Favorito nas pesquisas de intenção de voto, ex-governador está 100% seguro de que disputará a convenção de seu partido e fala em choque
de gestão para recuperar o Estado

Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

Com as costas calejadas, mas pronto “para todos os embates”. É assim que o ex-governador Marcelo Miranda (PMDB) se apresenta para a corrida eleitoral. Atualmente, nas pesquisas da fase de pré-campanha, seu nome lidera de forma disparada todas as pesquisas de intenção de voto. E isso mesmo com uma propaganda massiva de quem lhe faz oposição de que ele poderia não ser candidato.

O peemedebista é direto para responder: “Não há nada que me impeça de ser candidato e seu disputarei a eleição, caso seja a vontade do partido na convenção.” No PMDB, ele tem ganhado a queda de braço com Júnior Coimbra, que também está com pré-candidatura colocada. Uma conversa entre os dois já foi realizada e um acordo deve sair em breve.

Fazendo duras críticas ao atual governo — que, ironicamente, ainda faz o jogo da “herança maldita” contra ele, mesmo após cinco anos de sua saída da administração do Es­tado —, ele diz que o próximo gestor vai encontrar um Estado caótico e fala em choque de gestão. “O To­cantins precisa de alguém que bata na mesa e diga ‘agora é dessa forma’. O povo não pode mais sofrer.”

Pessoa de trato afável, ele não nega que seu carisma influencia na escolha da população por seu nome, mas diz que também pesa o projeto que ele tem de Estado. “Nossa responsabilidade aumenta a cada dia que passa”, diz, ao ver a acolhida do povo por onde passa. As questões jurídicas? Ele deixa sob os cuidados dos advogados. Mas ele é claro: “Não sairia como pré-candidato nunca se tivesse a possibilidade de eu estar inelegível.”

Euler de França Belém — O sr. é pré-candidato ao governo do Tocantins?
A resposta será curta e grossa: sim, eu sou pré-candidato ao governo do Estado do Tocantins.

Euler de França Belém — E por quê?
Entendo que tenho uma missão a ser cumprida. Preciso terminar uma das missões que o povo do Tocantins nos outorgou naquela época. E vejo a importância de essa missão ser concretizada agora, não só pela densidade eleitoral que hoje temos, mas pelo trabalho desenvolvido no passado, pelo qual posso traduzir a vocês o sentimento popular e o reconhecimento que nosso governo teve desde cinco anos atrás, quando deixamos o mandato. A prioridade maior é que possamos apresentar um projeto novo, alternativo, para o Estado. Quero deixar bem claro que estou sendo convidado a participar desse debate. Por isso, me lancei candidato. Entendo que posso contribuir muito para o desenvolvimento do Tocantins.

Euler de França Belém — O Tocantins alterna entre períodos democráticos e antidemocráticos. Houve democracia com Moisés Avelino [ex-governador] e depois com o sr., que reinstala o viés democrático no Estado. Enquanto alguns têm preocupação apenas com o crescimento econômico, o sr. parece ter uma preocupação com o desenvolvimento também, que é mais do que crescer apenas, é repartir os produtos desse crescimento. Quando o sr. assumiu o poder, foi uma época em que não houve perseguições sobre outros Poderes nem sobre políticos. Nesse sentido, o sr. é uma figura fundamental para o processo da democratização tocantinense. É assim que o sr. também enxerga?
Sim, eu concordo. Quando se fala em democracia e antidemocracia, sem desmerecer ninguém, pos­so dizer que consegui, em minha é­po­ca, voltar a democracia ao Es­ta­do. Falo isso porque, antes, houve um distanciamento da cidadania e do respeito. Confesso que quando vo­cê tocou no nome de Moisés A­velino, que foi o primeiro governador eleito pelo PMDB, havia o desejo de democracia. Isso era do estilo de Avelino. Quando ele saiu, voltou a antidemocracia, o desrespeito e a insegurança em todos os setores, pela forma com que passaram a governar o Estado, que era jovem e tinha muito a se fazer. O governante passava medo e as pessoas, por sua vez, desconfiavam de seu governo, pelas atitudes, embora algumas delas devessem mesmo ser tomadas.

