Realidade da linha do tempo nas redes sociais é “quentinha e confortável”, mas traz apenas um recorte da vida e distancia a pessoa do contraditório, lembra jornalista

Jornalista Leonardo Sakamoto, do Blog do Sakamoto, afirma que parte da sociedade ainda não sabe diferenciar uma notícia de uma opinião ou análise | Foto: Reprodução/Facebook

Há quem acredite até hoje que o jornalista Leonardo Sakamoto um dia disse que os aposentados são vagabundos. A falsa entrevista publicada por um jornal mineiro, publicação com a qual ele nunca trocou uma palavra, até hoje rende xingamentos na internet e chega ao ponto de virar ameaças de morte. Esse é apenas um dos muitos casos em que Sakamoto foi vítima de uma “fake news”. Parte dos casos serviu de inspiração para escrever o livro “O Que Aprendi Sendo Xingado na Internet” em 2016 pela Editora Leya.

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O assunto está tão presente na vida do professor de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), diretor da ONG Repórter Brasil e conselheiro do Fundo das Nações Unidas (ONU) para For­mas Contemporâneas de Escra­vidão que ele resolveu transformar a necessidade de ajudar a sociedade a entender os diferentes produtos jornalísticos no curso on-line “Vaza, Falsiane”, que será lançado em junho numa parceria com o Facebook. Em mais de uma hora de conversa por telefone com o Jornal Opção, Sakamoto comenta que o momento é complicado, mas que é possível buscar o amadurecimento do uso da internet no Brasil.

Aliás, o doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) responsável pelo Blog do Sakamoto, no portal de notícias UOL, não poupa críticas aos algoritmos das redes sociais, à polarização política que tem dificultado o debate de ideias no Brasil e o uso de robôs para manipular as discussões na internet. Sakamoto comenta também a última pesquisa Datafolha 31/1) sobre as intenções de votos nos pré-candidatos a presidente da República e o futuro eleitoral do ex-presidente Lula. Leia abaixo a entrevista completa.

Em 2016 você lançou o livro “O Que Aprendi Sendo Xingado na Internet” (Leya, 160 páginas). O que ficou de lição dessa história? Como é ser alvo de xingamento na internet?
O xingamento foi a forma mais leve que eu usei para identificar e tratar o livro. Como eu cito na obra, eu não fui apenas xingado. Eu fui xingado, eu fui ameaçado de morte. Aconteceu muita coisa. Foi muita violência que eu sofri na internet a ponto disso transbordar para fora. Por conta do que eu escrevo nos textos, as reportagens que eu faço, eu fui cuspido na rua, agredido fisicamente, derrubado no chão, recebi muitas ameaças de morte. Por recomendação da Procuradoria-Geral da República (PGR) e do Ministério Público Federal (MPF), algumas delas passaram por investigação que ainda corre até hoje. Digamos que foi tudo isso.

Só que ao invés de fala o que eu aprendi sendo insultado, ameaçado, vilipendiado na internet, eu preferi colocar “xingar” no título porque a maioria das pessoas é apenas xingada. E a ideia era aproveitar essa experiência que eu tive para criar uma espécie de um manual de vivência e de convivência na rede em que eu explicasse esses fenômenos e falasse da polarização, mas ao mesmo tempo que eu também deixasse algumas dicas e sugestões de como abortar, tratar e evitar que isso se torne algo muito pesado para as pessoas. Como ampliar o espaço de diálogo nas redes sociais, na internet, como tirar proveito dessa ferramenta poderosa que a gente tem em mãos.

Digamos que disso eu tive algumas lições. O primeiro é que o território invisível, o fluxo de informação anônimo não confiável, de baixa qualidade à esquerda e à direita, não importa, mas que circula na internet, já é maior e até mais poderoso do que o fluxo do conteúdo dos veículos de comunicação tradicionais. Saber disso é fundamental, da mesma for que saber que as pessoas acreditam naquilo que elas querem acreditar nas redes sociais. Nos debates nas redes sociais, verdade é tudo aquilo com que as pessoas se reconhecem, ou seja, a verdade é aquilo que elas acreditam. E mentira é tudo aquilo que elas não acreditam.

