Aline Bouhid e Elder Dias

O deputado federal José Nelto é hoje um dos políticos mais experientes de Goiás. Vice-líder do pP na Câmara, em Brasília, ele é o nome mais próximo que o partido tem no Estado, em relação ao governo Lula. Sem que o presidente peça, ele já adianta o que conselho que gostaria de lhe dar: “Votei em Lula no segundo turno pensando que ele seria o ‘Lula Mandela’. Espero que, neste segundo semestre, ele possa avançar e esquecer Bolsonaro”.

Referindo-se a Nelson Mandela – o líder que saiu da condição de preso político para comandar a África do Sul, se tornando o primeiro negro a presidente o país –, o parlamentar confessa que acreditava que o petista “uniria a Nação” e que pusesse o Brasil longe da guerra ideológica. “Espero que, neste segundo semestre, ele possa avançar e esquecer Bolsonaro, que está inelegível. Portanto, não tem de dar palanque para Bolsonaro, tem de dar palanque é para o Brasil, para o empresariado, acabar com a burocracia que temos e depois fazer as diversas reformas necessárias”, afirma.

José Nelto diz esperar por punições severas em duas frentes: uma, para os que participaram da tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro, “porque a democracia é inegociável”; e outra, para quem comete crimes hediondos, “que tenham 40 anos de cadeia sem redução de pena, sem semiaberto”, a partir de uma reforma do Judiciário e do sistema penal brasileiro.

Nesta entrevista, realizada na sede do Jornal Opção, ele também falou sobre as eleições municipais. Para Nelto, o prefeito Rogério Cruz (Republicanos) terá muitas dificuldades de se tornar viável à reeleição por ter, segundo ele, se tornado “refém” dos vereadores. Para o todo do Estado, ele prevê que nas urnas em 2024 seu partido poderá dobrar o atual número de 30 prefeituras.

Aline Bouhid – Como está o pP para as eleições municipais do próximo ano?

O partido tem diretórios em quase todos os municípios de Goiás. Sabemos da força do governador Ronaldo Caiado (UB) e de seu vice, Daniel Vilela (MDB), em todo o Estado. Então, vamos achar uma terceira via, alinhando o pP ao União Brasil e ao MDB, e trabalhando para eleger pelo menos 60 prefeitos em Goiás.

Elder Dias – Hoje, o partido tem quantos prefeitos?

São 30 prefeitos. Nosso objetivo é dobrar o número. Acreditamos que é possível, porque percebemos que, em vários municípios, cidadãos querem oportunidades para ser candidatos por partidos que não o União Brasil ou o MDB. Há a busca por partidos sem lideranças ocupando o direito de ser candidato. O pP se apresenta como um espaço de confiança para que esses competidores locais disputarem as eleições.

Elder Dias e Aline Bouhid entrevistam o deputado federal José Nelto: “Rogério Cruz assumiu muitos desgastes. Não há o que mostrar em saúde, educação, infraestrutura” | Fotos: Leoiran / Jornal Opção

Quem for para a eleição municipal com esse pensamento de “direita versus esquerda” já perdeu

Elder Dias – Há alguma orientação quanto à ideologia? O PL, por exemplo, só agora se abre para discutir a participação de políticos de linhas ideológicas que não sejam de uma direita ligada ao bolsonarismo.

Primeiramente: quem é de esquerda não vai para o PL. E eu tenho falado para toda a sociedade que quem for para a eleição municipal com esse pensamento de “direita versus esquerda” já perdeu. A disputa do ano que vem é em nível local, onde o que importa é ser capaz de solucionar os problemas objetivos do município. Não é como uma eleição nacional, onde há espaço para polarização ideológica como a que vimos na eleição entre Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL).

Veja o que aconteceu nas eleições de 2020. Bolsonaro era o presidente da República, estava com a máquina na mão, mas não conseguiu eleger um prefeito de capital. Isso mostra que o candidato a prefeito não tem de se preocupar com a questão de direita e esquerda. Se quiser ganhar a eleição municipal, o candidato tem de ter propostas, ser honesto, se apresentar bem para a sociedade. Precisa pretender ser um bom gestor para a cidade, administrar bem os impostos arrecadados, o dinheiro dos pagadores de impostos. A competência necessária é saber conversar com todos, porque não se pode ser o prefeito apenas de um grupo político. Quem entra para brigar com a esquerda ou para ficar defendendo sua ideologia, ora, esse político acaba não governando.