Tive a oportunidade, então, de em 2003, retomar essa democracia que estava sendo diminuída, dilacerada, perante a sociedade. Voltamos a mostrar que o respeito iria ser regra no governo. Por isso é que as coisas voltaram a acontecer: as parcerias que fizemos, o tratamento que dávamos aos tribunais e às instituições em geral era de respeito, e respeito mútuo. Nós sabíamos que alguns membros dos tribunais tinham receio, porque governantes do passado faziam intimidações. Passamos então a ter uma convivência muito boa entre os Poderes, mesmo porque há muitos homens de bem, por exemplo, no Judiciário tocantinense. Eu trabalhava tranquilo, sereno. Com o Tribunal de Contas, tínhamos uma convivência muito boa. Dos sete conselheiros, quatro tiveram seus nomes aprovados quando eu era presidente da Assembleia Legislativa. Da mesma forma foi com o Tribunal de Justiça ou com o Ministério Público, nunca houve uma interferência sequer do governador Marcelo Miranda. Eu sempre entendi que o mais importante é o respeito às instituições.

Quando se fala em perseguições a servidores, hoje é preciso tirar o chapéu para o funcionalismo público. Eles perderam o medo de ir para o debate, de enfrentar. Antigamente não havia isso, mas em nosso governo nós conseguimos colocar, se não 100%, pelo menos 90% dos servidores “dentro” do governo, para ajudar a administração de forma parceira. Mostramos que não era com perseguição de funcionários que se tocava a máquina.

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Cezar Santos — O sr. não é o único pré-candidato do PMDB. Há também o deputado Júnior Coimbra também colocou seu nome e, até pouco tempo, fazia um movimento efetivo dentro do partido para que o sr. não fosse o candidato. Como está isso hoje?

Todo mundo tem direito de participar do processo. O deputado Júnior Coimbra tem uma folha de serviços prestados ao Estado: além de ter sido o deputado federal mais votado, foi presidente da Assem­bleia, foi prefeito e vereador. Enfim, tem um currículo respeitável. Ser pré-candidato é um direito dele. Quando Júnior veio me comunicar de sua intenção, eu lhe disse: “Você tem direito de percorrer o Estado da forma que achar melhor. Só peço para que façamos uma pré-campanha com respeito mútuo, porque eu também vou sair para fazer meu trabalho. Assim, lá na frente, nós po­demos convergir.” E assim foi feito.
Em meio a isso, há uma resolução que diz que o PMDB terá candidaturas próprias sempre que puder. Onde isso não for viável, que se faça uma coligação com os partidos da base do governo federal. A intenção é estar ao lado da presidente Dilma. Eu, como pré-candidato, apoio sua reeleição e, inclusive, recentemente estive em um jantar com a presença dela. Dentro desse quadro viável, será lançado quem estiver em melhores condições nas pesquisas. O deputado Júnior Coimbra correu atrás. Ocorre que, nas pesquisas internas do partido — e digo isso com muito respeito a ele —, venho liderando a corrida eleitoral.
Depois de toda a movimentação que fizemos, o deputado veio falar comigo em minha residência, há cerca de um mês. Nós discutimos, colocamos as questões à mesa, os pingos nos is. Uma ou outra pessoa que andava com ele usava o argumento de uma suposta inelegibilidade que me afetaria, uma insegurança jurídica. O Jornal Opção teve a oportunidade, na última edição, de buscar depoimentos de juristas que, mais uma vez, provam que não estou inelegível. As certidões que estão aí também me dão a certeza de que estou elegível. Se não fosse assim, eu poderia muito bem estar em uma caminhada juntamente com os demais companheiros do PMDB em torno de um nome só, para evitar toda essa questão de saírem dois candidatos. Mas me credenciei não por questão pessoal, mas pela vontade popular de continuar essa caminhada. Não sairia como pré-candidato nunca se tivesse a possibilidade de eu estar inelegível.

Quero deixar muito claro, até mesmo para alguns companheiros do partido: uma coisa é o processo do Senado [pelo qual Marcelo Miranda busca reaver o mandato que conquistou nas urnas e foi suspenso por medida judicial], outra coisa é o processo relativo à questão da elegibilidade ao governo. Se eu assumir o Senado isso não vai impedir a pré-candidatura. A nossa intenção, minha e do deputado Júnior Coimbra, é de que não haja convenção, mas apenas para a homologação das candidaturas. Vejo que hoje essa questão da chapa, dentro do PMDB do Tocantins, esteja praticamente pacificada, inclusive com a senadora Kátia Abreu sendo nossa candidata à reeleição.