As pessoas não estão preparadas e não estão dispostas a reconhecer que as suas posições podem estar erradas, podem estar equivocadas ou são incompletas. A rede social não cria isso, mas aprofunda isso. Eu tenho uma série de outros aprendizados que eu levo para o leitor de forma a tentar garantir pontos de conversação, garantir diálogo, porque só através do diálogo que nós vamos resolver essa questão. A gente não vai conseguir resolver a questão da circulação de notícias falsas, da desinformação, do ódio, da violência e intolerância através de mais ódio, mais violência e mais intolerância. As pessoas vão ter que ceder.

Assumir uma posição opinativa hoje é prejudicial para a sua imagem?
Não. Até porque no jornalismo a opinião faz parte da profissão. Ela faz parte de um gênero jornalístico. Existem formatos opinativos e outros noticiosos. Isso faz parte. Eu produzo reportagens, grandes investigações. Na Repórter Brasil, que eu sou coordenador geral, nós produzimos, investigamos e somos reconhecidos por isso. No meu blog, que é separado da Repórter Brasil, eu também produzo conteúdo, investigações, mas também com muita opinião, com análises. E acredito que isso faça parte do trabalho jornalístico, que é opinar sobre os fatos, de mostrar todas as possibilidades, todas as facetas de um fato e ao mesmo tempo garantir que o leitor também tenha acesso a diferentes interpretações sobre os fatos.

Eu acredito que faz parte da nossa atividade como jornalista levar essa interpretação para o leitor, o expectador e o ouvinte. Contudo, um problema muito sério é que uma parte da sociedade, não toda, não foi preparada e alfabetizada para o debate público. Infelizmente há uma parcela da sociedade que não tem condições de discutir publicamente e debater ideias e opiniões. E isso é um problema. Quando eu coloco a palavra alfabetizada eu falo de ensino.

Apesar de várias tentativas que houve nos últimos tempos, mas que até agora nenhuma delas surtiu efeito, infelizmente no Brasil não há um letramento para a mídia, uma alfabetização midiática, um ensinamento em nível fundamental, médio e até superior, de crianças, adolescentes e jovens, para que eles saibam produzir e absorver conteúdo. Para que eles possam saber a diferença de argumentos que são de autoridades, argumentos que são falaciosos, argumentos que são confiáveis e saber quando estão tentando enganá-los ou quando tentam usar métodos de manipulação. E também para que eles saibam como compartilhar conteúdo.

Por conta do avanço tecnológico e da produção do smartphone, de repente muitos brasileiros que nunca tiveram acesso a um computador, que nem liam jornal ou tinham acesso à informação entraram e tiveram contato com a internet, com um mundo maravilhoso de informação quase que ilimitada. Isso é por um lado incrível e maravilhoso, mas por outro lado é muito preocupante porque não houve nenhuma formação básica para que as pessoas pudessem consumir e produzir informações. Todo mundo se tornou um produtor em potencial de notícia, mas não houve nenhuma formação básica.

Não chegou nenhuma aula na caixinha do smartphone para que você pudesse trabalhar com uma prática quase que como um jornalista. Precisa ter, no ensino básico ou no ensino superior brasileiro, uma educação para a mídia para que as pessoas possam saber e possam separar as coisas. Isso afeta diretamente a percepção sobre opinião e análise da informação. Um exemplo disso é que a gente discute muito “fake news” e notícias falsas, mas existe um problema anterior que é o fato de as pessoas não saberem o que é notícia.

As pessoas não sabem diferenciar uma notícia de uma reportagem, de um editorial, de um artigo de opinião ou de uma análise. Acredito que qualquer jornalista já percebeu isso quando vê um leitor comentando um artigo de opinião e dizendo “isso é falso”. Ele não concorda com a opinião então é falsa. Não, amigo. Isso não é uma notícia, isso é uma análise, é uma opinião. Muitas vezes você traz um fato, uma informação, dados, números, estatísticas e as pessoas falam “não concordo com a sua opinião”. Meu amigo, não é uma opinião.

