“Na democracia a confiança é algo que se conquista. E a justiça eleitoral tem cumprido seu papel”
15 outubro 2021 às 18h05
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O professor de direito Eleitoral, Alexandre Francisco de Azevedo, avalia as mudanças nas regras eleitorais e a confiabilidade das urnas eletrônicas
Falta um ano para as eleições. E em 2022 uma lista de novas regras entraram em vigor, alterando significativamente a estratégia eleitoral e afetando profundamente o futuro dos partidos. As regras serão aplicadas nas eleições para presidente e vice-presidente da República, de 27 governadores e vice-governadores de estado e do Distrito Federal, de 27 senadores e de 513 deputados federais, além de deputados estaduais e distritais.
O professor de direito eleitoral, Alexandre Francisco de Azevedo, falou com o Jornal Opção, apontando quais as principais mudanças e seus reflexos no processo eleitoral. Ele ainda comenta o incentivo candidaturas de mulheres e negros, além das regras que colocam fim nas coligações e criam as federações partidárias. Na conversa, o especialista defende a urna eletrônica e aponta sua confiabilidade.
As mudanças nas regras eleitorais aprovadas pelo Congresso estão adequadas ao que exige o momento político no País?
Temos que dividir a reforma em dois pontos. O primeiro é a reforma da Lei Ordinária 14.211 e da Emenda Constitucional 111, de 2021. No que tange a lei em si, ela vem regulamentar uma situação que já estava na Constituição, que é a proibição de coligações para eleições proporcionais. Isso é: deputado, federal e vereador. Já estava proibido, segue na mesma situação. Lembrando que houve movimento do presidente da Câmara Arthur Lira (Progressistas) juntamente aos parlamentares, de tentar voltar com a coligação proporcional, mas não passou.
O segundo ponto é a questão de diminuir sensivelmente o número de candidatos que cada partido poderá lançar em uma eleição proporcional. Como exemplo: na eleição do ano passado cada partido poderia lançar até 150% do número de candidatos. Se fizer uma conta em Goiânia, que tem 35 cadeiras, cada partido poderia lançar 57 candidatos. Se multiplicar essa quantidade com os vários partidos políticos se chega a números significativos.
As siglas possuíam a visão de lançar a maior quantidade possível de candidatos, e muitos estavam ali para preencher e tapar buracos, pois qualquer quantidade de voto que tivesse já ajudava no consciente partidário. Então veio essa regra de redução e acredito que foi adequada.
A outra alteração nesta lei que vale ressaltar é a modificação de cálculo das sobras eleitorais. No sistema proporcional são feitas três fases: na primeira é calculado o quociente eleitoral. Isso na verdade é a quantidade mínima de votos que um partido precisa ter para eleger um candidato – quantidade de votos válidos dividida pelo número de vagas. Isso é importante porque toda vez que a legenda atinge esse Quociente ele elege um candidato.
A segunda fase deste sistema consiste no Quociente partidário. É verificado a quantidade de votos que todos os candidatos do partido teve e se divide pelo consciente eleitoral, lembrando que na eleição, se desconsidera a fração.
A terceira fase é chamada de restos ou sobras. Para preenchimento das vagas que estão ociosas e não foram preenchidas nas duas fases iniciais.
Foi feita alteração criando a regra que para ir para terceira fase o partido precisa ter o mínimo de votação correspondente a 80% do quociente eleitoral. Antes, todos os partidos iam para o resto e sobras. Essa é uma regra que limita o alcance dos pequenos partidos.
Para ir para a terceira fase, o partido precisa ter, além dos 80% do quociente eleitoral, ao menos um candidato que teve votação correspondente a 20% do quociente eleitoral. Limita muito e impede o fenômeno que ficou muito conhecido na eleição do Tiririca que acabou elegendo junto ele muitos outros candidatos.
Lembre-se o Enéas Carneiro, que quando foi eleito pela primeira vez para deputado federal ele levou consigo todos os candidatos do partido, que eram seis, um deles apenas com 132 votos. Se houvesse um candidato no partido dele sem nenhum voto sequer, teria virado deputado federal. Hoje isso não é mais possível, porque exige uma votação mínima expressiva de 20% do quociente eleitoral.
De 2010 a 2021, a Câmara dos Deputados aprovou nada menos do que 76 projetos que alteraram a legislação eleitoral do País, o que representa uma média de sete projetos aprovados por ano. O senhor considera que se trata da busca por melhorar o sistema, ou tem mais a ver com favorecer quem já está no poder?
É uma situação universal. No Brasil e no mundo a legislação eleitoral difere de todas as outras normas. Isso ocorre porque quem fabrica a lei é o seu destinatário. Volta e meia vamos deparar com situações que melhoram o sistema, mas ao mesmo tempo pode beneficiar o candidato que já está no exercício de um cargo. Essa pessoa já tem para si o benefício do cargo no que tange a questão da visibilidade.