Quero ressaltar que não estamos fechando portas aos demais partidos, queremos que todos venham conosco. Estamos tendo encontros com vários partidos, como o PT, o PV, o PCdoB, o PHS e outros partidos, com os quais sempre tivemos boa convivência. Mas, dentro do PMDB, o que posso dizer é que, sob a presidência do senador Leo­mar Quintanilha, que vem fazendo um belíssimo trabalho, estamos aparando todas as arestas em todos os municípios. Vejo que o partido está em um bom momento, para chegarmos às convenções unidos e tranquilos para uma disputa pós-convenção já forte, como candidatos.

Cezar Santos — Como está essa pendência no Senado?
O ministro Luiz Fux, do Su­pre­mo Tribunal Federal (STF), já está com esse processo há algum tempo. Quando foi à pauta, meu primeiro suplente [João Costa] — e aqui quero deixar muito bem claro que quem ganhou os votos na eleição fui eu —, por meio de seu advogado, entrou com uma petição no Su­premo para que o processo fosse le­vado ao Ministério Público. E assim foi feito, para a Procuradoria-Geral da República (PGR). O dr. Rodrigo Janot, então, retornou com o parecer reconhecendo que realmente não houve o trânsito em julgado de meu processo. Agora, estou aguardando a decisão do ministro Fux, que já tem o que queria, que era a resposta da PGR. O ministro Marco Aurélio Mello, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), também já respondeu a outro questionamento de Fux, confirmando que o processo está em aberto. Há um agravo regimental no TSE, do mesmo advogado, que contesta a decisão do ministro Ricardo Lewandowski, que já tinha dito que, a partir da abertura do processo, não houve o trânsito em julgado. Em suma: aguardo uma decisão do ministro Fux na questão do Senado, mas o que de forma alguma interfere na minha pré-candidatura ao governo do Estado ou minha elegibilidade a outro cargo.

Elder Dias — Juridicamente não tem nada a ver uma coisa com a outra, mas o sr. não acha que um aceno positivo da questão do Senado seria positivo sobre o cenário total, neste momento?
Sim, seria importante, porque eu estaria reconquistando o que o povo tocantinense me deu, se faria justiça, porque ganhamos as eleições, e de forma clara. Não ganhei com liminar, mas com registro, é bom ressaltar isso. Ou seja, o Tribunal Re­gio­nal Eleitoral me deu o registro para concorrer. Se for assim, eu estava elegível naquele momento. Está constatado que eu estava elegível desde 2010.

Elder Dias — Qual é o sentimento da população em relação a esses imbróglios em que o nome do sr. foi envolvido? O que o sr. tem recebido de “feedback” da população?
Há um sentimento que me deixa muito feliz e certo de que o que passou, passou. Têm horas em que eu fico me perguntando: será que eu mereço tudo isso? Há o sentimento da volta. Quando fui eleito governador, tive 340,6 mil votos. Para senador, eu tive 340.961 votos para senador da República. Não foram nem 339 mil, nem 341 mil. Nem o Oswald de Souza [famoso estatístico] acertaria esses 340 mil novamente (risos). Então, mesmo estando aqui como pré-candidato, vejo claramente esse sentimento do “Volta Marcelo”. E é bom deixar cla­ro que é “Volta Marcelo Mi­ran­da” porque há outro Marcelo na dis­puta (risos), já que Marcelo Lelis (PV) também é pré-candidato.
Tenho andado no Estado e as dúvidas que estão na cabeça das pessoas foram introduzidas por meus adversários, que ainda não assimilaram as derrotas que sofreram da minha pessoa em 2006 e 2010. O PMDB pode ter perdido o governo, mas eu ganhei minhas duas eleições. Estão soltando virais pelo Estado para pôr incertezas na cabeça dos jovens e dos de cabelos grisalhos. Tenho tentado dirimir essas dúvidas. Na caminhada do PMDB tinham um ou dois que batiam na tecla de que eu estaria inelegível. Isso não ressoou, porque a população continua me colocando em ascensão nas pesquisas. Essa incerteza não atingiu a população. Ora, se fosse assim, eu não estaria preocupando o atual governo por estar tão bem nas intenções de voto.