Eu vi um debate sobre isso nas redes sociais que a pessoa que toma conta das redes sociais da BBC aqui no Brasil, respondendo a leitores, e um leitor dizia “eu não concordo com isso, isso é falso, cadê as fontes?”. O perfil respondia “não, meu amigo, as fontes estão aqui, é a fala de um especialista, de outro especialista, empresa tal”. Quando o leitor responde “é, mas eu estou jogando no Google e não estou achando essa declaração”. Mas é claro que não vai achar, é o próprio veículo que está trazendo isso agora como uma novidade.

As pessoas não fazem ideia do que é aquilo. Quando se junta uma opinião com uma análise, por exemplo, sobre a reforma da Previdência, e as pessoas dizendo “isso é fake news”. Como é “fake news” se não se trata de uma notícia? É uma interpretação da realidade, você pode concordar ou não. Nesse mundo maravilhosamente conectado e informado que nós temos, para que opiniões sejam tratadas como opiniões e fatos sejam tratados como fatos sem que ninguém morra no meio do caminho, sem que ninguém cuspa no outro, agrida o outro, porque essas pessoas não concordam com aquilo e não conseguem nem interpretar aquilo como uma análise, a gente vai precisar avançar.

Digamos que é uma profissão de fé produzir conteúdo analítico nas redes sociais se você não quer provocar a guerra. O meu interesse não é provocar a guerra, é abrir o diálogo fazendo uma análise sobre um ponto de vista progressista de esquerda que não é necessariamente um ponto de vista partidário.

Você defende há muito tempo que as pessoas aprendam a ler informação jornalística sabendo diferenciar os diversos produtos. Mas isso tudo parece vir do reflexo da falta de uma base educacional de qualidade.
Nós vamos ter que mexer no processo educacional para que isso possa ser abordado. O problema é que uma parte significativa da sociedade quer uma educação que se restrinja a saber quais são os afluentes da margem direita e da margem esquerda do Rio Amazonas, resolver uma fórmula de Bhaskara ou não separar sujeito e predicado por vírgula. E às vezes nem isso. Formar técnicos, mas sem o mais importante, que é aguçar a capacidade analítica e reflexiva da pessoa. Que ela possa receber estímulos de diferentes lados e formar uma opinião e agir a partir daí para a sua vida.

A escola tem a obrigação de fazer com que a pessoa seja um ser pensante, não uma cobaia. Inclusive uma boa escola é aquela que seja capaz de questionar a sociedade que mantém aquela escola, as estruturas da escola, questionar tudo. Para isso, você tem que dar elementos. As pessoas falam “você quer dar elementos só para manipular para o seu lado”. Não. Eu acredito que é importante se dar elementos para a pessoa se tornar um ser pensante e escolha e siga uma ideologia do jeito que lhe melhor aprouver. Mas eu quero uma escola que encare a realidade como ela é. Eu não quero uma escola que finja que a vida não é desse jeito.

Todos nós temos ideologia. A grande discussão na verdade não é se eu tenho ou não porque todos têm. Inclusive as pessoas que dizem que não têm são as mais ideológicas. A nossa ideologia deveria ser includente, garantindo condições de dignidade para todo mundo, não excludente. O problema é que uma ideologia que diga que as pessoas não devem aprender na sala de aula como raciocinar, como refletir, como descobrir o que é verdade e o que é mentira por contra própria e não por supostos líderes que vão informar o que é A, o que é B, o que é C é uma ideologia que está fadada ao fracasso.

