“Este ano as fake news terão poder diminuto em relação ao que houve em 2018”
27 fevereiro 2022 às 00h00
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Cientista político da UFG faz observações sobre como o eleitorado deverá se comportar no pleito deste ano e não vê espaço para terceira via
Elder Dias e Marcos Aurélio Silva
De olho nas eleições presidenciais de outubro, o Brasil tem uma parcela de pessoas que se preocupa com a continuidade da democracia, mas outra, maior, que está olhando muito mais para o que está ocorrendo com o próprio bolso. Para o professor Pedro Santos Mundim, da Universidade Federal de Goiás (UFG), que tem como uma de suas áreas de atuação científica Teorias do Comportamento Político e Eleitoral, o brasileiro costuma usar, na hora do voto, o que chama de avaliação retrospectiva – a menor parte se guia de fato por um viés ideológico mais claro.
O cientista político considera que as fake news serão um problema menor nestas eleições em relação a 2018, por conta da vigilância da Justiça e as restrições das redes sociais e que haverá muita dificuldade para o estabelecimento de uma terceira via nas eleições presidenciais. “Se pegarmos os índices mais conservadores de cada – 25% de Bolsonaro e 40% de Lula –, já temos 65% dos votos condicionados para essas duas figuras”, justifica. Em Goiás, ele aponta o governador Ronaldo Caiado (União Brasil) em uma situação que, se não é confortável, mostra um “cenário promissor” a sua reeleição.
Lotado na Faculdade de Ciências Sociais (FCS) e com doutorado em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade (Iesp), Pedro Mundim também foi assessor especial e diretor da Assessoria de Opinião Pública da Secretaria de Comunicação Social da Presidência entre 2014 e 2015. Confira o que ele disse nesta entrevista ao Jornal Opção.
Elder Dias – Para parte das pessoas, especialmente entre as mais esclarecidas, as eleições deste ano decidem entre continuar em uma democracia ou passar para outra forma de regime, entre o caótico e o autoritário. Esta será mesmo uma eleição essencial, nesse sentido?
De fato, por tudo que temos observado das ações do governo Bolsonaro até agora, ainda que tenham certas divergências na própria ciência política – como parte dos pesquisadores dizendo que as instituições estão funcionando, por exemplo –, nessa perspectiva eu acredito que seja uma eleição decisiva. De minha parte, tendo a concordar mais com quem considera que as instituições não estão funcionando como deveriam, muito em razão dos ataques do presidente Bolsonaro aos demais Poderes. Basta ver a maneira conflituosa com que ele se relaciona com isso, coisa que não é de hoje.
O momento mais crítico foi o 7 de Setembro, quando, a depender de como as coisas tivessem transcorrido, ele teria dobrado a aposta. Não fez isso porque foi o resultado um fracasso retumbante para quem pretendia mudar o regime de uma nação.
Ao mesmo tempo, é importante ressaltar que essa discussão sobre democracia, se a eleição será ou não importante para a estabilidade no Brasil, está mais presente para um determinado nicho específico da sociedade que poderíamos classificar – sem nenhum juízo de valor – como mais elitista: jornalistas, professores universitários, pessoas que naturalmente se interessam mais por política. Digo isso porque, quando a gente olha os dados e tenta interpretar os resultados que aparecem nas pesquisas de intenção de voto, se percebe claramente que as pessoas de mais baixa renda ou escolaridade, das regiões mais pobres, estão preferindo o ex-presidente Lula. Isso não ocorre porque eles estão querendo democracia, ou algo no sentido mais abstrato.
As razões são outras por trás da opção que essas pessoas assumem. Com isso, não estou querendo dizer que elas são alienadas ou algo do tipo. O que ocorre é que, quando cada um de nós vai fazer sua escolha, a gente elenca nossas prioridades, como qualquer pessoa faria. Só que as minhas, como professor universitário, são diferentes, eventualmente, de quem mora em uma região pobre, sem asfalto. Da mesma forma que eu opto por um candidato que representa valores mais próximos aos meus, outra pessoa, também de maneira racional, optaria por outro candidato, o qual ela acredita que traria algo mais substantivo para si do que ela tem recebido hoje.