Uma questão que coloco: por que eles [o ex-governador Siqueira Campos (PSDB) e seu vice João Oliveira, do DEM] renunciaram? Foi medo? Como é que o vice re­nuncia antes do governador? Então, o que tenho dito é que Deus é mui­to generoso, e o povo do Tocantins é tão generoso quanto. Ele vê a forma com que Marcelo Miranda conduz sua vida pública. Hoje há uma reviravolta no Tocantins. Então, posso dizer que, como “feedback”, como você disse, há um sentimento popular — e eu não estou como vítima — muito forte em relação ao nosso nome, a um projeto novo, alternativo. Porém, o mais importante, e que estou vendo acontecer no Tocantins, é o surgimento de lideranças novas. É isso o que eu mais quero para o futuro do Estado, entendo essa importância.

Elder Dias — O sr. é uma liderança carismática no Tocantins, assim como é Siqueira Campos. Esse sentimento da população, então, carrega um pouco desse carisma. Mas o sr. percebe que, no seu caso, também há algo referente ao projeto de Estado?
O gestor público que se compromete com sua administração pode ter um desgaste natural, mas quando tem compromisso com o que faz as coisas caminham. Estes três anos e meio — e ressaltando que eu torcia pelo governo, até porque já fui governador — foram tão ruins e insignificantes que culminaram com renúncias. E tudo para beneficiar um único cidadão. E a população sabe disso, a verdade sempre vem à tona. O carisma e a história do ex-governador precisam ser respeitadas, mas as pessoas passaram a entender que não há só a história dele, mas há muitas histórias que precisam ser respeitadas.

Então, a história do ex-governador se finalizou no dia da renúncia. Ele não saiu pela porta da frente, mas pela dos fundos. Primeiro, por não confiar no vice-governador, pressionando para que o vice-governador renunciasse antes. E aqui quero dizer que há uma tradição na política brasileira de o governante e seu vice estarem sempre brigando, mas posso dizer que, em meus dois governos, tive dois vices que foram meus companheiros: primeiro, Rai­mundo Boi e, depois, dr. Paulo Sid­nei. Homens retos, de linha, que me ajudaram a planejar, trabalhávamos em consonância. Então, nós saímos pela porta da frente, eu confiava em meu vice-governador. Desta vez, nesse governo, não: o vice, que tinha até uma perspectiva de reeleição, teve de renunciar primeiro e deixou nove meses em haver, expondo todos nós do Tocantins. Hoje, estamos no cenário nacional somente por coisas negativas.

Cezar Santos — Essa renúncia foi claramente uma manobra política, embora dentro do que a legislação permite. Há a possibilidade de isso ter algum sucesso ou foi mesmo um tiro no pé?
Volto a dizer que torço pelo Estado. O sucesso do Estado é nosso sucesso. O insucesso é o insucesso de todos. Primeiramente, quero dizer que não pensaram na população. O atual governador, que veio das hostes peemedebistas, ainda não teve como assimilar a grande responsabilidade que passou a ter nesse jogo, porque ele foi eleito por via indireta, em um processo em que houve duas renúncias. Não que eu considere essas renúncias ilegais, mas havia no Tocantins a esperança de um retorno do agora ex-governador para fazer um governo histórico. Então, o atual governador tem uma responsabilidade que não é somente de mais um mês antes da convenção, ou até dezembro, mas que vai além de seu tempo de governo, de saber o que armaram para ele.

Se essa manobra pode ter dividendos políticos? Não acredito. O Estado passa por uma deterioração, hoje não é mais visto como era. Se não fosse o agronegócio e o fato de as pessoas perceberem a importância que tem ainda o Tocantins, estaríamos em uma situação ainda pior. Se pegarmos os dados de hoje, há um claro descenso.

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Cezar Santos — O governo está fazendo obras?
Fui governador desse Estado e posso dizer e hoje você pode andar pelo Estado e vai achar prefeito que diz que Marcelo Miranda não fez nada durante seus dois mandatos. É porque deve ser cego e talvez esteja precisando usar os óculos do Governo Mais Perto de Você [programa da gestão de Marcelo Miranda]. Hoje, no Tocantins, você não vê obras. O governo tem méritos, talvez, mas tenta maquiar a situação e hoje mente, dizendo que as rodovias estão bem, que as estradas vicinais estão bem. Há obras físicas por inaugurar, pequenas, mas, se eu for enumerar todos os setores da administração pública — saúde, educação, segurança, juventude e setores afins —, posso dizer: tem muito servidor que está trabalhando, que ama seu serviço, mas tenho certeza de que muitos vão para casa e pensam que só estão recebendo salário, porque não dão autonomia alguma para se fazer qualquer coisa. Os rombos, como o do Igeprev [instituto de seguridade social do Tocantins], são muito grandes. Falo com prefeitos e vejo o desalento deles em relação ao governo estadual, não há mais a confiança dos gestores municipais.