Você foi vítima de uma “fake news” de uma suposta entrevista que você teria concedido e que atacava determinada faixa etária da população e as políticas públicas direcionadas para essas pessoas. Como é lidar com a notícia falsa, distorcida ou manipulada em um momento no qual muitas vezes as pessoas batem o olho em uma fotografia ou leem um título e isso gera um debate de grandes proporções sobre algo que nem se tem conhecimento?
Eu já fui vítima de mais de uma “fake news”. Acho que eu sou vítima de uma “fake news” por mês. Só que alguns casos se tornaram emblemáticos. Um deles foi um jornal de Minas Gerais que publicou uma matéria na capa dizendo que eu havia afirmado que aposentados eram inúteis junto com uma entrevista de pergunta e resposta comigo, sendo que eu nunca falei com esse jornal. Isso gerou uma onda de ataques e ameças contra mim. Até hoje, por mais que o jornal tenha publicado um direito de resposta gigante, eu sofro com esses ataques porque esses conteúdos têm cauda longa e continuam a ser compartilhados por muito tempo depois que já foram comprovados como informações falsas.

Aconteceram outros casos. Um deles envolveu uma investigação longa que envolveu advogados e foi publicada no jornal Folha de S.Paulo. Descobriu-se que a empresa JBS estava pagando anúncio no Google para me difamar. Depois foi verificado que o anúncio era falso. E também teve muita ameaça de morte e outros problemas por conta disso. As pessoas que não me conhecem não são obrigadas a acreditar ou não, mas a gente forma opinião nesse mundo polarizado, nesse mundo no qual as pessoas não ouvem o outro, de forma tão categóricas que as pessoas executam opiniões. Elas dizem “não é isso” e acabou. Elas dizem “li algo sobre a pessoa” e não procuram a fonte da informação, não checam se a fonte é verdadeira ou não. “Mas eu li, e como eu não gosto muito do que essa pessoa pensa aquilo é verdade”.

Há na internet uma coisa chamada, mas não só na internet, chamada viés de confirmação. A gente tende a acreditar naquilo que a gente quer acreditar. E a gente tende a acreditar naquilo que a gente não quer acreditar. Se algo tem um viés que confirma o que alguém pensa sobre tal pessoa, mesmo que aquilo não seja verdadeiro, aquela pessoa acredita nisso. Já vi várias vezes leitores ou pessoas na rua dizerem que eu faço a mesma coisa. Não. Não faço. “Mas você só tem amigos de esquerda.” Não tenho. Eu tenho amigo extremamente conservadores, eu tenho amigos de direita. “Ah! Mas você não conversa com o pessoal da Veja.” Desculpa, mas eu tenho amigo queridos lá dentro e a gente conversa sobre todos assuntos. Porque eu quero uma vida rica em diferença de argumentos.

A grande sugestão é que as pessoas desconfiem de tudo. Desconfiem de tudo que aparece na frente, desconfie de tudo que surge que aparece de notícia, de informação. Não acredite naquilo que está sendo colocado para você. Procure provas, procure dados, não se entregue à facilidade de ler e acabou. Procure fontes fidedignas. Se você recebeu um meme e achou estranho… O que é achar estranho? Se o texto está todo escrito em letras maiúsculas desconfie. O texto usa xingamento para se referir a alguma pessoa? Desconfie. A pessoa está afirmando mas não cita nenhuma fonte externa? Se está acontecendo isso desconfie. A pessoa recebeu algo que é anônimo, não diz quem escreveu, de onde veio, como fez? Desconfie. O ideal seria que a pessoa desconfiasse da maioria das coisas que chegam à mão dela.

Essa questão do fator conveniência, de tender a acreditar naquilo que alguém prefere que seja a verdade por concordar com aquela informação, tem a interferência dos algoritmos das redes sociais? A escolha pelas plataformas de quais publicações aparecem na timeline da pessoa tende a acirrar a bolha do eu só convivo com quem eu acredito ou aquela informação que serve para a minha vida, independente de questioná-la ou não?
O algoritmo contribui bastante para essa situação. O algoritmo atua de forma que você restrinja na sua timeline informações prioritariamente das pessoas com as quais você convive, articula e se relaciona. Você curte mais publicações das pessoas com as quais você divide opiniões. Você acaba curtindo aquilo que você concorda. A tendência, portanto, é na rede social, por mais que você tenha centenas ou milhares de amigos ou seguidores, você ver com frequência apenas uma dezena de amigos que postam coisas que você acredita, concorda ou acha legal. Essa lógica é relativamente simples, ela serve para que você permaneça a maior quantidade de tempo possível na rede social.

