Nathan Blanche: “A nova ‘Covid’ que vai causar tensão mundial chama-se inflação”

08 janeiro 2023 às 08h59

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Elder Dias e Euler de França Belém
Preparem-se. Se fosse para resumir esta entrevista do economista Nathan Blanche, um dos maiores especialistas no mercado de câmbio e mercados futuros do Brasil, ao Jornal Opção, essa frase curtíssima resolveria a questão. Sócio-fundador da Tendências Consultoria Integrada, que tem uma respeitável carteira de clientes, ele costuma frequentar as páginas de publicações como “O Estado de S. Paulo”, “Valor Econômico”, “Exame” e outras referências nacionais na área de finanças e negócios.
Na visão experimentada de Nathan Blanche, a situação da economia global é muito grave, o que deve levar a um quadro de recessão neste ano. “Nós precisamos ser responsáveis com nossas famílias e pensar seriamente em como passar por essa crise econômica, que começa no mundo rico e vai bater nos países emergentes.” E desta vez, segundo o consultor, ao contrário da quebra de 2008, com o estouro da bolha imobiliária nos Estados Unidos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não vai sofrer apenas uma “marolinha”, como ele então garantiu.
A causa remete à pandemia, mas, como diz o economista, a “Covid” agora é outra: “Chama-se inflação e vai comer o poder aquisitivo principalmente das classes menos favorecidas”, alerta. Para ele, de viés liberal, o rombo das contas brasileiras, já acima de R$ 200 bilhões, só tende a ficar maior com o modelo político-econômico que Lula optou para governar. “Essa expansão fiscal, com essa equipe, com esse projeto econômico deste governo e com essa ampla coalizão de esquerda, centro e direita, vai ter um resultado certo. Nós já contratamos uma recessão mundial em potencial”, lamenta.
Nathan admite que é um alerta “infelizmente bastante pessimista”, mas não consegue ver outro cenário. Para Goiás, pelo menos, um alívio: o agronegócio, acredita o consultor, deve trazer uma “vantagem comparativa”.
Euler de França Belém – O economista Nouriel Roubini, que previu a crise americana de 2008, diz que Europa e Estados Unidos vão passar uma grande crise em 2023. Não necessariamente ele vai acertar novamente, mas é uma opinião que ganhou respeito. Como essa turbulência, se acontecer, pode afetar o Brasil?
O que tinha para acontecer começou a acontecer no ano passado. Eu dei um nome novo na área da economia para isso: uma disfuncionalidade, promovida pela pandemia. A reação das economias, principalmente as líderes, foi monstruosa, buscando recuperar o nível de atividade econômica e devolver ao mundo um panorama mais equilibrado em relação ao que vimos nos anos de 2020 e 2021. Ou seja, a pandemia causou na economia mundial uma tremenda disfuncionalidade entre oferta e demanda.
Por quê? Porque as pessoas se restringiram na questão de trabalhar, até se adaptarem à comunicação eletrônica e pela internet durante esse período. Então, houve uma produção declinando fortemente em oferta. Do outro lado dessa coisa não funcional, houve o aquecimento vindo como reação a toda essa crise mundial – como a guerra na Europa –, por meio da emissão de dívida interna. A quantidade do PIB [produto interno bruto] que foi injetado artificialmente na economia foi algo assustador – isso por parte de Estados Unidos, Japão, União Europeia etc. Isso causou uma demanda aquecida com uma pressão inflacionária tremenda, porque teve quebra de oferta por um lado e, pelo outro, aumento de demanda promovido por desequilíbrios fiscais e incentivos dos governos. Isso mostra a trajetória desde onde partimos, em 2020, para chegar ao cenário econômico de hoje.
O governo Bolsonaro teve uma emissão de R$ 200 bilhões. Essa foi, digamos, a “influência” das eleições
Elder Dias – E como ficou o Brasil nessa trajetória?
Aqui e agora, nós temos outro choque socioeconômico e, principalmente político. O governo Lula tem uma coligação por conveniência puxada para a esquerda, mas quem entrou nela foi de direita, de centro e de esquerda. Ou seja, essa coalizão ampla que está hoje no governo é o sistema de Lula, de domínio quase total, politicamente falando, da economia. E como ele conseguiu isso? Por meio de expansão fiscal e de cargos. Isso causa um tremendo desequilíbrio fiscal.
O ex-presidente Bolsonaro teve uma emissão de moeda de cerca de R$ 200 bilhões – alguns falam até R$ 230 milhões, mas eu uso R$ 200 bilhões. Essa foi, digamos, a “influência” das eleições. Não diria compra de votos, mas uma “expansão de benefícios” dada pelo governo Bolsonaro para conquistar votos.