Cezar Santos — Em resumo, o governo do Tocantins acabou?
Eu diria que está no final. Estou aqui com dados que não se justificam. Por exemplo, a administração gastou, com pagamento de salários de servidores públicos, o percentual de 55,9% da receita corrente líquida, ultrapassando o limite prudencial de 49%. Ou seja, quase sete pontos porcentuais a mais. Isso, no último quadrimestre, de janeiro a abril de 2014. O descumprimento da Lei de Res­pon­sabilidade Fiscal existe desde o ano passado, mas ainda me culpam — e eu saí do governo em 2009! (enfático) O governo deixou de pagar fornecedores nos últimos três anos: foram R$ 118 milhões de dívida em 2011, R$ 322 milhões em 2012 e R$ 346 milhões em 2013. São dívidas próximas a R$ 1 bilhão.

“Temos de resgatar a cidadania no Tocantins”

Elder Dias — O sr. assumiu o governo em 2003 e viu um cenário “x”. Diante do quadro que o sr. já percebe, dá para fazer um exercício de futurologia para verificar o estado em que o próximo governador vai pegar a máquina no início do próximo ano?
Um Estado deteriorado, com sua capacidade de endividamento totalmente esgotada. Em 2003, eu recebi um rombo de quase R$ 1 bilhão. Calado fiquei e trabalhei, para diminuir as demandas que encontrei. Não culpei o governo anterior, porque solucionar aquilo era minha obrigação como eleito. O que eu ganharia olhando para o retrovisor?

Hoje me culpam, por exemplo, pelo problema da obra na estrada de Couto de Magalhães a Colmeia. Ora, eu saí em 2009. Na minha época, podia até haver buracos, mas nosso pessoal era comprometido. Hoje, tudo é “coisa do governo passado”. Por isso eu digo: quem pegar o governo vai precisar de muitos companheiros, pessoas capacitadas e comprometidas, para desvendar tudo, dar um choque de gestão. Se não houver esse tipo de atitude, se não forem discutidas alternativas, não haverá como vencer, porque os números são deploráveis.

Elder Dias — O sr. tem uma missão de, primeiramente, superar as dificuldades internas no partido e realmente efetivar sua candidatura, diante de outra pré-candidatura; há também a questão jurídica, que a oposição vai usar, a despeito de todas as vantagens e provas que o sr. apresente; ainda tem uma campanha difícil pela frente e, caso vitorioso, haverá essa tomada do governo em uma máquina provavelmente com muitas dificuldades. É realmente uma missão e só dá para encarar se for dessa forma. Quando o sr. olha para tudo isso, que sensação se tem?
Eu estou com 52 anos de idade e me permita uma retrospectiva de minha vida. Eu me elegi deputado estadual em 1990 e fui reeleito duas vezes. Tive o privilégio de ser o presidente de uma Casa que tinha 24 donos, a Assembleia Legislativa, por quatro anos. Depois fui guindado ao governo em 2002 com 40 anos e fui reeleito em 2006. Fui para uma eleição para o Senado em 2010. Dis­putei seis eleições e ganhei as seis.

Mérito do Marcelo Miranda? Não, mas das pessoas que acreditaram em nossos projetos, na nossa forma de agir — no debate educado, com respeito, sem desmerecer ninguém, sem empurrar jornalista, sem criticar as pessoas — para chegar em casa e poder olhar para meus filhos e dizer “eu sou o mesmo” e sempre procurando melhorar. Portanto, estou muito tranquilo em relação às questões que você elencou. Estou com as costas calejadas, mas tenho aprendido muito. A humildade transcende tudo, mas o comprometimento e a determinação levam a responder todos esses itens.

Não estou preocupado com os tri­bunais, mas com o povo tocantinense. Estou preocupado é em ter o governo federal ao meu lado, como eu tive com o presidente Lula. Te­remos isso com a reeleição da presidente Dilma Rousseff (PT) e com a eleição do candidato ao governo pelo PMDB — e digo isso sem desmerecer os demais partidos, que têm candidatos à altura. Posso dizer que estou muito à vontade para discutir todas essas questões, tanto no campo político como no pessoal, em que estou tranquilo porque não devo nada, ando de cabeça erguida.

