento, ele estava trabalhando como engenheiro na cidade de Santa Fé e começa a se converter ao comunismo, lendo muito material marxista. Na etapa final desta conversão foi impulsionada por um agente da Internacional Comunista que atuava no Uruguai, já que ele tinha um Bureau sul-americano sediado em Montevidéu. Este agente, Abraham Guralski, o Rústico, teve muitas conversas com Prestes. É ele que dá a pá de cal no seu processo de conversão ao comunismo. É importante lembrar que, neste período, o comunismo tinha dado uma viagem internacional, a partir de 1928, que era bastante radical. Isso é muito importante, porque a gênese do encontro de Prestes com o comunismo tem uma perspectiva revolucionária extremamente radical.

Prestes antes de 1935, ano em que há uma tentativa fracassada de golpe comunista no Brasil (Intentona Comunista de 1935), estaria contaminado pela concepção da guerra de classe contra classe?
Exatamente. Na verdade, essa perspectiva épica catastrófica revolucionária vai dominar Prestes quando ele estava na União Soviética. Ele não aderiu à Revolução de 1930, e ficou em condições muito precárias no Uruguai, juntamente com sua mãe e suas irmãs, até os soviéticos oferecerem exílio. A União Soviética, neste começo da década de 1930, vivia um momento quente, muito radical de coletivização forçada, um momento extremamente radicalizado, e tudo isso marcou a gênese comunista de Prestes até o fim de sua vida. O que é interessante observar é que, em 1934, os comunistas brasileiros começaram a anunciar aos soviéticos que o Brasil está na iminência de uma revolução social. O que não era verdade. Isso fez com que os comunistas soviéticos se preparassem para fazer uma viagem a fim de fazer frente a escalada do nazi-fascismo. O congresso da Internacional Comunista era para ser realizado em 1934, porém não se realizou. As delegações latino-americanas chegaram a Moscou com os comunistas brasileiros, que achavam possível fazer uma revolução, e os comunistas chilenos, que advogavam outro caminho, mais democrático e com participação de eleições, ocorridas em 1935. Os chilenos foram autorizados a fazer um processo democrático e os brasileiros uma revolução. Os soviéticos se dividiam em relação ao Brasil. Alguns se empolgaram e outros achavam que esta história de revolução não passava de uma aventura.

É neste momento que eles aceitam a entrada do Prestes no PCB?
As lideranças do partido temiam muito a figura de Prestes, que era um homem de grande prestígio nacional. Mesmo na base do partido havia uma grande admiração por ele. A direção do partido temia que ele viesse a roubar a liderança, por isso ficaram “cozinhando” seu ingresso. Por conta desse atraso, ele busca adesão ao Partido Comunista Soviético, mas foi alertado que Josef Stálin teria dado uma parada no recrutamento de quadros, principalmente de estrangeiros, em função dos expurgos. Em agosto de 1934, após muita insistência, Prestes foi aceito no PCB, porém, não participa de nenhuma reunião importante. Tanto é que, no encaminhamento da Revolução de 1935, Prestes foi encarregado das articulações militares. As articulações políticas foram feitas por Miranda e Antônio Maciel Bonfim, então diretor-geral do partido. Prestes só foi admitido, finalmente numa reunião do Comitê Central do partido, em novembro de 1935, dias antes da Revolução.

A Revolução de 1935 pegou os comunistas de surpresa?
Na verdade, os comunistas estavam se preparando para desencadear uma insurreição. Realmente, eles não tinham programado que ela se iniciasse na cidade de Natal. Houve uma série de episódios particulares que levaram os comunistas daquela cidade a arcar o início da revolução por lá, que, aliás, começou independentemente da vontade deles.

Por que a Revolução de 1935, no Rio de Janeiro, foi um total fracasso?

Em minha análise, foi um fracasso porque não tinha nenhuma condição de ser vitoriosa. Ao contrário do que os comunistas imaginavam a população do Rio de Janeiro não estava nos cascos de uma revolução. Os informes que os dirigentes deram era de que havia a possibilidade de formar vários destacamentos armados de operários que iriam entrar em cena. Quando se fala que a Revolução de 1935 foi uma quartelada é porque o plano envolvia muito mais do que insurreições em quarteis. Os comunistas tinham uma força bem razoável em várias unidades militares. Havia importantes forças comunistas no 3º Regimento de Infantaria do Exército na Praia Vermelha, que afinal foi o que se levantou; havia também forças importantes dos comunistas no Batalhão dos Fuzileiros Navais, no Batalhão Naval e no Arsenal de Guerra da Marinha, além do Campos dos Afonsos, uma unidade aérea que estava sendo criada. Na realidade, havia também forças dos comunistas em vários setores operários. A ideia era fazer um levante militar, apoiado por inúmeras ações que iria ser desencadeada por grupo de operários que tomariam a Central do Brasil, os Correios e Telégrafos. Ou seja, era uma coisa articulada. Porém, na hora “H”, o 3º Regimento de Infantaria se levantou e as demais unidade militares não. Prestes, inclusive, em certo momento, quis ir à Vila Militar, mas logo foi alertado que poderia ser preso. Ele pensava que, com seu carisma, ele poderia arregimentar as outras unidades militares, e isso prova que ele estava comprometido com a revolta. Enquanto isso, os grupos operários sumiram, nenhum deles atuou. Aquilo tudo era uma fantasia.