A rede social tem o objetivo de transformar aquilo em uma experiência agradável. Eles sempre repetem isso. E para ser uma experiência agradável não será uma experiência quer irá te confrontar com a realidade, que vai te colocar cara a cara com coisas que você não concorda ou não gosta, porque eles querem que você fique lá muito tempo. Para que ficar a maior quantidade de tempo? Em primeiro lugar para você produzir mais conteúdo. Vamos lembrar que as redes sociais são uma plataforma. São lugares onde é você que produz a informação que circula na rede social.

Em segundo lugar, quando você fica mais tempo e produz mais conteúdo, você terá mais acesso à publicidade. E a rede social ganha dinheiro fazendo com que você tenha acesso a essa publicidade.  Você ficando mais tempo lá você produz conteúdo nas redes sociais e consome publicidade, o que faz com que eles recebam dinheiro. Essa é a lógica da rede. O problema é que as pessoas não se ligam, não se atentam para isso, e acabam achando que o mundo é aquela bolha dentro da timeline delas. “Olha que lindo! O mundo todo concorda comigo. É tudo muito bom, tudo muito belo.” Não tem contestação, não tem ninguém dizendo que isso é errado ou certo, colocando em xeque o que eu deixo de acreditar.

Quando você bate de frente com uma pessoa de esquerda ou de direita, que seja, mas que pensa diferente de você, isso para muita gente choca. Ela não está acostumado com o contraditório. Ela acha que o contraditório é quase que uma ofensa, porque aquilo vai tirá-la do conforto daquilo que ela acredita e do que não concorda. A bolha da rede social faz com que a pessoa seja bombardeada dia e noite com conteúdo que ela concorda.

O problema é que o mundo não é tudo que a gente concorda. O mundo é uma loucura. O mundo é aquilo que você concorda e aquilo que você discorda. Você pode querer ficar em uma bolha que é quentinha e agradável? Pode. A ignorância é um lugar quentinho. É agradável. Quem não gosta disso? Mas ao mesmo tempo, se você quiser fazer isso, que ao menos você tenha a consciência de que aquilo não é a realidade. Aquilo é só um recorte da realidade. A vida é muito mais complexa e não concorda com você necessariamente.

O Facebook, o Google e o Twitter têm sido muito cobrados, principalmente com as investigações de possível interferência na eleição dos Estados Unidos por sites da Rússia,  Macedônia e outros lugares com a produção de notícias falsas pró-Donald Trump e que podem ter influenciado e muito no debate eleitoral de 2016. Tem muita gente que ainda acredita que o papa Francisco declarou mesmo apoio ao candidato republicano naquele ano e outras coisas muito piores. No final de 2017, o Facebook decide controlar e reduzir o alcance de publicações de publicações falsas, mas diminuir a propagação de conteúdo de páginas, inclusive de veículos de comunicação tradicional, e ao mesmo tempo ampliar o poder de se espalhar das publicações pessoais. Não é um posicionamento complicado ao escolher um caminho fora do que é considerado mais confiável?
Tem várias coisas no meio. É claro que o Facebook faz isso porque tem receio da regulação. Facebook, Google, Twitter entre outros têm medo da regulação. O grande ponto é que o Facebook e outras redes têm problemas de mudar esse comportamento por conta de seus processos de publicidade. Isso bate de frente com a forma como eles ganham dinheiro. Como é que eles vão resolver isso? A solução que essas plataformas vão tentar encontrar será alguma que não as obrigue a mexer com a regulação publicitária deles.