Cezar Santos — O Tocantins ainda é um Estado muito pobre, os índices não são bons. O que o sr. não fez em seu mandato e que acha ser primordial que agora se faça?
Permita-me dizer o que eu fiz, em poucas palavras. Se eu for falar da atual gestão, terei de dizer da malha rodoviária em péssimas condições. Temos de louvar, então, a Ferrovia Norte-Sul, para ajudar no escoamento de nossa produção, da soja, da álcool, do minério. Se eu for elencar os problemas na saúde, do governo atual, há falta de tudo na rede pública, de médico a medicamento, não há gestão. Na educação temos o grande gargalo: falta investimento na rede educacional, não há manutenção nas escolas. O To­can­tins não é mais referência na questão da educação. Quando assumi o governo éramos o 22º lugar no ranking nacional da educação e deixei o governo no 7º lugar.

Se eu for falar na segurança pú­bli­ca, o cenário mostra um índice de violência e de disseminação das drogas preocupantes, não há políticas pú­blicas para o setor da juventude, coisa que havia muito em nossa gestão. Há 30 municípios no Estado sem um único policial. Isso é gravíssimo. O quadro da polícia do Tocantins tem apenas quatro soldados — o restante foi promovido. Para formar um policial, ele fica um ano na academia depois de ser chamado do concurso para depois ir para a ativa.

Então, agora falando apenas de meu governo, realizamos concursos pú­blicos para admitir 13,5 mil servidores. Criamos a Escola de Governo e capacitamos, naquela época, 38,5 mil servidores — hoje o Estado tem 41 mil servidores. Implantamos uma gestão desburocratizada e eficiente, com custo sempre abaixo do limite prudencial. Na saúde, investimos mais de R$ 1,5 bilhão, incluindo aí a inauguração do Hospital Geral de Palmas, com 200 leitos e uma ampla reforma das instalações físicas de 19 unidades da época. Investimos sempre acima dos 12% destinados constitucionalmente à saúde — só nove Estados da Federação superaram essa meta. Saúde não tem partido. Do técnico de enfermagem ao médico somos todos iguais. Preci­samos resgatar o homem. A máquina evoluiu mas sem o homem é impossível tocar a barca.

Na educação, tenho uma lembrança forte que guardo comigo, sobre o que fizemos com o Instituto Ayrton Senna, com o programa Acelera: recebemos nota 10 pelo reforço que fizemos com as crianças de 5ª à 8ª série — fomos premiados como a 9ª unidades entre mil no mundo, tornando-nos o único Estado a recebê-lo. Fizemos também um sério programa de cargos, carreiras e subsídios, no qual tivemos a parceria com o servidor público da educação, com melhoria salarial e qualificação profissional. Quando o secretário da Educação chegava em meu gabinete para eu assinar autorização de viagem para um servidor buscar melhorias para o setor, eu fazia logo, porque sabia que viria coisa boa. Investimos mais de R$ 150 milhões em construção e reforma de unidades escolares; pelo programa de inclusão digital, as escolas receberam computadores portáteis para os alunos; e o Estado superou todas as metas estabelecidas pelo Ministério da Educação para o ensino fundamental e médio.

Na área social, não há um programa em vigência. Quando entraram agora, fui criticado porque disseram que eu tinha acabado com o programa Pioneiros Mirins. Mas eles acabaram com os Pioneiros Mirins e com as obras sociais todas que fizemos. Temos de resgatar tudo isso e tenho certeza de que daremos conta de resolver.

Cezar Santos — E em relação à segurança pública?
O que posso dizer é que — com todo o respeito que tenho aos profissionais — quando não tem gestão o profissional não trabalha. Quando o secretário de Segurança Pública não tem autonomia para falar, não há segurança (enfático). Não quero entrar na questão pessoal, mas falando da questão administrativa. Fizemos a renovação da frota policial, na época, com 409 veículos. Hoje, não pagam a empresa que fornece as viaturas e estão as tirando das ruas. Como se trabalha, se não se tem nem um carro, ou mesmo uma mesa, para executar seu serviço? (enfático) Tínhamos o menor índice de violência do País.