O diplomata e acadêmico Paulo Sergio Pinheiro chamou a Intentona Comunista de 1935 de delírio à esquerda. Ele tem fundamento?
Sim, foi um delírio à esquerda da mesma forma que nós deliramos na década de 1960. Eu faço uma aproximação entre esse imaginário aquecido revolucionário que existia em 1935, com a juventude revolucionária de 1960 depois do golpe.

É possível fazer um paralelo entre 1935 e a década de 1960, quando os dispositivos militares não apareceram?
Aí já é outro paralelo. O que faço é entre os jovens revolucionários de 1935 e os revolucionários do pós-ditadura. Interessante observar que, décadas depois, Prestes chegou a afirmar que aquela Revolução de 1935, mesmo com todos os problemas, poderia ter dado certo se conseguissem fazer a junção do 3º Regimento de Infantaria com as forças do Batalhão Naval. Assim, eles dominariam a cidade militarmente e aquilo poderia irradiar pelo Brasil afora. Quando consultei a documentação do governo brasileiro e dos diplomatas estrangeiros no Brasil daquela época, a sensação geral é de que o governo vivia uma situação de muita instabilidade. A conjuntura era realmente instável. Mas não chegava ser uma conjuntura pré-revolucionária. Ali havia elementos que permitiam o delírio, que era completamente sem raízes. Havia elementos de instabilidade, mas que eram superestimados.

Prestes foi preso quando e quanto tempo ele ficou encarcerado? Qual foi o papel do Supremo Tribunal Federal (STF) na extradição de Olga Benário?
A extradição de Olga Benário foi um triste episódio da Justiça brasileira, um fato infame, já que as leis proibiam extraditar homens e mulheres estrangeiros que tivessem filhos brasileiros. Olga Benário estava grávida de um filho brasileiro e ela foi extraditada contra as leis. Vejo três níveis de responsabilidade. O primeiro, que é do chefe de Polícia, Filinto Müller, que tinha ódio de Prestes, por ter sido expulso da Coluna por ato de covardia e corrupção. Ele era um homem da Revolução de 1924 e tinha uma função precisa do ponto de vista militar, mas abandonou o posto que tinha, levando armas e dinheiro e fugindo para o exílio. Ele foi expulso do movimento revolucionário como corrupto, covarde e traidor. Então, ele tinha um ódio visceral de Prestes e, por isso, fez tudo para expulsar Olga a fim de feri-lo. Um segundo ponto é Getúlio Vargas. Os getulistas tentam encobrir, mas ele teve uma responsabilidade clara, pois era o presidente da República eleito por uma constituinte de 1934. Além disso, há um terceiro ponto, que, de modo geral, não é falada, por que as pessoas culpam, com razão, Getúlio Vargas e Filinto Müller: a parcela de culpa do STF, que recusa por unanimidade um recurso e aprovam a extradição de Olga. Ou seja, se culpa Getúlio e Filinto e eles merecem ser condenados, mas a verdade é que o Brasil ainda não era uma ditadura na época, havia um sistema jurídico. Houve um recurso e o STF recusou por unanimidade, aprovando a deportação. Consultando a imprensa na época, é triste constatar que houve poucas vozes que se levantaram para denunciar. Na realidade, quem levantou voz foram meia dúzia de advogados e políticos. O resto se omitiu.

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Entre eles estava o advogado Sobral Pinto?
Sobral Pinto, nesse momento, estava começando a advogar para Prestes e não há registros de ele ter protestado contra a deportação de Olga.

Como o sr. explica, por exemplo, o fato de Prestes ter subido no palanque de Getúlio Vargas, visto que este foi o algoz de Olga Benário?