Elder Dias – Nesse sentido, como fica um eventual eleitor evangélico fervoroso, conservador, que provavelmente votou em Bolsonaro na última eleição, mas que se vê hoje privado economicamente, acossado pela inflação e sem perspectiva? O que vai pesar, a fé ou a barriga?
Quando tomamos a literatura sobre comportamento eleitoral e sobre decisão de voto, fazendo uma leitura histórica, vamos observar sempre que o sistema de crenças – ou ideologia, por assim dizer –, estando presente e sendo forte, é o principal motivador das decisões eleitorais das pessoas. É algo pacificado: se há um eleitor claramente identificado como de esquerda ou de direita, ele vai votar nessa direção. Eventualmente, pode até não votar no mesmo partido, mas vai votar no campo do espectro político que ele acreditar ser melhor.
Isso no Brasil, no entanto, não parecia tão presente. Por quê? Os dados das pesquisas que tentam medir tanto ideologia como preferência partidária mostram que o brasileiro, de modo geral, é muito mais moderado do que “extremo”, do ponto de vista ideológico. Do ponto de vista partidário, a única legenda que consegue alguma penetração mais substantiva no eleitorado, historicamente, é o PT.
No fim, isso significa que sempre vai haver uma parcela de eleitores que a gente pode estimar, de 20% a 30%, que há como predizer o voto simplesmente conhecendo qual partido ou visão de mundo tem. Assim, a gente pode inferir muito bem como esse contingente vai votar em sucessivas eleições, independentemente do cargo que está em disputa.
Porém, na ausência desse sistema de crenças – no caso do Brasil, a maioria do eleitorado –, se abre espaço para que outros critérios sejam utilizados na hora de votar. É onde entra, por exemplo, a questão do bolso, a avaliação da economia. É o que a gente chama de retrospectiva, ou seja, olhar para o governo que está em andamento, fazer uma avaliação e decidir se quer continuar ou se quer uma renovação do quadro político.
Em uma eleição, para usar uma fórmula mais simples, a decisão acaba sendo entre se prefere o candidato A ou o candidato B. Nesse sentido, é preciso algum critério mínimo que permita com que essa diferença entre A e B seja grande o suficiente para optar por um dos dois. Havendo a ideologia em jogo, a diferença vai ser sempre maior que zero e a pessoa vai votar naquele partido ou candidato que está mais próximo de sua ideologia.
Marcos Aurélio Silva – E onde entra nisso o voto evangélico?
O voto evangélico é essencialmente motivado por um sistema de crenças, ou seja, visões de mundo, calcado em valores muito caros para quem os segue. Contudo, para deixar a coisa mais complicada – e nas ciências sociais, falando de pessoas e de sociedade, nada é simples –, cada eleitor tem múltiplas identidades e múltiplos interesses. Numa situação de escolher um candidato, esses interesses e essas identidades podem entrar em choque.
Nesse caso, pode acontecer de alguém ser evangélico e ter, portanto, uma visão de mundo que se aproxime mais do que pensa o presidente Bolsonaro e, assim, vai votar nele; pode também haver um evangélico mais moderado e, nesse sentido, sua filiação religiosa não ser tão preponderante e ele comece a olhar para outras dimensões. Um terceiro exemplo é uma pessoa ser evangélica, mas ter outras identidades com certas premissas que batem de frente com o que é defendido por Bolsonaro – por exemplo, sobre como a vida deveria ser gerida –, o que fará com que ela se afaste dele e busque conexão com algum outro candidato. Qual é a dimensão mais importante? No fim, vai depender do eleitor.
Fora do sistema de crenças, uma das dimensões mais fortes é a econômica numa avaliação retrospectiva. Por isso, faz sentido aquela frase “é a economia, estúpido!” [dita em 1992 pelo economista e marqueteiro James Carville, que cuidava da campanha do então candidato a presidente dos Estados Unidos Bill Clinton], mas tudo depende do contexto. Quando uma economia está estável, outras dimensão vão ganhar saliência e serem mais importantes do que as demais.
Marcos Aurélio Silva – Existe uma polarização clara entre Lula e Bolsonaro. Faltou, por parte dos partidos que estão fora desses espectros, alguma organização melhor para lançar um candidato de centro, esse nome da terceira via?