A pessoa que está no cargo e assume uma postura de oposição acaba arriscando a governabilidade. Os governos estaduais precisam do governo federal, assim como os prefeitos também precisam do governo estadual. É uma bobagem romper relações com outras esferas se elas não fizerem parte da sua ideologia.

Muitos candidatos ainda hoje pensam “se eu sou de direita, vou ter muitos votos porque o eleitorado de direita é grande em Goiás”. Isso é uma bobagem. O eleitor vota em quem ele acha que será um bom gestor. Vale também para a Câmara – disputei três eleições de vereador e consegui três mandatos. Posso dizer que é uma eleição decidida lá no bairro, na comunidade. O que decide é o peso político do grupo que o candidato trabalha para reunir.

Podemos ter candidatos a vereador se destacando nas redes sociais. Isso é normal. Mas, principalmente no interior, é muito difícil um vereador ganhar a eleição apenas com rede social. Ele tem de mostrar o trabalho dele, visitar os bairros, ter um grupo político forte, crescer sua base de apoio. Aí, sim, terá a chance de vencer. Apenas a ideologia é muito pouco.

Aline Bouhid – Como está a articulação do pP nas principais cidades, como Anápolis, Goiânia, Jataí e Rio Verde?

A articulação em Anápolis passa pelo atual prefeito, Roberto Naves (pP), juntamente com Alexandre Baldy, que é de Anápolis e presidente do partido no Estado. Em Goiânia, já começaram as articulações e em outubro começamos o processo da pré-candidatura. Em Rio Verde, o partido tem Flávia Cunha. Em Jataí, temos o Luciano Lima. Muitos outros nomes querem vir para o partido. Em alguns municípios não temos candidato definido ainda, mas teremos em breve.

Tudo depende da negociação para o período de troca de partido pelos candidatos, o que é normal na política. Até o início de março, veremos muitas trocas de legendas, não só em Goiás, mas em todo o País.

Aline Bouhid – Como avalia Goiânia no cenário atual?

Hoje, todo o processo na capital depende muito de algumas candidaturas. Depende do governador, que está muito bem avaliado em Goiânia. O candidato que Ronaldo Caiado (UB) apoiar sairá com uma larga vantagem. Por quê? O eleitorado goiano sempre foi pautado pelo eleitorado goianiense, e o eleitorado goianiense sempre foi dissidente. Nunca foi fácil para governador algum eleger o prefeito da capital. Mas, neste momento, a credibilidade do governador pode significar um bônus para o candidato – ou candidata – à Prefeitura.

Neste momento, compete ao pré-candidato fazer as suas pesquisas qualitativas e ao partido apresentar nomes. Em Goiânia, eu não vou apresentar nenhum nome agora, porque gostaria de ouvir primeiro o governador ou o vice-governador.

Acredito que Goiânia não pode sofrer mais quatro anos de retrocesso. A cidade está paralisada em uma disputa por cargos entre Paço e Câmara – cada um quer uma fatia do orçamento da Prefeitura. Não vejo ninguém nessa disputa preocupado com a gestão da saúde, com os resultados da educação, com a construção de infraestrutura, com um Plano Diretor que priorize o meio ambiente. Todos querem sua fatia.

O novo prefeito vai precisar ter a capacidade de conversar com o governador e com o governo federal. Precisamos de ideias arejadas e de alguém que seja gestor de verdade, com o comprometimento de conversar com todas as forças políticas.

Elder Dias – O atual prefeito, Rogério Cruz (Republicanos), está desgastado na opinião pública, mas pode ser candidato à reeleição ou apoiar um nome de sua confiança. E, nisso, tem alguma vantagem nesse processo por ter a máquina na mão. Como o sr. avalia esse poder do prefeito?