Quero falar também do agronegócio em nossa gestão. Éramos o 1º lugar em produção de grãos da Região Norte e o 3º maior rebanho bovino, com mais de 8 milhões de animais. Geramos mais de 150 mil empregos no campo, com a agricultura familiar. Quando assumi o governo, um dos desafios era a industrialização do Estado. Então, começando a responder diretamente o que você questiona, o que eu faria hoje? Bom, eu tive um trauma naquela época, que foi não conseguir trazer uma esmagadora de soja para o Tocantins. Houve a chegada que nós fomos buscar. Uma indústria de óculos nós fomos buscar na China, assim como uma indústria de bicicletas. Também os atacadistas que se instalaram na capital, como o Makro, o Atacadão, o Extra e tantos outros. Da mesma forma, com os frigoríficos. Mas o que realmente me dava força é que estávamos gerando emprego e renda para a população.

Hoje, a primeira coisa a se fazer seria resgatar a cidadania, trazer as pessoas de volta para ajudar a governar o Estado e, a partir daí, industrializar o Tocantins. Mas, para industrializar, nós temos de buscar, continuando a apoiar o que temos, facilitando as coisas. Hoje o que estamos vendo são comércios fechando, por causa da perseguição. Voltou o fiscal a ficar na porta da empresa. Tenho saudade do secretário Dorival Roriz — que Deus o tenha em bom lugar —, que corria atrás. Tinham vários companheiros de equipe que faziam, iam atrás e buscavam o que precisavam.

Faltam incentivos fiscais, que foram retirados pelo atual governo. Por isso é que não chegaram mais investimentos, porque tiraram tudo o que tinha em nossa gestão. E o atual secretário da Fazenda, dr. Marcelo Olímpio, que foi também meu secretário, depois de Dorival Roriz, sabe do que estou dizendo. O que fizemos no passado queremos fazer mais. E o maior desafio é a industrialização. Não tem como fugir disso.

Cezar Santos — A localização privilegiadíssima do Estado favorece essa meta.
Altamente privilegiada. Hoje temos bons modais e queremos am­pliá-los. Uma questão importante é a du­plicação da BR-153, conquista que será uma grande vitória. A Fer­ro­via Norte-Sul, já inaugurada, corta to­do o Estado. O desafio agora é a hi­drovia do Rio Tocantins, que é um rio viável para isso. Como governador, já desci de Pedro Afonso ao Es­treito em uma barcaça carregada de soja. Hoje temos os melhores mo­dais possíveis em nosso Estado. En­tão, quando há gente comprometida, as coisas podem voltar a acontecer.

Elder Dias — O balanço que o sr. faz, em muitos aspectos, traz algumas semelhanças com o que foi feito pelo governador de Goiás, Marconi Perillo. O sr. vê algum paralelo também?
Sou de um Estado em formação e tive a oportunidade de sentar à me­sa com personalidades mundiais. Da mes­ma forma, não seria diferente sentar com governantes de 27 unidades federativas de diversas origens partidárias. Todos sabem da questão umbilical entre Goiás e Tocan­tins. Em meu governo, tive oportunidade de ter como parceiro Marconi Perillo. Tive uma passagem pelo PSDB, rápida, após deixar o PMDB, pelo qual fui eleito duas vezes deputado, por questões regionais. Fui eleito governador pelo PFL (hoje DEM), depois tive uma passagem rápida pelo PSDB, e depois fui reeleito pelo PMDB.

Naquela época o PSDB tinha como governadores Marconi Perillo, Aécio Neves (MG), Ge­ral­do Alckmin (SP), Ivo Cassol (RO), Cássio Cunha Lima (PB) e Lúcio Al­cântara (CE), entre outros, com os quais eu tinha uma convivência maior. Tínhamos algumas dificuldades porque primeiro vinha São Paulo e o Tocantins ficava na rabeira. Isso em várias questões, como na dos incentivos fiscais.

Então, entre o governo de Marconi atual e meu governo há várias coisas realmente parecidas. Somos amigos de muitos anos, militamos juntos no MDB. Alguns programas sociais daqui de Goiás, como o Cheque Moradia, também implantamos no Tocantins. Temos de reconhecer os méritos dele. Apesar de Marconi ser do PSDB e eu do PMDB, sempre tivemos uma boa convivência.

Quero deixar muito claro que tenho uma excelente convivência com o governador Iris Rezende, de meu partido, e com o prefeito Paulo Garcia (PT), de quem sou amigo há muito tempo — senti muito a morte de seu irmão [Al­ta­mi­ro Garcia], o Pesado, praticamente meu irmão também. Meu pai, Brito Miranda, foi deputado em Goiás e até presidente da As­sembleia. Procurei me dedicar mui­to ao cidadão em meu governo e, com o Cheque Moradia, chegamos a entregar 40 mil casas po­pu­lares. O programa Governo Mais Perto de Você nos credenciou a isso, a trazer o cidadão para perto de nós.