Na ciência política, como em qualquer área do conhecimento, há várias correntes teóricas. Eu sou da área de comportamento, mas há também a corrente institucionalista – que não é a minha, mas existe e é talvez a mais importante no Brasil. Por esta, se tomarmos o quadro da discussão em 2018, imaginava-se que o candidato Geraldo Alckmin (PSDB), por ter formado uma grande coalizão para sua campanha e com grande tempo de TV, iria desidratar Bolsonaro. Do ponto de vista institucional, isso era totalmente plausível e de fato correta, desse ponto de vista teórico. Mas do ponto de vista comportamental não fazia o menor sentido, dadas as características e o comportamento da base de apoio que Bolsonaro já tinha naquele momento e que em nada sugeria alteração durante o transcorrer da campanha.
Então, essa questão – sobre se faltou algo para uma terceira via se fortalecer – pode fazer sentido numa perspectiva institucional, mas, se olhar para o comportamento do eleitorado, isso não corresponde. Isso ocorre porque o ponto de vista comportamental assume que, por mais que os partidos e as instituições sejam importantes, não são capazes de moldar completamente as pessoas em relação ao que elas próprias deveriam querer.
“Partidos têm outras estratégias além de ganhar a eleição presidencial”
Tomando o exemplo das duas figuras políticas que estão dividindo o debate, o que até não é problemático de explicar. Há uma opção, que é o presidente da República, que tem entre 20% e 30% de votos; e outra, que é um ex-presidente que foi talvez a figura mais importante no período da redemocratização e deixou seu governo com perto de 80% de aprovação, agora com 40% a 45% das intenções de voto. Se pegarmos os índices mais conservadores de cada – 25% de Bolsonaro e 40% de Lula –, já temos 65% dos votos condicionados para essas duas figuras. Qual é o espaço que sobra para uma suposta terceira via, independentemente da articulação dos partidos? Pouco mais de 30%. E esse pessoal ainda se divide em diversos postulantes, até porque não vai agir em uníssono, não vai ter um único candidato entre eles, seja por vaidade ou outros motivos – partidos têm outras estratégias além de ganhar a eleição presidencial.
É bom que o leitor entenda isto: muitas vezes um candidato é lançado mesmo com seu partido sabendo que ele será derrotado, mas entende-se que, com isso, ele vai conseguir puxar votos para os cargos proporcionais. Então, na verdade, o objetivo do partido não é ganhar a Presidência, mas aumentar a bancada no Congresso para ter mais dinheiro do fundo partidário e direito a mais benesses ao formar uma coalizão.
Marcos Aurélio Silva – E o que a terceira via precisaria fazer para se viabilizar?
Precisariam tirar votos de alguém. Mas vamos pegar as figuras mais proeminentes do que seria essa terceira via: Sergio Moro (Podemos) e Ciro Gomes (PDT). Moro, do ponto de vista ideológico, está na centro-direita, mais próximo de Bolsonaro. Assim, para ele, tentar tirar votos dos candidatos de esquerda vai ser muito difícil. Para crescer, teria de desidratar a candidatura do presidente, mas os eleitores de Bolsonaro, por sua vez, enxergam o ex-ministro como traidor e, em segundo lugar, não têm motivos para abandonar seu atual nome. Ora, se depois de tudo que Bolsonaro fez eles ainda estão com ele, não vai haver nada que os faça desistir de votar.
Da mesma forma, temos Lula com esse mesmo efeito sobre seu eleitorado – o que atrapalha Ciro. Independentemente do governo de Dilma Rousseff ou dos problemas o PT enfrentou a partir do momento em que ele deixou o poder, o que pesa mais na cabeça das pessoas é o que Lula fez e não o que o PT fez. Nesse caso, num certo sentido, poderíamos até afirmar que Lula é maior do que o partido – do ponto de vista prático, acaba sendo mesmo.
Elder Dias – É como se o Lula, se resolvesse sair candidato pelo antigo DEM [partido que se uniu ao PSL para formar atualmente o União Brasil], já começasse com uma base de 30%, pelo menos.
Provavelmente. Do mesmo jeito que um contingente que, de fato, prefere o PT como partido, é bastante provável que haja outro contingente, talvez maior, que prefira Lula sem levar em conta qual sua sigla. Só não vamos ter como testar isso empiricamente porque Lula nunca vai sair do PT. Enfim, não depende só da organização e articulação dos partidos o crescimento dessa terceira via. Eu, particularmente, não acredito que cresça.