Não acredito que o Paço vá tentar fazer um novo candidato, até porque existe uma articulação política para que o atual prefeito seja candidato à reeleição. Mas ele passou três anos e meio em muita confusão. A política com vereadores é conflituosa. Rogério Cruz assumiu muitos desgastes. Não há o que mostrar nas áreas de saúde, educação, infraestrutura. Por último, ele não teve um diálogo direto com a sociedade, ficou refém da Câmara. Se colocar nessa posição subalterna ao Legislativo causa uma tendência ao fracasso, porque o prefeito fica obrigado a dividir o bolo entre os aliados políticos que o mantêm no poder. Ao mesmo tempo, não divide as fatias do bolo com a sociedade. Então eu vejo muita dificuldade no futuro político do atual prefeito.

O vice-presidente da República, Geraldo Alckmin (PSB), é um nome à altura do cargo

Elder Dias – Depois dessa experiência, com a morte de Maguito Vilela (MDB), o sr. acredita que a escolha do vice tende a ser mais importante nas próximas eleições em Goiânia?

Temos de tomar cuidado com o “se”. Se Maguito tivesse assumido, Goiânia estaria diferente, mas “se” a minha avó não tivesse morrido, ela estaria viva. Aconteceu uma fatalidade, algo que ninguém esperava. Maguito era um homem saudável e a pandemia foi inesperada. É claro que Goiânia perdeu muito, mas foi um processo inevitável, da vida. Nunca sabemos o que acontecerá amanhã. Não é porque ocorreu essa fatalidade com o Maguito que o mesmo acontecerá sempre.

Dito isso, a escolha de um bom vice ou de uma boa vice é sempre importante. Você precisa ter um nome preparado à disposição, pois na vida administrativa pode haver cassações, licenças, afastamentos, tudo pode acontecer. Por outro lado, eu acredito que o Brasil, por exemplo, hoje tem um vice à altura. O vice-presidente da República, Geraldo Alckmin (PSB), é um nome à altura do cargo.

O pP ter ministério apenas para dizer que temos, isso não nos interessa

Aline Bouhid – A informação recente é de que o pP busca mais participação no governo federal e nos próximos dez dias deve ser anunciado um ministério para o partido. Como o sr. vê a aproximação com o governo Lula? Isso, de alguma forma, distancia o pP do governo estadual?

Não. O desejo de compor o governo federal não tem a ver com a posição em relação ao governo do Estado. Nós já estamos colaborando com a União há quase um ano sem ter nenhum ministério, sendo que o próprio partido do governador (UB) tem três. O MDB e o PSD têm ministérios, mas não têm entregado seus votos. O pP, que não tem nenhuma pasta, entregou 95% de votos favoráveis às reformas defendidas pelo governo. Fez isso porque acreditou que eram matérias de importância para o Brasil, porque nossa preocupação é o Brasil.

Primeiramente, quem está procurando um partido que o apoie é o presidente da República, não o contrário. Com essa articulação política em vista, vamos agora conversar com a bancada do partido em Brasília, da qual sou vice-líder. Não me interessa ter ministérios que não tenham força política. Quer dizer, ter ministério apenas para dizer que temos, isso não nos interessa. É o que pretendemos colocar nas reuniões da bancada. Se o partido for participar do governo com um ministério, deve ser uma pasta à altura de uma bancada de 49 parlamentares. Temos dado a governabilidade para o Brasil e vamos continuar, independentemente do comando dos ministérios. 

Aline Bouhid – Qual ministério seria interessante?

Não conhecemos o aceno do presidente da República até o momento, temos apenas os boatos repercutidos pela imprensa. Apenas especulações, mas nada concreto. O que o partido tem de colocar na cabeça é que não pode aceitar apenas aquilo que agrade aos dirigentes da sigla, que são do Nordeste. O ministério tem de ser um ministério do Brasil, que atenda a todas as regiões – o Nordeste, o Sudeste, o Sul, nosso Centro-Oeste e o Norte do País. Esse é o meu pensamento. Querer um ministério só para fazer política no Nordeste, isso para mim é discriminatório.

Aline Bouhid – Tem-se falado bastante sobre a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), no Ministério das Cidades, que pode executar emendas parlamentares. O sr. confirma que há a possibilidade de o partido assumir a Funasa?

Sim, até porque membros do pP já foram indicados para comandar a Funasa. A indicação veio pelo ex-vice-governador cearense, Domingos Gomes de Aguiar Filho (PSD). Tudo depende do presidente da República, até porque o PSD já tem três ministérios, alguns dos mais fortes do governo, como Minas e Energia e Agricultura. É importante que Lula tenha em mente que ceder ministérios não garante governabilidade.

