Bruno Pena é advogado eleitoralista e lidera a chapa 2 “Coragem pra mudar” nas eleições da Ordem dos Advogados do Brasil em Goiás (OAB Goiás), que acontecem no próximo dia 19. Sua candidatura de oposição à atual gestão é crítica à relação próxima entre Ordem e poder Judiciário e Executivo do Estado, que, segundo Pena, tornou a OAB Goiás subserviente e colocou os interesses da advocacia em segundo plano. 

Uma de suas principais bandeiras é a defesa das prerrogativas do advogado e o combate contra a criminalização da advocacia. Segundo Bruno Pena, os dez dias que passou preso  em decorrência do exercício de sua profissão se tornaram motivação para lutar pelo respeito à sua classe. 

Nesta entrevista ao Jornal Opção, Bruno Pena analisa criticamente a postura da Ordem nos últimos três anos; argumenta pelos rumos que a OAB deveria seguir; e destaca a defesa da advocacia como um interesse de toda a sociedade. A entrevista tem a participação de Edemundo Dias, advogado criminalista, ex-Delegado Geral da Polícia Civil de Goiás, e membro da chapa 2. 

Ton Paulo — Uma de suas bandeiras é o combate à criminalização da advocacia. Se eleito, o que o senhor vai fazer neste sentido?

A advocacia é a última trincheira de defesa entre o arbítrio do Estado e o cidadão. Sem um advogado livre e independente, não há justiça, não há democracia. E a advocacia se manifesta também por meio da Ordem dos Advogados do Brasil. Enquanto a gente tiver uma OAB amordaçada, agachada, que não se ergue contra os abusos, sejam do Executivo ou do Judiciário, não vamos ter a plenitude da democracia.

Planejamos algumas medidas. A primeira é a criação de um observatório de prerrogativas, para que a classe saiba as violações que aconteceram, quais foram as medidas adotadas pela OAB em tempo real, e quais foram suas consequências efetivas. Precisamos sair dessa tradição de nota de repúdio, de nota de desagravo, e começar a cobrar responsabilização real. 

Por exemplo: em Goiás, tivemos o caso do doutor Orcélio Ferreira Silvério Júnior, torturado à luz do dia em Goiânia pelo primeiro-tenente Gilberto Borges da Costa. Qual foi a medida adotada pela polícia militar no processo administrativo disciplinar? O primeiro-tenente continua em atividade. Se formos eleitos, nós vamos mobilizar a advocacia para fazer manifestação na porta do Palácio das Esmeraldas, se necessário. Se necessário, nós vamos fazer greve.

Se necessário, vamos parar de atender a advocacia dativa até que o Estado tome uma providência com relação ao policial que agride advogados, com relação ao delegado que investiga advogados sem indícios, com relação a agentes do Estado que colocam o aparato do Estado para perseguir advogados. Nós vamos mobilizar a categoria pra defesa da advocacia.

“Desafio a OAB Goiás a mostrar números e informar quantas autoridades foram responsabilizadas nos últimos três anos por violação das prerrogativas”, diz Bruno Pena | Foto: Guilherme Alves/ Jornal Opção

Edemundo Dias De Oliveira Filho — Fizemos um levantamento que revelou que, nos últimos dez anos, 25 advogados foram mortos em decorrência do exercício de suas profissões. A violência contra o advogado é uma violência contra a advocacia, que por sua vez é um ataque ao direito de defesa, aos princípios constitucionais, à República. Agora eu te pergunto, o que é que a OAB tem feito? A OAB, hoje, não tem independência para confrontar o governo. Essa é a minha causa. É por isso que eu estou nessa luta há 50 anos de serviço público.

Dentro da Casa de Prisão Provisória (CPP), por exemplo, o encontro entre o advogado criminal e seu cliente no parlatório é gravado. Em qualquer democracia do mundo, isso não é admitido. Aí volta a pergunta: por que a OAB atual não se movimenta em relação a isso? Porque não tem estatura moral ou independência. Ora, como o advogado vai falar com o seu cliente e ele está sendo monitorado? É o fim do exercício livre da prerrogativa do advogado no estado democrático de direito. Na Central de Flagrantes, o advogado criminalista é chamado de “advogado de porta de cadeia”, porque não tem acesso digno para ali. Essas questões, nós vamos resolver pelo enfrentamento, nem que seja judicial.

Italo Wolff — Sobre o tema da defesa das prerrogativas da advocacia, o senhor viveu um caso de perseguição de sua atividade profissional.