Ex-governador Marcelo Miranda em entrevista à equipe do Jornal Opção: “Em mi­nha gestão procurei dar ênfase à cultura. Mas o que temos hoje, no Tocan­tins, é uma classe cultural cabisbaixa” | Foto: Fotos: Fernando Leite/Jornal Opção
Ex-governador Marcelo Miranda em entrevista à equipe do Jornal Opção: “Em mi­nha gestão procurei dar ênfase à cultura. Mas o que temos hoje, no Tocan­tins, é uma classe cultural cabisbaixa” | Foto: Fotos: Fernando Leite/Jornal Opção

Cezar Santos — O que o sr. pode dizer a respeito da cultura no Tocantins, que sempre revelou muitos valores?
É um assunto crucial. Em mi­nha gestão procurei dar ênfase ao que fazíamos na cultura. Por exemplo, Porto Nacional é um ber­ço cultural; em Natividade, tivemos a ação do Iphan [Instituto do Patrimônio Histórico Nacio­nal], que estava sob comando da dra. Selma Saddi, que abraçou a causa tocantinense de uma forma muito acentuada.

Hoje, o responsável pela Cul­tu­ra, o cantor Rick, da dupla Rick & Re­n­ner, não mora no Tocan­tins, mas em São Paulo. Não tenho na­da contra a pessoa dele, mas do comprometimento, de alguém que ga­nha seu salário e mora em outro Es­tado.

Temos pessoas capacitadas e qualificadas para ocupar a pasta, mas que hoje não estão sendo reconhecidas. Em nossa gestão, fizemos um inventário sociocultural em três comunidades rurais negras, remanescentes dos quilombolas, fazendo esse resgate; conduzimos, com o Iphan, o programa Monumento, que entregou obras restauradas em Natividade; revitalizamos praças em vários municípios e implantamos 16 bibliotecas modernas, além de outras 6 em parceria com o governo federal; mapeamos o patrimônio cultural e natural em 40 municípios, em parceria com Iphan; e fizemos a revitalização da Bolsa Maximiliano da Mata Teixeira [escritor e jurista, natural de Natividade e que deu nome ao prêmio para edição de obras literárias], pessoa que conheci ainda em vida, morando na Rua 24, no Centro de Goiânia.

O que temos hoje, no Tocan­tins, é uma classe cultural cabisbaixa. Não se vê mais um Genésio Tocantins, um Braguinha Barroso, não há mais oportunidades para a nova geração de artistas e líderes culturais. Em nosso governo, chegamos a levar crianças para Paris, no Projeto Brasil-França, para mostrar sua arte. Foram meninos e meninas de Almas, e elas apresentaram a jiquitaia, uma dança proveniente dos escravos. Foi belíssimo. Hoje não há mais isso.

Cezar Santos — Pode-se dizer que a cultura vive uma pasmaceira no Tocantins?
Sim, concordo. Hoje, para se ter i­deia, não há mais a Secretaria da Cul­tura, mas uma diretoria vinculada à Educação. Isso mostra o nível que colocaram a cultura no Estado. Ho­je, a pessoa não vai mais ao Jalapão com a intenção de explorar, de discutir o capim dourado, de falar do fervedouro das dunas. Não se fala mais, como se falava, das Cavalhadas de Taguatinga ou dos encontros culturais de Tocanti­nópolis. Não se fala do espaço cultural tomado por valores locais. Não há mais peças culturais. A efervescência acabou.
Não há mais qualquer formação. Vou dar um exemplo, o do ex-prefeito de Colinas e de Palmas, o dr. Odir Rocha. Um homem culto, que era sempre um incentivador forte da questão cultural, que discutia o tema de forma muito clara, mas que acaba desanimando diante de tal descaso.

Procurei fazer minha parte. Tinha, como presidente da Fun­da­ção Cultural, o dr. Júlio Cesar, comprometido com a música, mas que teve um ótimo trabalho em todos os setores. Em nossa época, levamos para fora do Brasil muitos artistas, muita gente qualificada, integrantes das etnias indígenas. Nossas parcerias funcionavam, hoje não há isso. Reconheço que tivemos problemas na comunicação, mas, diante desses problemas, entendo que demos uma boa contribuição à área cultural.