Elder Dias – O apoio popular do atual governo é majoritariamente na Região Nordeste. Isso não leva a uma perda de força das outras regiões nas negociações?

A eleição passou. Essa divisão do País é passado. O pensamento que eu defendo, e o que eu faria se estivesse no lugar do presidente Lula, é reconstruir as pontes que foram dinamitadas na eleição. É preciso avançar e colocar cada região para participar do governo, pois todos têm como contribuir com esse projeto de país, que é continental. No Estado de Santa Catarina, a extrema direita hoje é muito forte, e veja que o PT foi historicamente forte no Sul. O que isso mostra? Que houve uma decepção com o partido naquela região. Cabe ao presidente da República reconquistar aqueles votos perdidos.

A administração é um dever acima das ideologias. O prefeito não pode prejudicar seu município

Elder Dias – O pP está dividido quanto ao apoio a Lula? O prefeito de Anápolis é um bolsonarista declarado, que deu medalhas para Bolsonaro recentemente. Não fica difícil exigir cargos nacionais para Goiás nessa condição?

Não. O prefeito de Anápolis tem sua posição política e nós respeitamos, mas ele não vota no Congresso Nacional. O presidente da República precisa do prefeito de Anápolis ou precisa do Senado e Câmara? Quem é que ele deve atender para governar o Brasil? A governabilidade depende de ter maioria no Poder Legislativo. Lá, a posição do partido é clara.

Se Lula for à Anápolis, vamos saber se o prefeito é um estadista ou não, porque terá de receber o presidente da República. Em meu ponto de vista, essa é a obrigação daquele que ocupa a administração de um município, ele tem de conversar com todos. Ele não pode ser inimigo do presidente, e o presidente não pode ser inimigo de prefeitos. A administração é um dever acima das ideologias. O prefeito não pode prejudicar seu município.

O prefeito de Anápolis quer receber verbas ou não? É a pergunta que eu faço. Ele quer o orçamento da União? Ele quer obras da União do município? Ou não? Ele pode ter sua ideologia, mas ele não vai abrir mão daquilo que é direito do povo de Anápolis.

Elder Dias – Seus colegas do pP de Goiás em Brasília não são tão próximos de Lula. O sr. faz uma tentativa de convencimento desses parlamentares?

Eu tenho um diálogo com todas as forças políticas porque faço parte do centro democrático. O centro que pensa, que tem responsabilidade, e não esse grupo comprometido com briga de direita e de esquerda nas redes sociais. Esses não governam o País. Teremos dificuldades pela frente, precisaremos enfrentar reformas que não pertencem ao governo, mas ao Estado brasileiro. Tenho essa facilidade de conversar com todos os lados, estive com o ex-presidente Jair Bolsonaro muitas vezes como líder de minha bancada. Dei a ele muitas orientações – apesar de que orientações para Bolsonaro entram por um ouvido e saem pelo outro. Então ele fez o que ele quis, e por isso não ganhou as eleições. Se tivesse largado o cercadinho dele e tivesse governado, em vez de fazer motociatas, teria chances reais de ganhar as eleições, quem sabe no primeiro turno.

Fico muito triste porque esse confronto está continuando após as eleições. O presidente Lula, que foi eleito para ser o “Lula Mandela”, também está tensionando o País. Talvez pensando em 2026, ele continua em conflito com Bolsonaro, que permanece nas notícias. Talvez ele não queira que outro nome ocupe o lugar, mas isso é ruim para o País.

Elder Dias – Então, na visão do sr., não há diferença entre Lula e Bolsonaro, nesse sentido?

Eu disse na tribuna da Câmara que votei em Lula no segundo turno pensando que ele seria o “Lula Mandela”, que uniria a Nação. Espero que, neste segundo semestre, ele possa avançar e esquecer Bolsonaro, que está inelegível. Portanto, não tem de dar palanque para Bolsonaro, tem de dar palanque é para o Brasil, para o empresariado, acabar com a burocracia que temos e depois fazer as diversas reformas necessárias. São esses assuntos que mexem de verdade com o dia a dia da sociedade e que queremos debater. Não dá mais para ficar nessa tensão política, que interfere até na unidade familiar.