Vejam bem, eu passei 10 dias preso, sem qualquer motivo. Fui preso porque recebi honorários advocatícios referentes a serviços devidamente contratados, devidamente prestados com êxito de ações que eu ganhei e recebi honorários cobrados dentro do parâmetro legal de 20% sobre o provento econômico. Recebi os valores, emiti todas as notas fiscais, recolhi todos os impostos devidos, os valores foram depositados na minha conta, declarados no meu imposto de renda e também pelo partido político. Veio uma delegada e pediu minha prisão.  

Eu fui solto por uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sem ser denunciado. Eu saí sem nenhum indício de prática de crime — para vocês verem o cúmulo a que chegou a perseguição à advocacia. Então, eu, mais do que ninguém, vou trabalhar dia e noite, sendo eleito ou não, para enfrentar de forma intransigente e incessante qualquer tentativa de criminalização da advocacia. Vou lutar para restabelecer o respeito que a advocacia merece.

Bruno Pena em entrevista aos jornalistas Italo Wolff e Ton Paulo | Foto: Guilherme Alves/ Jornal Opção

Ton Paulo — O senhor acha que tem havido omissão por parte da atual gestão na defesa do respeito ao advogado?

Eu não tenho dúvidas. A criminalização da advocacia é um efeito da impunidade das autoridades. Eu desafio a OAB Goiás a mostrar números e informar quantas autoridades foram responsabilizadas nos últimos três anos por violação de direito de prerrogativas do advogado. Enquanto ninguém responder pela violação aos direitos e prerrogativas, casos como o do Dr. Orcélio vão continuar acontecendo.

Italo Wolff — Sobre a relação entre OAB e poder político, existe necessidade de as demandas da advocacia serem ouvidas pelo poder político. O senhor não acredita que atritos da Ordem com governos podem prejudicar os advogados?

Eu acho que a OAB não precisa ser um instrumento de oposição ao governo; mas também não pode estar agachada para governo algum, ela não pode estar curvada. A pergunta que eu faço é: nesses três anos de submissão da OAB ao governo do Estado de Goiás, o que teve de conquista efetiva para a advocacia?

Rafael Lara comemora a redução do tempo de espera para o recebimento de unidade de honorário dativo (UHD) de seis para dois anos. A lei estabelece que o pagamento tem que ser feito em 60 dias — isso é obrigação do estado. Se o governo não cumpre a lei, que autoridade terá para exigir do cidadão o cumprimento da lei?

Ton Paulo — Como o senhor avalia o movimento de fortalecimento das subseções da OAB no interior do Estado?

Eu acho que a advocacia não está precisando de tijolo, parede e tinta — o que a advocacia está precisando é de respeito. Hoje, advogar se tornou uma profissão de risco. O advogado Marcos Aprigio, filho do desembargador Leobino Chaves, foi brutalmente assassinado porque teve êxito num processo judicial. Quem profere a decisão judicial é o magistrado, o juiz; mas a parte que se sentiu prejudicada com aquela decisão mandou matar o advogado, porque acreditou que um crime contra a advocacia seria impune.

Então, hoje, reformar subseção não é o que a advocacia precisa, na minha opinião. Hoje, os advogados do interior pagam o mesmo preço de anuidade e não tem o mesmo retorno que temos aqui na capital. Ele não tem o mesmo acesso ao serviço judiciário. É por isso que a OAB tem que estar vigilante. Essa é a primeira demanda no interior. Mas, a partir do momento que a OAB está preocupada em agradar o Tribunal de Justiça e o poder Executivo, ela acaba perdendo a independência para fazer as cobranças necessárias.

Bruno Pena, Edemundo Dias e Euler de França Belém | Foto: Guilherme Alves/ Jornal Opção

Italo Wolff — O senhor comentou sobre a dificuldade do recebimento das UHDs, mas este é um problema nacional; não só de Goiás. O que a OAB Goiás pode fazer de prático para solucionar a questão?

Em nossa gestão, caso eleitos, vamos ajuizar uma Ação Civil Pública de obrigação de fazer, combinada com um pedido de cobrança, para cobrar judicialmente que o valor seja pago à advocacia e que o governo passe a cumprir a lei e pague os advogados no prazo máximo de 60 dias, porque dinheiro tem. Como se sabe, a administração pública não pode ordenar despesas sem previsão de receita, sob pena de crime de responsabilidade fiscal. Então, se o governo está autorizando a expedição de unidade honorária dativa, significa que o dinheiro existe. 