“Por mais haja avanços na legislação eleitoral, em alguns pontos há também o favorecimento daqueles que já estão nos cargos”
Por mais haja avanços na legislação eleitoral, em alguns pontos há também o favorecimento daqueles que já estão nos cargos.
Novas regras eleitorais favorecem de certa forma as candidaturas de mulheres e negros. De esse é um reforço com independência ou autonomia de candidatos?
Neste ponto entra a Emenda Constitucional 111. Ela de fato dá autonomia grande aos partidos, principalmente no que tange a divisão do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, ao tratar das mulheres e dos negros como peso dois. O que seria isso: a votação para os candidatos em geral tem peso um e para as mulheres e negros vai ser diferenciado para fins de divisão do fundo. Isso leva-se a um favorecimento dos partidos que mais investirem em mulheres e negros. Quanto maior a quantidade de votos nestas duas categorias, maior será para os partidos as verbas.
Estamos, desde 2010, com a vigência da obrigatoriedade dos partidos em terem candidatas mulheres – antes apenas tinha que reservar as vagas. Estamos há um bom tempo obrigando o partido a lançar candidatos e com resultado pífio. A nova regra faz com que os partidos lancem e invistam nas candidaturas femininas e negras. Assim eles terão maiores acessos a fundos públicos.
O senhor acredita na efetividade desta medida em ampliar a representação das mulheres e dos negros no parlamento? Só o incentivo financeiro é suficiente ou precisa de mais do que isso?
Tínhamos um sistema em que a lei falava que o partido precisava reservar 30% do número de candidatos para mulheres. Os partidos preferiram lançar 10 homens e as vagas femininas ficavam ociosas. Isso ocorreu até 2010. A partir de então foram obrigados a registrar mulheres. Eles registravam. Mas elas eram pegas no laço e iam para campanha sem nenhuma estrutura. No ano passado, por força do TSE, se tornou obrigatório que partidos gastarem no mínimo 30% dos recursos com as candidaturas femininas. Foi uma festa. Comprava-se elementos de propaganda eleitoral para mulheres que eram na verdade usados pelos homens. O partido fazia aquela mágica contábil.
Hoje a legislação diz o seguinte: partidos precisam lançar 30% de candidatas mulheres, tem que gastar no mínimo 30% com as mulheres, e caso não se invista nelas, a sigla ficará totalmente sem recursos. E quanto maior a quantidade de investimento que as mulheres tiverem, maior será a probabilidade delas serem eleitas. A ideia é essa.
Esse é um bom caminho que a lei tomou. Pessoalmente, pensava antes que a justiça deveria criar mecanismos para as mulheres conseguirem votos. Mas atualmente eu mudei meu pensamento, sou tendente a aceitar leis estabelecendo vagas de eleição, não só de candidaturas. Podemos aceitar uma regra que diga que no parlamento tenha no mínimo 30% de mulheres, outro percentual de negros.
Precisamos ter uma representação maior dos segmentos sociais no parlamento. É um passo que a lei deu agora, e vamos ver se com isso será suficiente para diminuir nossa vergonha frente ao mundo.
Se pegarmos a Assembleia Legislativa de Goiás, temos 41 deputados, duas são mulheres. Na legislatura eram quatro. Ou seja, reduzimos. Temos que nos representar para ter uma representação melhor. A lei ao fazer isso, ela caminha certo. Se não conseguir atingir esse objetivo o ideal seria partir para a reserva de vagas eleitas.
As federações partidárias também darão mais autonomia? Elas podem mudar o contexto político?
No caso das federações, dois ou mais partidos podem se unir, e, pela lei, a união será de no mínimo 4 anos. É o tempo equivalente a uma legislatura, ou seja, os partidos vão se unir, formar a federação para fins de atingir as cláusulas de desempenho e de barreiras, e que assim possam continuar com existência, acesso a tempo de TV e Rádio, acesso ao Fundo Partidário e Fundo Especial de Financiamento de campanha.
Se o partido não atingir a cláusula de barreira ele não vai ter acesso a nada disso e vai morrer, nem que seja por inanição. Com a federação ele pode se unir com outros partidos. Diferente da coligação, que era efêmera – sendo só para campanha e após o pleito as siglas já começam a brigar e se separar. A federação exige uma existência de união por pelo menos quatro anos.
As federações partidárias são uma preparação para fusão ou incorporação futura. Talvez por isso, os partidos que formam uma federação devem estar atentos a ter uma identidade ideológica próxima. Seria desarrazoado pensar em partidos de direita criando compondo uma federação com partidos de esquerda. Vão se aproximar aqueles que seguem a mesma linha.
Há também uma sequência de decisões com foco em reduzir o número de partidos no Brasil. São mais de 30 siglas registradas no TSE. Mas temos agora a questão do fim das coligações e as cláusulas de barreiras. A lógica disso é tornar esses partidos mais ideológicos e tirar do jogo político as siglas menores?