Aline Bouhid – Isso infelizmente ainda continua.

Qualquer posição que se tome em uma votação, o deputado vai apanhar de alguma forma, ou da direita ou da esquerda.

A tentativa de golpe foi real e por isso defendo punição exemplar, com penas duríssimas

Elder Dias – Mas o que parece é que, com Lula, essa batalha ideológica realmente continua no discurso, mas o governo consegue avançar na prática, com muitas votações importantes em curso, como a do arcabouço fiscal e a reforma tributária. Apesar do bate-boca, a gestão está fazendo o Brasil andar?

Lula é um hábil negociador e tem um bom vice-presidente da República. Geraldo Alckmin (PSB) tem uma história política que precisa ser respeitada, foi quatro vezes governador de São Paulo. Todos, quando olham “para cima”, sabe que, se acontecer algo com Lula, temos um vice à altura. É uma segurança política, jurídica, democrática. Tudo isso é representado por Alckmin.

O presidente Lula passou por um momento muito difícil. A tentativa de golpe de Estado foi real e começou não no dia 8 de janeiro, mas dia 12 de dezembro, com a invasão da sede da Polícia Federal, em um ato criminoso pelo qual ninguém foi preso. Tentaram explodir um caminhão-tanque no aeroporto de Brasília, o que criaria a saída para uma GLO [Garantia da Lei e da Ordem] naquele momento e impediria a posse do presidente eleito. Houve o acobertamento dos acampamentos à frente dos quartéis, por uma parcela golpista dos militares e do próprio ex-presidente da República. Isso está sendo apurado pela PF e pelo STF e vão provar que ele foi conivente. Tinha obrigação de reconhecer a vitória do adversário no outro dia, não fez isso e ajudou a criar esse imbróglio. O que houve foi uma tentativa de golpe, mesmo. Agora, queremos os financiadores e os mandantes na cadeia. Foi um atentado à democracia e a democracia é inegociável.

A questão era tão grave que, se não houve uma ação imediata e dura do governo federal, os radicais teriam paralisado o Brasil. Nós teríamos ficado sem alimento, sem energia, sem combustíveis. Atacaram torres de transmissão para tentar causar o caos. A Polícia Rodoviária Federal e outras unidades também, em boa parte, fizeram corpo mole. A tentativa de golpe foi real, repito, e por isso defendo uma punição exemplar, com penas duríssimas.

Elder Dias – O golpe foi contido por conta do modo de reação?

Sim, e devemos muito ao Supremo e agradecer em especial ao ministro Alexandre de Moraes. Caso ele não tivesse tomado rapidamente as decisões, abonadas pela PGR [Procuradoria-Geral da República] e pelo pleno do STF, estaríamos com todas as rodovias interditadas no Brasil em poucos dias. Aqui em Goiás, o governador Ronaldo Caiado foi importantíssimo nessa estratégia, ao determinar que não deixassem seguir inúmeros ônibus para Brasília. Era um movimento coordenado em todo o País em busca de uma ruptura. Nunca havíamos tido uma invasão dos palácios da Praça dos Três Poderes. Foi pior do que nos Estados Unidos, onde houve a ocupação apenas do Capitólio [sede do Legislativo estadunidense].

Aline Bouhid – A LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias] deve ser votada neste mês. O governo aprovou a reforma tributária na Câmara e agora o projeto vai ao Senado. Como o sr. prevê que ocorrerá esse trâmite, uma coisa interfere na outra?

Temos um prazo para votar a LDO, mas a gente pode esperar o transcurso da reforma tributária, acho até que seja prudente aguardar para, então, discutir sobre o orçamento.

É preciso que se mude a concepção, que o agronegócio se torne agroindústria

Aline Bouhid – E a questão dos juros, como está sendo vista pelo Congresso?

Se o presidente Lula quiser alavancar o crescimento do Brasil neste segundo semestre, vai precisar dos municípios e dos Estados. E vai ter de ter dinheiro dos pagadores de impostos. Defendo que a Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil e principalmente o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] tenham uma política para melhorar nosso parque industrial e torná-lo mais competitivo em relação aos produtos importados. Nossa indústria se encontra sucateada.