Havia duas opções: seguiam da forma como está, de uma forma que poderia criar problemas para a própria democracia como o Facebook reconheceu que nem sempre as redes sociais são instrumentos que contribuem com a democracia ou eles correriam um risco de serem controlados e terem seu poder diminuído, a forma como eles ganham dinheiro reduzida com o formato de venda de publicidade alterado por parte de uma ação entre países. Eles tiveram que agir.

E como eles agiram? Mantiveram a forma com a qual eles ganham dinheiro, sem alterar o formato como eles rentabilizam a rede, mas tentaram cortar na própria carne mudando a prioridade e retornando ao que o Facebook era no início. Com todo respeito à empresa, nós temos parcerias e dialogamos, mas o Facebook não foi feito para distribuir notícias. Facebook nasceu para se trocar fotos, encontrar amigos, bater papo, namorar. O Facebook não foi criado para distribuir notícias nas redes sociais. Ele tomou uma dimensão que não era aquilo para a qual ele foi feito.

O Facebook e as empresas jornalísticas sentaram-se várias vezes, a relação sempre foi muito conflituosa, porque as notícias começaram a ser distribuídas pelas redes sociais. As empresas jornalísticas ficaram bravas porque estavam perdendo audiência com isso, não estavam ganhando nada. Procurou-se uma forma de rentabilizar as empresas jornalísticas, formas de garantir acesso a formas para promover notícias, conteúdo de boa qualidade. Tentou-se várias coisas, mas infelizmente não se conseguiu.

Se por um lado o Facebook digamos que falhou nessa tentativa de garantir um espaço de paridade para que o conteúdo jornalístico pudesse se dissipar e chegar às pessoas, por outro lado as empresas jornalísticas também não descobriram até agora o que fazer na internet. O jornalismo tradicional não descobriu como migrar para a internet e garantir não só a rentabilização do seu trabalho, quanto a difusão do seu conteúdo. É muito difícil. São poucos os exemplos de quem conseguiu ter sucesso na rede.

Parte da imprensa se acomodou também apontando as redes sociais como solução para os seus problemas, mas sendo que também não era e não tinha como ser. Infelizmente as redes sociais não iam dar para a imprensa resposta para os seus problemas de dinheiro e de audiência. Eu sou do ponto de vista que perde a imprensa tradicional, mas perde também o conteúdo de sites que promovem notícias falsas. Mas aí alguém pode dizer que sites que promovem notícias falsas têm debates mais acalorados e conteúdo mais distribuído do que os debates dos sites tradicionais. De maneira alguma.

Boa parte da população, por mais que critique a mídia tradicional, ainda se informa bastante por matérias que são produzidas pela mídia tradicional. Porque a verdade é que boa parte das matérias que são produzidas ainda são produzidas pela mídia tradicional. É o conteúdo de onde ele sai, não tem muito o que fazer. Acredito que o Facebook terá um espaço menor para conteúdos jornalísticos verdadeiros e falsos.

O Facebook, ainda sim, vai privilegiar os veículos que produzem conteúdo e são considerados verdadeiros e decentes pela sua audiência. Acredito também que os sites de notícias terão uma ligeira vantagem frente aos sites de notícias falsas, mas acho que isso vai ser um empurrão interessante e forçará os veículos de jornalismo a pensarem uma outra alternativa para difusão e rentabilização de seu conteúdo. Isso aqui agora está forçando os veículos a perceber que o sonho dourado das redes sociais não existe. Vai ser uma ferramenta útil? Sim. Mas não vai ser aquele sonho dourado prometido. Tratemos todos de correr atrás do prejuízo.

Acredito que isso possa ajudar a reduzir as notícias falsas. E acho extremamente positivo que isso aconteça. Agora o quanto isso vai funcionar ou não só o tempo vai dizer. Eu tenho uma certa dificuldade de fazer futurologia. Nem o Facebook sabe. Um ano depois das eleições americanas, o Facebook e o Mark Zuckerberg foram colocados contra a parede e questionados se o Facebook contribuiu de forma negativa para a eleição do Trump. Ele negou, disse que não, mas depois falou que não sabia. Aí vai depender da entrada de atores com má fé, como organizações russas, dos atores internos. E teve muita coisa.