Esse é um episódio muito explorado, mas compreensível. Desde antes do fim da guerra, Prestes ainda preso, havia uma frente antinazista constituída por União Soviética, Inglaterra e Estados Unidos. E a recomendação dos soviéticos, dos comunistas de todo o mundo, era, desde 1935, organizar as mais amplas frentes para isolar o nazifascismo. No Brasil, os políticos começaram a lutar para que o País entrasse na guerra. No governo Vargas havia muita vacilação contra isso. Eurico Gaspar Dutra e Góes Monteiro eram muito germanófilos. O Dutra, inclusive, tinha simpatias claras pelo nazismo e chegou a pedir, em 1940, durante um conselho de ministros, que o Brasil declarasse guerra à Inglaterra. Getúlio também teve sua germanofilia, mas não era muito exacerbado, pois ele não era homem de abraçar credos idelógicos.

Ele era pragmático e fazia tudo para se manter no poder. Ele tinha um compromisso, que era criar um Estado nacional forte no Brasil. Depois, houve uma pressão muito grande para o Brasil entrar na guerra, o que finalmente ocorreu. Aí os comunistas tinham suas razões para se aliar ao governo brasileiro, que tinha tomado uma posição contra o nazifascismo. A dificuldade dos comunistas era que o governo ao mesmo tempo os perseguia, então houve uma série de articulações no sentido de compor uma aliança com o governo. Quando Prestes foi solto, em 1945, os líderes da oposição ao Getúlio o procuraram para fazer uma frente antigetulista. E a resposta de Prestes tem sua lógica. Ele diz: “Vem cá, vocês são líderes hoje contra Getúlio, mas todos vocês foram favoráveis ao Estado Novo e, enquanto a ditadura durou, vocês estiveram com Getúlio”. Eduardo Gomes era um militar que tinha feito toda sua carreira sob o Estado Novo. Dutra era o ministro da Guerra do Getúlio. Então, ele disse: “Você, Eduardo Gomes, você, Dutra, e Getúlio são vinhos da mesma pipa. E como Getúlio abriu, deu anistia, convocou eleições, façamos o seguinte: Getúlio fica no poder até a constituinte terminar seus trabalhos. E aí, com a nova Constituição, vamos ter eleições para presidente e aí Getúlio sai do poder”.

Os caras queiram dar um golpe no Getúlio. Eles tinham muito medo de que Getúlio desse um golpe e continuasse a ditadura. Essa não era a posição do Prestes. E a perspectiva dos comunistas era manter aquela ampla frente contra o nazifascismo mesmo depois da guerra, ou seja, liquidar os remanescentes do fascismo. Os comunistas se aproximam de Getúlio para garantir aquele processo de redemocratização, há uma aliança. Depois Getúlio será deposto, em 1945, mas é eleito senador da República acima do Prestes e numa eleição posterior. Mas essa aliança é política, porque Prestes nunca se encontrou com Getúlio para conversar e discutir, nada disso. Era uma aliança objetiva de interesses políticos. Prestes, diversas vezes, disse que achava a figura de Getúlio repugnante, mas que se tratava de uma aliança política e que tinha de superar os ressentimentos pessoais. Ele sobe no palanque com Getúlio uma única vez, numa eleição para vice-governador de São Paulo, em 1947. Dutra tinha candidato e fez aliança com Ademar de Barros para eleger o vice-governador. Os trabalhistas e os comunistas tinham outro candidato, que vinha da esquerda. Aí, Getúlio e Prestes se reúnem no mesmo palanque uma única vez. Daí o mito que Prestes segurou o microfone para Getúlio Vargas falar. Isso é mentira.

Qual o papel do Prestes na morte da Elza Fernandes?
Quanto a Elza, Prestes é corresponsável pela morte dela. Foi uma decisão coletiva, mas que ele aprova e depois o comitê central fica vacilando, se mata ou não, e Prestes faz um bilhete violento, no sentido de que o comitê tem de executar. Ele não é o responsável único pela morte dela, foi uma responsabilidade coletiva. Eu sempre disse isso no livro, que é importante contextualizar esse assassinato, que é um erro, um erro grave que os comunistas cometeram e que Prestes, em particular, cometeu. Mas quero contextualizar que na época era tradição entre os comunistas, quando uma pessoa era considerada traidora, determinar sua eliminação.

Por que Prestes se tornou um bode expiatório em 64?
Prestes se tornou “bode expiatório” entre os comunistas e Jango en­tre os trabalhistas. É da nossa tra­dição, e não só nossa, personalizar a política. Os grandes chefes dos partidos derrotados viram os res­ponsáveis pela derrota. Entre a nossa juventude, Prestes era o “bode”, o grande culpado pelo fracasso.

Quando ele foi para o exílio e até quando ficou na União Soviética?
Ele viveu clandestinamente no Brasil até 1971, depois que as condições começam a piorar muito, ele parte para o exílio na União Soviética onde ficou até a lei da anistia. Voltou em outubro de 1979.

E porque ele se aproxima mais de Brizola, dos trabalhistas, do que dos comunistas?