Elder Dias – Nessa conta entra o valor a mais para o Auxílio Brasil [hoje novamente chamado de Bolsa Família], vale-gás, a redução dos impostos dos combustíveis etc.?
Tudo, isso e também garantia de salário, promessas de 10% de aumento para o funcionalismo público e mais. Não interessa. O que interessa é que houve uma baita expansão fiscal que promoveu pressões inflacionárias de grande importância. E hoje, sem dúvida, vemos uma contribuição do governo Lula muito grande nesse sentido. A migração à esquerda é uma reação normal, que ocorreu no mundo todo, mas principalmente na América Latina. Veja o que houve na Venezuela, Argentina, Colômbia e até o Chile, o grande país capitalista, liberal, que também caiu nessa. Hoje, os chilenos têm um presidente socialista [Gabriel Boric] que quer resolver o problema social do país. Como? Por meio de expansão fiscal.
Todo esse pacote que nós temos de déficit fiscal causa uma expansão natural da inflação. Eu usei uma expressão no ano passado, que foi a seguinte: o Brasil estava vendendo o jantar em um ano para almoçar no outro. E foi isso que foi feito: esse gasto cria consumo artificial tendo por base o endividamento público.
Ora, no fim do ano passado, com esses incentivos dados pós-vitória de Lula, a coisa está na cara: essa coligação por conveniência entre esquerda, centro-direita e direita pôs todo mundo no governo, com uma só motivação: querem o orçamento. E isso está sendo dado, seja por expansão fiscal, seja por emissão de dívida.
Nós temos esse valor acima de R$ 200 bilhões para esse rombo, mas o economista Marcos Lisboa, que é presidente do Insper [instituição de ensino superior das áreas de negócios e economia], diz que esse número pode ficar acima de R$ 300 bilhões. Tudo isso tem como resultado uma expansão fiscal considerável, que causa inflação. Essa é a nova epidemia, o novo “Covid” que o mundo e o Brasil estão herdando para 2023. O que posso dizer é para que todos se preparem, porque a resultante disso chama-se inflação, que vai comer o poder aquisitivo principalmente das classes menos favorecidas.
Há risco iminente de uma crise fiscal de dimensões nunca vistas neste País
Elder Dias – Os pobres serão mesmo os mais afetados?
Basta ver o que ocorreu com a inflação no ano passado. O que mais subiu? Alimentos. A inflação vai direto no prato do pobre. Foi o que aconteceu com Dilma e com seu ministro Mantega [Guido Mantega, ministro da Fazenda de 2006 a 2014], resultando no impeachment. Não quero ser extremista, mas preciso dizer que o novo governo de Lula está indo no mesmo rumo do governo Dilma. Se vai resultar nisso ou não, eu não quero afirmar. O que há é o risco iminente de uma crise fiscal de dimensões nunca vistas neste País.

Não sou eu nem qualquer economista que vai mudar a realidade: expansão fiscal deságua em inflação
Euler de França Belém – O economista Marcos Lisboa, em entrevista ao “Estadão” sugere ainda que a agenda do PT, pelo que se está dizendo, não é diferente da agenda anterior, da direita, que também, ao fim, operou com um cenário de descontrole de gastos públicos e enfraquecimento das regras fiscais. O sr. avalia também dessa forma?
Eu creio que Lisboa ainda foi modesto, em vista do que estamos vendo na questão do orçamento. Veja a PEC [proposta de emenda à Constituição] da Transição aprovada no fim do ano. Quem faz o mundo são as pessoas, os personagens da história. Quem fez parte da equipe de transição para o governo Lula? André Lara Resende, Guilherme Mello, Nelson Barbosa, Mantega – que também estava na equipe, mas tinha problemas com a Justiça –, Márcio Pochmann e, finalmente, o atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Ninguém fala em austeridade, em equilíbrio fiscal.
Não sou eu nem qualquer economista que vai mudar a realidade: expansão fiscal deságua em inflação. O tamanho da inflação vai depender da quantidade de moeda emitida para fazer a dita política social. E a gente conhece o resultado disso. Os mais novos não se lembram, mas eu me recordo bem da inflação de 40% ao mês no governo de José Sarney [presidente do Brasil de 1985 a 1990]. Era inacreditável. E como Collor [Fernando Collor, presidente que sucedeu Sarney até renunciar após processo de impeachment, em 1992] superou esse quadro, de uma inflação anual que chegou a quase 2.000%? Ele sequestrou poupança pública. Sequestrou! De rico, de pobre, de quem fosse. (enfático)
Elder Dias – Uma medida bem heterodoxa.