Existe uma torcida de certos segmentos da sociedade para que ela vingue, mas isso é muito mais um “wishful thinking”, um desejo de acontecer, do que algo que realmente vá acontecer. Do ponto de vista comportamental do eleitor, não há muita margem para que isso ocorra.
Elder Dias – A movimentação das pesquisas mês a mês, na verdade, tem mostrado um quadro de estagnação, ocorrendo quase sempre dentro da margem de erro. Há algo que poderia mudar esse quadro?
Duas coisas importantes a que sua pergunta me remete. Começando pela segunda: por que as campanhas importam? Há uma grande discussão na ciência política sobre essa dimensão, mas essa questão acaba sendo relevante, porque hoje existem modelos preditivos, com base em poucas variáveis. Por exemplo, no cenário dos Estados Unidos, onde há um período de eleições democráticas mais longas – e, por isso, se consegue fazer modelos mais robustos –, há modelos preditivos que geralmente conseguem, com nível muito alto de probabilidade de acerto, acima de 80%, dizer quem vai ganhar as eleições com até dez meses de antecedência.
Então, quando se faz uma leitura do cenário atual no Brasil, é possível observar isso, mesmo que não se faça uma previsão que dê um número matemático, em termos probabilísticos – por exemplo, 70% de chances de Lula ganhar. Não temos como fazer isso ainda com os dados que temos, mas podemos ler o cenário e fazer uma aposta – Lula deve ganhar, por esse e aquele motivos. Então, qual seria a função das campanhas, se podemos ter uma visão mais ou menos clara de quem deve ganhar a eleição com muito tempo de antecedência? A resposta mais consensual é: uma coisa é dizer onde o cenário eleitoral deve chegar; outra é conseguir fazer com que ele chegue até aquele lugar. As campanhas, portanto, são importantes justamente para isso, levar o eleitor até aquele resultado que se espera que aconteça.
Para ficar mais claro: se Lula deixa a campanha de lado e apenas Bolsonaro faz isso, o que pode acontecer? A sociedade será inundada de mensagens pró-Bolsonaro e, com somente elas circulando, Lula vai perder voto e, eventualmente, perder até a eleição. Isso, porém, é um cenário hipotético.
Marcos Aurélio Silva – E a segunda questão importante?
A segunda coisa é: o que faz as pessoas mudarem o voto? Ou melhor, quais as forças disponíveis – o que a gente chama de eventos “ad hoc” – que poderiam fazer as pessoas mudarem seu voto de forma massiva como teria de ser hoje, já que a diferença de Lula para Bolsonaro é de 10% a 15%, pelo menos? Contando essa porcentagem em milhões, é muita gente, seria uma virada muito grande.
Mas, enfim, o que poderia acontecer? Não dá para saber, porque é um cenário muito difícil de acontecer de fato, mesmo com um evento ou outro que possa surgir. Por que digo que é muito difícil? Por alguns motivos. Primeiramente, pelo sistema de crenças ou interesses mais estabelecidos, a que já me referi. Quem tem uma ideologia ou uma visão de mundo muito específica sobre como as coisas deveriam funcionar – por exemplo, um religioso radical – não vai mudar de opinião. Pelo contrário, é muito mais frequente observar essas pessoas recebendo informações políticas sobre determinado nome as quais contradizem suas crenças ou opiniões, mas, mesmo assim, ficando ainda mais agarradas a suas convicções. Estudos mostram isso, inclusive.
É preciso ressaltar que essas pessoas não recebem tais informações de campanha em uma tábula rasa, mas por meio de contatos com quem têm história, valores, interesses etc. Isso naturalmente vai fazer com que essas mensagens interajam com as dimensões dessas pessoas, podendo ou não fazer com que elas mudem de opinião. Porém, na maior parte das vezes, elas não vão mudar.
“É preciso fazer uma diferenciação entre o que houve em 2018 e o que vai ocorrer neste ano”
Marcos Aurélio Silva – Dentro desse contexto, qual será o poder das fake news?