Então, se existe o dinheiro, por que não se paga no prazo de 60 dias? Porque ninguém está cobrando. E por que é que a OAB não cobra? Porque o presidente da OAB, até poucos dias atrás, estava pleiteando um contrato de R$ 11 milhões com o Ipasgo. O que vemos é a defesa dos interesses pessoais da diretoria da OAB em detrimento dos interesses da advocacia.

Ton Paulo — Quais são as propostas de sua chapa para resolver as dificuldades do advogado jovem, que luta para iniciar sua carreira?

Temos duas perspectivas para a advocacia no início de carreira. O advogado, quando inicia na advocacia, tem duas opções: trabalhar em algum lugar, órgão público, empresa ou em outro escritório; ou tentar abrir o seu próprio escritório. Quando ele vai abrir o seu próprio escritório, ele enfrenta um desafio. Ele tem despesas recorrentes, fixas, e a receita dele é variável.

Esse advogado jovem tem alugar um imóvel, comprar equipamentos, contratar funcionários, e não sabe quanto que ele vai ter de receita. Propomos abrir uma linha de crédito de fomento da Caixa de Assistência dos Advogados de Goiás em parceria com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Goiás Fomento para que o advogado estruture o seu escritório e comece a pagar após dois ou três anos, como empresas já podem fazer.

Se o jovem advogado optar por trabalhar em algum lugar, o problema que ele enfrenta é o fato de que não existe hoje um piso para a advocacia. Hoje, uma das profissões mais precarizadas que existem é a advocacia. Se jovens de outra profissão começam a trabalhar sem carteira assinada e ajuízam uma reclamação trabalhista na Justiça do Trabalho, o juiz vai arbitrar que o empregador tem de pagar o piso para ele — mas, na advocacia, não tem piso.

Nós vamos estabelecer uma articulação política para que a Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) aprove uma lei estadual, estabelecendo um piso para advocacia na capital e outro no interior, porque a gente sabe que a realidade da capital não é a mesma realidade do interior. Hoje, tem advogado ganhando R$ 600,00 por mês. Vamos atuar firmemente para que, não só a advocacia em início de carreira, mas também as mulheres, negros, indígenas, tenham vez e tenham voz na advocacia.

Entrevista de Bruno Pena ao Jornal Opção | Foto: Guilherme Alves/ Jornal Opção

Italo Wolff — Quais medidas pretende implementar para melhorar o acesso dessas minorias à plenitude da profissão?  

Nós demos o exemplo na montagem de nossa chapa — é a única chapa com maioria de mulheres na diretoria, com uma mulher preta quilombola. Em nossa chapa, as vagas não têm preço. Na chapa da situação, um candidato a conselheiro tem de dar R$ 40 mil de contribuição para ser candidato.

Os advogados da periferia e do interior, passam situações absurdas no exercício da profissão. Às vezes, autoridades criam dificuldade para tentar tirar vantagem em cima de advogadas. O advogado negro, dentro de um estabelecimento da justiça, primeiro tem que provar que é advogado, que não é réu. Essas são as situações que a OAB vai enfrentar.

Não embarcamos em uma chapa única porque, embora tentem nos vender a ilusão de que estamos todos no mesmo barco, a verdade é que estamos apenas no mesmo mar — mas, enquanto parte da advocacia está em um iate de luxo, outra parte está nadando para não se afogar. A ordem precisa dar atenção a estes; com uma procuradoria de prerrogativas especializada para a mulher, para o advogado LGBT+, para o advogado negro. 

Ton Paulo — Em Goiás, as custas judiciais são a quarta mais alta do país. Como sua gestão pretende trabalhar esse problema?

As altas custas judiciais afetam o acesso à Justiça. Quando as pessoas ouvem que têm de pagar mais de R$ 600 reais de custas para receber o que lhes é devido, muitas desistem. Acho que temos de trabalhar duas soluções: tem de haver uma lei nacional que estabelece um teto de custas judiciais para o Brasil; e em Goiás, temos de estabelecer diálogo com o Tribunal de Justiça para tentar rever o valor das custas.

Se não funcionar, vamos levar ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) para discutir a constitucionalidade desse valor tão alto de custas, da mesma forma como a Procuradoria Geral da República (PGR) questionou a lei estadual que permitia a magistratura do estado de Goiás receber acima do teto. A OAB não fez nada, o Tribunal também não fez; foi preciso vir à PGR perante o STF para constatar a incondicionalidade do óbvio, que era a situação dos magistrados receberem acima do teto.