Se a gente pegar a teoria do direito eleitoral e do direito partidário, vamos ver que existem siglas ideológicas que têm preocupação com a difusão de seus ideais. Se ganharem ou perderem, não faz diferença. Podemos citar o PCO e o PSTU. São partidos que não se preocupam em ganhar eleição, e sim em levar a sua ideologia para o debate.
Temos por outro lado partidos que não são nem um pouco ideológicos. Eles são pragmáticos. Esse é o problema. O partido pragmático, ele vai pegar a lei nova, estudar e ver como se mantém com a nova regra do jogo. Os partidos fazem como times de futebol – jogar com regulamento debaixo do braço e criam toda estrutura para sobreviver, usando a regra do jogo.
Temos os chamados partidos do Centrão. Há os pequenos e os robustos. Vindo a nova regra do jogo, vão jogar de acordo e vão se manter. Já os partidos ideológicos, que não estão abandonando essa ideologia, se não se reunirem em uma federação, enfrentarão uma tendência natural de esvaziamento.
Acreditava-se que após ser derrubado no Congresso o pedido do voto impresso deixaria de estar presente nos debates políticos. Mas ainda se houve muito sobre isso. Afinal, as urnas eletrônicas são confiáveis ou não?
Na democracia a confiança é algo que se conquista. E a justiça eleitoral tem cumprido seu papel. Tivemos uma situação em que a questão do voto impresso passou a ser uma campanha eleitoral midiática. Quase uma campanha de governo. É preocupante porque temos uma classe política que foi eleita por esse sistema. Se pegarmos o presidente atual, que há 30 anos é eleito por esse sistema, e agora ele o ataca.
Esse ataque não é porque ele desconfia ou vê algo errado. É porque a base dele quer isso. Nas conversas sobre esse tema estava em um cercadinho com o grupo dele. A imprensa mostrou frases em que o presidente afirma que houve fraude, mas que não tem prova. Como que posso afirmar que o sistema é fraudulento, sem apresentar o mínimo de prova. Isso sem falar que tem mais de um ano que ele fala que teve fraudes e que ele tinha provas. Não foi apresentado. Todas as vezes que foi feito um debate público, aberto, ele saiu envergonhado e derrotado.
“Precisamos ter uma representação maior dos segmentos sociais no parlamento”
Considerando que o pedido de voto impresso, não foi pelo voto em si mesmo, mas para demolir e atacar as instituições – principalmente a justiça eleitoral – eu tenho no meu entendimento que devemos manter da forma como está. Eu vejo que se trata de um movimento para tratar erosão ao sistema democrático. Apenas isso.
Como que a justiça eleitoral vem trabalhando com a transparência do voto? Temos a votação paralela, em que é sorteada urnas eletrônicas para passar por auditorias gravadas. Outra situação é que foi antecipada em um ano as auditorias. Já foi criado o grupo para tentar atacar e testar a urna. Tudo isso aumenta a transparência e assim amplia a credibilidade.
Como fica a questão da fidelidade partidária? Muda alguma regra?
Essa questão da fidelidade partidária surgiu em 2007. Quando o TSE responde uma consulta que questionava o que aconteceria com um candidato que trocasse de partido depois de eleito. O Tribunal apontou que havia a perda de mandato. Com base nesta resposta alguns partidos, principalmente PSDB e PFL, acionaram a Câmara dos Deputados apontando que alguns candidatos haviam saído da sigla e migrado para a esquerda. Diante disso pediram o cargo de volta para o partido. O presidente da Câmara há época era o Arlindo Chinaglia, que negou o pedido. Assim os partidos foram ao Supremo Tribunal Federal, que confirmou que o político perdia a vaga quando trocava de partido, entretanto a perda não era automática. Apontou que precisava de um processo que permitisse a ampla defesa.
O TSE editou a resolução 1510, que estabelece regras de fidelidade partidária e as situações de justa causa. Ou seja, situações em que o eleito pode desfiliar sem o risco de perder o mandato. Quais são: a fusão de um novo partido, ofensa ou perseguição dentro da sigla, além da mudança reiterada do estatuto e seus programas. Vamos supor, um parlamentar eleito por uma sigla de direita, que uma vez no poder começa a caminhar para esquerda. Isso permite que o candidato troque de sigla. Porque não é o mandatário que está sendo infiel, e sim o partido.
Nesta alteração mais recente as regras apontam que o político pode sair se houver autorização ou acordo mútuo com o partido. Era algo que a jurisprudência do TSE já previa. Isso é bom que conste na lei. Por vezes o candidato conversava com o partido que autorizava a saída, mas vinha o suplente e judicializa, criando insegurança. Alguns partidos, para contornar essa situação, simulavam a expulsão do mandatário. Era só pra inglês ver. Assim ele não perdia o mandato.