É preciso fazer uma diferenciação do que houve em 2018 e do que vai ocorrer neste ano. As fake news conseguem influenciar o comportamento e a opinião das pessoas? Sim. Conseguiu fazer isso em outras eleições? Sim. A ponto de ser determinante para definir o resultado das eleições? Não, é apenas um fator a mais que poderia ajudar a explicar determinado resultado.
Outro ponto é que essas notícias falsas vão chegar a determinadas pessoas e aquelas que seguem uma linha de pensamento próximo à que aquela notícia está defendendo – exemplificando, uma informação que diz que vacinar criança pode levá-la à morte – vão acreditar naquilo. Quem não tem um pensamento próximo a isso vai descartar a informação e não vai sofrer influência alguma.
O que vamos observar de maneira mais intensa nesta eleição – e por isso acho que o efeito das fake news será diminuto em relação a 2018 – é que as pessoas sabem que essas notícias falsas circulam e já criaram alguns mecanismos de proteção em relação a esse tipo de informação. Algumas, inclusive, já reagem de forma mais intensa em relação a elas. A própria imprensa criou mecanismos de checagem desse tipo de informação de maneira muito rápida. Outra questão é que o custo social de partilhar uma fake news hoje é outro. Além disso, os próprios aplicativos de conversação, como o WhatsApp, criaram ferramentas para restringir a disseminação de conteúdo de forma tão massiva como ocorreu nas eleições passadas.
Marcos Aurélio Silva – A Justiça Eleitoral também parece mais atenta a tudo.
Sim, vamos ter uma legislação e uma vigilância mais dura. As fake news vão continuar existindo e todos nós vamos receber milhares durante o ano, nem esperemos o contrário. Só que esses outros fatores que acabei de mencionar poderiam ser chamados de “efeitos atenuantes” para os efeitos que essas notícias falsas terão em relação ao que houve em 2018.
Marcos Aurélio Silva – Falando da eleição em Goiás, como o sr. avalia os caminhos até aqui? Há de um lado o governador Ronaldo Caiado, que vai buscar a reeleição; por outro lado, o prefeito de Aparecida de Goiânia, Gustavo Mendanha (sem partido), e até, apontado pelas pesquisas, o nome do ex-governador Marconi Perillo (PSDB). O cenário deve se fechar mesmo nesses nomes?
Sobre Gustavo Mendanha, não sei exatamente o que ele quer. O quanto ele estaria disposto a sacrificar até a própria biografia para alcançar o objetivo que quer? Saiu uma notícia de que estaria pensando em se filiar ao partido de Bolsonaro. Em minha visão, depois de tudo que o presidente fez, se aliar a ele é dar um sinal muito ruim para as pessoas – e isso aqui é uma opinião pessoal, não análise política. Agora, do ponto de vista analítico, também não vejo como uma boa estratégia.
Falando do cenário como um todo, tudo leva a crer que Caiado, querendo buscar a reeleição, vai levar. Até onde pude ver, ele não está mal avaliado. Não sei precisamente os números, mas o governador está em uma situação bem diferente de Bolsonaro, que está com o índice de “ruim” e “péssimo” nas alturas, em torno de 60%. Creio que Caiado deva ter um “ótimo” e “bom” acima de 30%, próximo de 40%. A chave é ter um índice “regular” mais inchado – e a própria assessoria deve estar mapeando esse “regular” para entender se é um índice mais para cima ou mais para baixo. Se for mais para cima, um dos objetivos da campanha será levar essas pessoas a se posicionarem no polo positivo da avaliação. Sendo assim, a tendência será que esses eleitores votem pela continuidade do governo.
Outras questões são que Caiado detém a máquina de governo e agora trouxe os emedebistas, com Daniel Vilela confirmado na vice, fazendo um movimento interessante. Se tem um partido que é forte em Goiás é o MDB, que tem uma capilaridade grande no Estado, muito pela figura de Iris Rezende. Do ponto de vista estratégico, Caiado fez o correto, ainda que tenha gerado desconfortos e brigas internas na base. Não sei se podemos dizer que é um cenário confortável, mas com certeza é promissor para sua vitória em outubro.