Eu chamaria isso de hipereterodoxia, com esse tipo de intervenção nas contas públicas e a expansão do déficit fiscal.
Elder Dias – Mas o que o sr. chama de hipereterodoxia é o quadro atual, o do Plano Collor ou ambos?
Veja, eu não sou historiador, eu vivo a realidade do dia a dia, que é o desejado pelos clientes de nossa consultoria. Então, é o quadro atual. Essa expansão fiscal, com essa equipe, com esse projeto econômico deste governo e com essa ampla coalizão de esquerda, centro e direita, vai ter um resultado certo. Não é que vamos testemunhar: nós já contratamos uma recessão mundial em potencial. A inflação brasileira do ano passado fechou em torno de 6% ao ano. Mas qual foi a inflação medida nos Estados Unidos e na União Europeia? Foi entre 8% e 10%, isso com taxa de juros negativa. Por que esse fenômeno? Porque as pessoas corriam para o ouro, para comprar terra. Hoje em dia, estão correndo para a segurança. Não tem outra opção, o mundo está indo para a recessão. O dólar está com taxa de câmbio apreciada [em alta] não por causa do combate à inflação, mas por ser a base monetária. As pessoas preferem apostar 4% [de juros] em dólar do que 13%, 14%, 15% em real. Esse não é um problema fantasioso, é uma questão palpável. Essa demanda por dólares é como alternativa de segurança, porque o dólar, pelo regime democrático sólido dos Estados Unidos, que só evoluiu nesse sentido, também é a moeda mais sólida em termos de troca. Mas, mesmo que se perca em termos de troca, há uma reserva de valor. Todos se lembram de quando o euro valia quase 2 dólares. Agora, veja como o euro está sofrendo mais, tanto que tiveram de subir juros a um ponto muito alto por lá. Com a inflação e a alta de juros reais na Europa, muito acima do dólar estadunidense, exatamente hoje a situação está assim em valores de moeda [entrevista concedida na tarde da segunda-feira, 2]: o dólar está a R$ 5,3590 para compra; mas, se você quiser comprar euro agora, vai pagar R$ 5,7106. E o que é o euro? É uma moeda de troca alemã, com toda a vantagem comparativa de sua economia e produtividade que possui? Não é assim, você também vai estar comprando também uma moeda espanhola. Ou italiana, veja a situação fiscal da Itália, por exemplo. Nada comparável com a vantagem comparativa e com a produtividade de uma economia como a da Alemanha. Essa é uma questão disfuncional, que leva ao recado que eu dou a todos: cuidem-se, porque o potencial de inflação e de crise no Brasil, para este ano, não é menor do que o mundial. Então, sejamos conservadores.
Elder Dias – É um conselho, de fato, para todos?
Perguntaram-me no início de 2021 sobre o que eu compraria para preservar o poder de compra de minha poupança. Respondi que seria tudo que fosse indexado à inflação. Isso foi em março daquele ano. Isso custava 4,5% e o déficit fiscal acumulado do governo só tendia a crescer. No fim de 2022, a situação já era muito gritante em perda de valor de moeda, por causa da situação fiscal.
Um fator que as pessoas se esquecem de calcular é a razão dívida/PIB, que hoje está em torno de 70%. Financiar isso a uma taxa de juros Selic [taxa básica de juros anuais] de 8% a 9% é uma coisa; mas veja como é isso se for financiado a um custo de Selic a quase 14% e, caso coloque aí 5% ou 6% de taxa de juros, isso vai a 18% ou até 20%. A gente perdeu a noção do que é moeda. As pessoas estão correndo para ativos reais.
Alguns argumentam que as bolsas também estão caindo. Ora, é claro, não poderia ser diferente: com esse nível de taxa de juros, qual empresa, qual economia vai crescer? Para onde vai o setor imobiliário, que demanda crédito de longo prazo, financiamentos mais longos? Meu recado é para termos muita cautela. Não gostaria de estar falando isso e vou rezar para estar errado, mas agora, o que vejo é que a bomba fiscal está dada.
Talvez fosse bom a gente parar a entrevista por aqui, porque caso contrário talvez as pessoas tenham de tomar comprimidos para dormir, eu já estou tomando (risos). Mas, sem brincadeira, nós precisamos ser responsáveis com nossas famílias e pensar seriamente em como passar por essa crise econômica em 2023, que começa no mundo rico e vai bater, com certeza, nos países emergentes, como nós somos. Principalmente, quando temos um governo com essa amplitude de bondades que está tendo com essa coalizão de centro, esquerda e direita. O que estamos contratando é um prato cheio para uma crise que, infelizmente, vai chegar.