“Vamos cobrar judicialmente que o governo passe a cumprir a lei e pague a advocacia dativa no prazo máximo de 60 dias, porque dinheiro tem”, diz Bruno Pena | Foto: Guilherme Alves/ Jornal Opção

Italo Wolff — Qual a visão do senhor para a Caixa de Assistência dos Advogados de Goiás (Casag)?

A CASAG há muito tempo tem sido negligenciada. A caixa de assistência da advocacia já teve programas como, por exemplo, o Bumerangue, que permitia o advogado ter como retorno de sua atividade serviços da advocacia, o programa de telemedicina e outros. A Casag tem de ser um instrumento de amparo, por exemplo, para os advogados no início de carreira terem acesso a uma linha de crédito para abastecer seu carro, comprar equipamentos como computadores subsidiados, entre outros.

A Casag já teve livraria própria, já teve ótica própria; mas isso acabou, porque, como a OAB, a Casag não tem mais compromisso com a advocacia. Ela tem compromisso com os seus próprios interesses. A Casag passou a ser vista como despesa, e seu caixa passou a servir de transferência de recursos para a sustentação da própria OAB. E, às vezes, os gastos da OAB com coisas periféricas é altíssimo. 

Se formos eleitos, as contas da Casag serão on-line, com total transparência. Hoje, o portal da transparência é um engodo. Em plena eleição da OAB, a OAB gasta mais de um milhão de reais por ano com manutenção de software, e não tem um portal da transparência que permita à advocacia fiscalizar os gastos da OAB.

Na nossa gestão, vamos fortalecer não apenas a transparência, mas promover o orçamento participativo. Ou seja, antes de gastar o dinheiro da advocacia, vamos ouvi-la por meio de audiências públicas para ver onde a advocacia quer que o seu dinheiro seja gasto.

Ton Paulo — E a anuidade, como sua sugestão vai trabalhar?

Nós vamos rever o valor e reduziremos a anuidade. E com isso, vocês vão ver, vamos aumentar a arrecadação. Quase metade da advocacia não está pagando a anuidade, o que mostra que o valor da anuidade está muito alto, o que não serve para a arrecadação, porque a advocacia não está dando conta de pagar. Se abaixarmos o valor da anuidade, uma maior quantidade de advogados começará a pagar e traremos os advogados para dentro da OAB, trazendo também dignidade para advocacia. 

Ninguém deixa de pagar a OAB porque quer ficar de fora da OAB. Acontece que não adianta ter um valor alto que ninguém dá conta de pagar. Nós vamos rever esse valor, vamos colocar a OAB que caiba no bolso da advocacia e nós vamos devolver a OAB de volta aos braços da advocacia.

Demos o exemplo na montagem de nossa chapa — é a única chapa com maioria de mulheres na diretoria, com uma mulher preta quilombola

Ton Paulo — Há alguma mensagem especial que queira deixar nesta reta final das eleições da OAB Goiás?

Quero convidar toda a advocacia do estado para votar no dia 19 de novembro. Se a advocacia achar que é preciso mudar a OAB Goiás, que vote na chapa dois, a chapa que tem coragem. 

Essa é uma mudança silenciosa. Nas eleições da Ordem, não se pode fazer pré-campanha; não se pode dizer que se pretende disputar as eleições, ao contrário das eleições gerais.  Nas eleições da OAB, não posso fazer impulsionamento de postagens em redes sociais. Veja bem, é um debate cerceado. Por que a OAB Goiás tem medo que o advogado escute o que a gente tem para falar? Nas eleições institucionais, se permite o impulsionamento para que toda a população tenha acesso ao que os candidatos têm a dizer, a forma mais democrática de propaganda. 

Por isso, quero convidar toda a advocacia a nos acompanhar nas redes sociais, comentar e compartilhar nosso conteúdo e fazer essa mensagem de mudança e esse grito de coragem e de independência chegar ao ouvido de cada advogada e de cada advogado. O nosso objetivo é conquistar corações e mentes, com um trabalho de formiguinha, numa verdadeira batalha de Davi contra Golias. E nós temos coragem pra isso, estamos otimistas, e temos certeza que, tal como foi proclamada a independência do Brasil no dia 7 de setembro, no dia 19 de novembro, nós vamos reproclamar a independência da OAB Goiás.