Por fim, duas últimas coisas sobre Caiado: Goiás é um Estado agroexportador e o governador vem de uma família tradicional e que tem inserção nesse ramo; e outra, ele é tachado de “autoritário” pela esquerda, o que aqui é quase uma crítica inócua, porque não estamos na Califórnia e ser considerado autoritário, por incrível que pareça, pode até atrair votos.
Elder Dias – Enquanto Lula lidera as pesquisas com certa folga no quadro nacional, em Goiás o PT tem um pré-candidato iniciante na política, o professor Wolmir Amado, ex-reitor da PUC-GO [Pontifícia Universidade Católica de Goiás]. É uma situação particular: há dois pré-candidatos – Ronaldo Caiado (União Brasil) e Gustavo Mendanha (sem partido) – que disputam ou poderiam disputar o apoio de Bolsonaro e o líder nacional das pesquisas não tem um candidato que lhe dê palanque. Como o sr. vê isso?
A questão é que talvez Lula nem precise desse palanque. Eu acredito que não será difícil observar certos movimentos bastante contraditórios em relação à própria dinâmica da campanha. Eventualmente, poderemos ver alguém que apoia Caiado para governador e vota em Lula para presidente, por mais ambivalente que isso pareça. E, então, do ponto de vista estratégico de campanha de ambos os candidatos, haveria o fato de Caiado não atacar uma candidatura petista em Goiás – até porque a tendência é de que não seja tão competitiva assim – e também Lula não fazer estardalhaço contra Caiado, ainda que tenha um candidato do partido para o governo.
Em outros pleitos, tivemos movimentos por candidatos a presidente e a governador de coligações diferentes. Em 2006, houve em Minas Gerais o “Lulécio”, que basicamente era um movimento formado por aquele eleitor que votaria em Aécio Neves (PSDB) para governador e em Lula para presidente, ainda que os tucanos tivessem um candidato a presidente – que, no caso, era Alckmin naquele ano. Às favas com a coerência ideológica, porque a maior parte dos eleitores não vota com base nessa perspectiva, mas sim no que nós falamos aqui, na avaliação retrospectiva.
Elder Dias – Falando de composição de chapas entre os principais candidatos, enquanto vemos Lula buscando compor com gente mais ao centro, Bolsonaro procura alguém em que possa confiar plenamente para ser seu vice. Parece que o petista já trabalha pensando num governo, já pensando em montar uma base no Congresso muito além da esquerda. Isso impacta nos números de cada um?
A primeira observação que quem estiver nos lendo deve saber é que movimentos de Lula em relação ao centro – como este de chamar o ex-tucano Geraldo Alckmin para vice – não são novidade. De 1989 até 2002, quando ele foi eleito pela primeira vez, a estratégia petista foi caminhar de uma esquerda mais radicalizada para o centro político – tanto que seu vice, José Alencar, era empresário e filiado ao PL, um partido na época de centro-direita. Ou seja, não há surpresa nisso.
Um segundo ponto é que, ao comparar uma estratégia à outra – e não estando dentro da campanha de Bolsonaro para saber o que ele pensa –, Lula parece estar agindo de maneira muito mais pragmática e inteligente do que seu adversário. Por que Bolsonaro não está buscando esse caminho, por que não tenta isso? Não sei, mas ele tem suas próprias idiossincrasias.
Se tivesse de apostar num ganho de votos por parte de Lula se aliando ao centro, creio que ele vá ganhar um pouquinho de votos, mas nada muito massivo. Ainda assim, é um movimento importante, do ponto de vista estratégico, por três motivos. O primeiro, imaginando que Lula venha a vencer, tudo sugere que Alckmin, como vice, vai ajudar na estabilização do sistema político, porque não se sabe como os derrotados vão se comportar, principalmente vindo da base bolsonarista.
Um segundo ponto é que uma das fortes fontes de ataque à candidatura do ex-presidente Lula é levantar bandeiras sobre seu suposto radicalismo e de seu governo, coisa que, se for ver na prática de seus oito anos de governo, o petista pode ter sido tudo, menos radical. Lula fez um governo muito pragmático, ainda que defendesse algumas bandeiras caras ao petismo e à esquerda. Nesse sentido, ele está à direita de Dilma do ponto de vista ideológico, muito mais próximo do centro. Isso facilita a governabilidade. Por último, a figura de Alckmin funcionaria, na chapa, como escudo contra esse tipo de ataque.