Prestes tinha uma visão crítica de todos aqueles partidos. Disse isso em vários momentos que to­dos eles estavam dialogando com a di­tadura. Em 1982, ele já tinha saí­do do partido, mas contemplou a possibilidade de se candidatar. Ele fez gestões com o PT, com o PDT e com o PMDB, mas os três partidos o recusaram. E ele ficou até um pouco abalado. No entanto, mesmo sendo rejeitado pelos três partidos, Prestes sempre teve uma boa atitude em relação ao Brizola, a quem achava que tinha se destacado muito em 1961, com a resistência ao golpe naquele ano. A­cha­va Brizola um homem muito corajoso e resolve apoiá-lo nas eleições no Rio de Janeiro, em 1982. Mas foi um apoio crítico. Ele só se re­sol­ve mesmo a entrar na campanha brizolista três semanas antes das eleições. Brizola recusou a en­trada de Prestes, pois ficou com me­do de que a entrada dele na sua campanha “queimasse seu filme”. Porque Brizola já tinha levado aquela rasteira, perdendo a sigla do PTB. Naquela época, havia dúvidas, muita gente ainda considerava que o Brasil vivia sob ditadura, o que eu acho um abuso, porque o País já estava na transição democrática, mas é admitido pela maioria. Brizola tinha receio de que a entrada de Prestes no PDT “queimasse a fita” do partido. Mas em con­traste com Lula e Ulysses Gui­marães, os grandes chefes de PT e PMDB, Brizola manteve uma atitude amigável com Prestes. Depois da eleição, Brizola já governador, ele quis fazer de Prestes o presidente de honra do PDT. Mas Pres­tes nunca se filiou formalmente ao partido, embora muitos prestistas tenham ido se alinhar ao governo, inclusive porque Brizola abriu as portas para uma tendência prestista. Prestes queira entrar ou no PT, ou no PDT ou no PMDB em 1982, mas deixando claro que isso não significaria uma adesão dele aos programas desses partidos. Ele queria o estatuto de uma candidatura avulsa por um desses partidos, que não quiseram saber disso.

Daniel Aarão em entrevista ao repórter Frederico Vitor: “Prestes não segurou o microfone para Getúlio Vargas falar. Isso é mentira" | Foto: Jornal Opção
Daniel Aarão em entrevista ao repórter Frederico Vitor: “Prestes não segurou o microfone para Getúlio Vargas falar. Isso é mentira” | Foto: Jornal Opção

Em 1989 Prestes apoia Brizola e depois Lula.
Prestes jogou um papel importante para aproximar Lula de Brizola no segundo turno contra o Fernando Collor. Ele fez um grande esforço para essa aproximação. Brizola imaginava ir para o segundo turno e perdeu no photochart para Lula e ficou um clima ruim. Brizola e Lula tinham feito críticas contundentes um contra o outro. Prestes teve um papel muito positivo para unir os dois e a derrota de Lula no segundo turno vai abalá-lo, ele já com quase 91 anos de idade.

Como Prestes viu a queda do Muro de Berlim?
Prestes viu o Muro de Berlim com muita amargura. 1989 foi um ano terrível para Prestes, porque Brizola nem conseguiu ir ao segundo turno, a Frente Popular perdeu para Collor e o Muro de Berlim caiu. E vários amigos do Muro de Berlim caíram no contexto da desagregação das forças da Europa Central. Várias pessoas que ele conhecia muito bem, amigos dele, foram achincalhadas, presas e deportadas. A desagregação do Muro de Berlim concorre para sua morte, ocorrida na madrugada de 6 para 7 de março de 1990. Ele tinha feito 92 anos em janeiro e morre menos de seis meses depois dessas grandes catástrofes.

Qual a opinião do sr. sobre a Comissão da Verdade?
É um voto que merece toda reflexão; é complexa. Em resumo, eu diria que o relatório final em seus aspectos principais, segundo a imprensa, são muito interessantes. A caracterização da tortura como crime de Estado é perfeita. Eu defendo essa posição há muitos anos, há um conjunto de evidências para essa posição. Acho que a Comissão da Verdade fez muito bem em recomendar a revisão da lei de anistia, aliás, ela defende que a lei da anistia não se aplica aos torturadores, que é o ponto de vista de juristas desde o início dos anos 1980. Ela continua enfrentando um bloqueio maior que é a falta de consideração das Forças Armadas. E a verdade é que nossos presidentes civis, desde Fernando Henrique Cardoso, não têm coragem de enfrentar essa questão. As Forças Armadas continuam um quisto dentro do Estado brasileiro. Os militares não aceitam ser tratados como funcionários públicos uniformizados e enquanto isso continuar, isso vai continuar empacado.