Quando ao Banco do Brasil, é preciso adotar uma estratégia diferente para o agronegócio. É preciso que se mude a concepção, que o agronegócio se torne agroindústria. Temos de produzir no campo, pegar a soja e transformá-la em seus cinco subprodutos, exportar o óleo, o farelo etc. O mundo inteiro precisa do farelo de soja. Exportar commodities in natura, em minha visão, é algo muito atrasado e deixa de gerar emprego e renda aqui.

Aline Bouhid – Ainda em economia, uma forma de fazer os consumidores voltarem a comprar é o programa Desenrola, que o governo federal lançou. Como o sr. vê essa política de perdão de dívidas?

Não considero nem que seja perdão de dívidas. Todos os governos têm o momento de seus Refis [programas de abatimento e refinanciamento de dívidas]. Por que não fazer com que a iniciativa privada também adira a isso? Tenho um projeto de lei em andamento que concede moratória de um ano ao cidadão, com 80% de desconto – o Banco do Nordeste fez essa moratória e foi um sucesso –, de modo a fazer as pessoas voltarem ao mercado. Economia em país capitalista é ter dinheiro no bolso, principalmente para a classe média e a classe mais baixa, que fazem o dinheiro girar por aqui. Dinheiro no bolso do rico vai ser gasto na Europa. Para os demais, gera turismo, consumo e empregos no Brasil.

Aline Bouhid – Como está o trâmite desse projeto?

Ele está sendo relatado, já estive com o consultor, que vai apresentar uma minuta que ajuntará outro projeto de mesma linha que também está na Câmara dos Deputados. Com a anexação de todas essas propostas, minha parte deve ser encampada no relatório final.

Aline Bouhid – Como o sr. enxerga as ocupações de terra, especialmente em Goiás, onde recentemente houve uma polêmica em relação à cessão de uma área em Hidrolândia do Incra para famílias sem terra?

O direito à luta de classes é algo normal, tem de acontecer. Quem não tem nada precisa lutar para ter alguma coisa. Durante uma missa em Jaraguá nesta semana, o padre disse:  “Se você hoje tem um carro, amanhã quer ter um avião; se tem uma casa, amanhã quer uma mansão”. Isso é natural do ser humano, todos querem conquistar algo. Todo cidadão que quer produzir também quer um pedaço de terra. Se o governo puder fazer uma reforma agrária séria, que não jogue o homem debaixo de um barraco de lona, que lhe dê condições de produzir, com água, energia, sementes, trator, isso pode dar certo. O que não pode haver é invasão de propriedades. Isso é crime e repudiamos isso totalmente, não aceitamos. No entanto, se há imóveis rurais que são de propriedade do governo federal – aquelas que sejam produtos de crimes, de tráfico, de corrupção, terras devolutas etc. –, sou a favor de que sejam usadas para esse fim.

Elder Dias – Como o sr. viu esse caso específico que ocorreu em Hidrolândia?

Lá houve uma invasão de uma terra que foi produto de crime de tráfico e exploração de pessoas. Seria muito melhor que o Incra chamasse as mulheres que participaram do processo de invasão e fizesse um projeto organizado de assentamento. Não é porque a terra é do Incra que tem de ser invadida. É preciso fazer uma seleção de quem vai realmente trabalhar na terra, porque há o risco de entrarem indivíduos que simplesmente vão ganhar seu terreno e depois passar para frente. O Incra precisa fazer uma reforma agrária com assentamentos que sejam modelos para o País.

Não podemos deixar o crime comandar os presídios. Temos de endurecer as leis penais

Elder Dias – Falando em reformas, qual seria a mais necessária hoje para o País, em sua visão?

O Brasil precisa hoje de várias reformas, mas especialmente eu citaria a do Poder Judiciário e do sistema penal. Não podemos deixar as organizações criminosas comandarem os presídios. Temos também de endurecer as leis penais, de modo que crimes hediondos tenham 40 anos de cadeia sem redução de pena, sem semiaberto. O Congresso Nacional precisa se debruçar sobre esse tema. A sociedade espera por isso, porque hoje há milhares de apenados que não cumprem sua sentença. É preciso construir mais presídios e colocar todos na cadeia para mostrar que a justiça é para todos. De que adianta o cidadão cometer crimes hediondos, pegar 30 anos e ficar preso só cinco anos? É um tapa na cara de quem trabalha, de quem é honesto.