O ideal é aplicar em fundos e carteiras que sejam isentos de imposto de renda
Elder Dias – Mas, nesse cenário, a que tipo de aplicação os investidores deveriam se ater? Qual o sr. recomendaria?
O resumo do que eu disse até aqui é que o mundo está diante de uma economia recessiva e o Brasil não está em situação diferente. A recomendação é ter cuidado, ou seja, poupar de acordo com uma poupança real. O ideal é aplicar em fundos e carteiras que sejam isentos de imposto de renda, como aplicação em LCA [letras de crédito do agronegócio] ou CRI [certificado de recebível imobiliário], e que paguem o IPCA [Índice de Preços ao Consumidor Ampliado, a base nacional para a inflação] e mais alguma coisa. Mesmo com imposto de renda, se cobrir [o IPCA], pode fazer; mas sem imposto de renda, claro, é melhor ainda.
É isso que tenho recomendado desde o ano passado. Tenho artigos que a Tendências escreveu há tempos com essa indicação cautelosa, conservadora, pelo nível de incertezas que a gente tinha. Hoje, outra vez, a certeza que temos é de que a inflação vai ser maior, como resultado de um desequilíbrio fiscal maior. Não é preciso ir muito longe para constatar tudo isso, aqui na América Latina a gente pode observar. Veja o que está acontecendo com a economia colombiana, a chilena, a venezuelana nem se fala, mas principalmente… olha, se tem uma coisa que me fez rir para não chorar, isso foi a proposta de moeda única entre Brasil e Argentina. Nós, aqui, temos o dólar a R$ 5,20 ou R$ 5,30. Na Argentina, é preciso mais de 60 pesos para comprar um dólar. Não posso amenizar esse tipo de questão.
Euler de França Belém – Se a China crescer menos em 2023, o que acontecerá com o Brasil e o mundo?
O lockdown que os chineses fizeram por conta da pandemia foi muito forte. Ou seja, a Covid acabou pesando muito para eles neste momento. Para o Brasil, especialmente, quem determina a balança comercial é o agronegócio. Nisso, temos uma vantagem comparativa em relação ao restante do mundo. Nossas exportações do agro representaram, até novembro do ano passado, 53% do superávit da balança comercial. Algo em torno de R$ 60 bilhões ou R$ 70 bilhões. Enquanto isso, os outros setores têm balança negativa.
Eu pediria ao governo de Goiás que comparasse municípios que têm agroindústria aos que não têm
Elder Dias – Como o sr. entende a posição da economia de Goiás em relação a esse cenário mundial tão pessimista?
Em relação a Goiás, somos um Estado privilegiado, porque nossa força está no agronegócio. É aqui que temos uma vantagem comparativa em relação aos demais. Aqui, nossa balança comercial, no total, foi superavitária em R$ 8,4 bilhões. Mas veja quanto foi a balança do agro até novembro do ano passado: R$ 14,6 bilhões. Ou seja, essa vantagem comparativa que Goiás tem está no agronegócio. Não entendo por que motivo tinham de criar uma tributação sobre esse setor, com vistas à infraestrutura.
Com minha vasta experiência de empresário e consultor econômico, eu pediria a este governo para que fizesse uma comparação entre municípios que têm agroindústria e os que não têm agroindústria. Falo em termos de arrecadação tributária, de renda per capita, em termos de qualidade de vida e de contribuição para grandeza e crescimento deste Estado que a gente tanto gosta. Creio que isso serviria para maior crescimento, maior competitividade, maiores arrecadações, maiores salários e, consequentemente, mais renda para as pessoas. Ou seja, do ponto de vista fiscal, pessoal e social, a agricultura é importante. Sem os que plantam, não temos nada. Porém, se se quer dar valor de verdade a isso, é preciso industrializar. Assim, teremos uma melhor distribuição de renda, por meio da industrialização. O governador, caso queira, pode ter acesso a esses dados sobre a população goiana – arrecadação fiscal, renda per capita, qualidade de vida – assim que quiser
Elder Dias – O sr. fala em o Estado se concentrar no fomento à agroindústria?
Nós precisamos nos tornar competitivos ao menos com Mato Grosso, por exemplo. Hoje, de acordo com um amigo que tenho e que é industrial, o empresário prefere investir e crescer por lá do que aqui em Goiás. Não entendo profundamente disso, mas é alguém cuja opinião eu valorizo e acredito que seja um ponto de vista honesto. O “feeling” que tenho é de que ele está coberto de razão. A indústria aumenta a distribuição e o nível de renda mais do que a ocupação do trabalhador rural, porque agrega mais valor.