As próprias campanhas dizem “nós não fazemos isso”. Fazem. As campanhas da Hillary Clinton e dos outros faziam. “Mas na época do Barack Obama não tinha isso.” Tinha. Ele se elegeu como?

Em 2014, tanto a campanha da Dilma Rousseff (PT) quanto a do Aécio Neves (PSDB) fizeram isso.
Fizeram. E o Obama se elege (2008) exatamente assim. Não com manipulação grotesca. Não é isso. Mas ele se vale de saber onde estão os eleitores e ter uma mensagem e uma postagem específica para cada um deles falando em uma linguagem diferente. As pessoas ganham com essa metrificação de digital. É uma loucura.

Já que entramos no debate eleitoral, não só as “fake news”, mas os robôs (bots), que nem sempre são só softwares que ficam jogando informação, tentando influenciar e ampliar uma discussão a favor de determinado candidato tentando reproduzir um comportamento humano nas redes sociais, mas pode ser também um perfil falso que tem uma pessoa anônima por trás daquele e de outras contas fazendo postagens favoráveis a determinados candidatos. Como isso será tratado? O próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE) criou um conselho consultivo em parceria com outros órgãos públicos para tentar entender como o Brasil vai tratar essa questão. Isso é preocupante? Pode mesmo causar uma influência na eleição deste ano?
Isso pode e já vai causar danos severos às eleições desse ano independentemente de nós querermos ou não. O TSE tem pouquíssimo ou nenhum controle sobre isso. A Polícia tem pouquíssimo ou nenhum controle sobre isso. E sendo bem sincero, muitas vezes eu fico em dúvida e com medo de quando o poder público começa a regular ou decidir o que é uma notícia falsa ou não. Eu, mais do que ninguém, detesto notícia falsa, mas prefiro a notícia falsa correndo do que o Estado decidindo isso. Comparativamente, eu talvez seja uma das pessoas que mais sofreu com notícias falsas. Mas ao mesmo tempo, acredito que mais danoso do que notícia falsa é um poder público ou governo que diga se algo é verdade ou não é.

Porque a partir disso você pode começar a viver em uma ditadura. Você pode começar a viver em um sistema no qual as pessoas comecem a apontar o que pode e o que não pode. A partir disso, pode ser que hajam críticas que empurrem as pessoas para falar “isso aqui você não pode manifestar, poque o nosso governo considera isso como mentira”. É extremamente complicado e danoso um governo dizer o que é ou não “fake news” porque teremos um poder público que decidirá o que é verdade ou mentira. Dito isso, é importante afirmar que existe uma verdadeira fauna nesse ecossistema virtual. São diferentes animais que povoam as redes no intuito de manipular o voto das pessoas.

Bots de Twitter e de outras redes sociais, que reproduzem conteúdo e que são programados para dar respostas ou publicações de forma relativamente simples, muitas vezes são facilmente identificáveis porque você entra no perfil e vê uma foto genérica, um rosto genérico, uma foto que não dá para identificar ou aquele ovo do Twitter que não tem um avatar específico. Pode ser qualquer coisa. Aquilo fica mais fácil de descobrir.

Em uma das votações, que eu não me lembro se a do impeachment, um dos assuntos era trending topics (assuntos mais comentados no Twitter) no Brasil e também na Índia. Por quê? Porque as pessoas estão comprando retuitadas e curtidas no Twitter de robôs que estão operando da Índia. Tem coisas bizarras. Na minha opinião e sendo bem modesto, trending topics não vale nada. Ele não significa que é o assunto mais falado do Brasil no momento, até porque a quantidade de pessoas que está no Twitter é muito pequena se comparado com o restante do País e ainda pode ser manipulado. É bom você ver aquilo, mas não como uma verdade absoluta. Com resalvas. Já os bots, os robôs, são uma parte do debate, da discussão.

Uma outra parte, que é muito mais elaborada, são os perfis falsos que são manipulados, digamos que personificados, por profissionais pagos que trabalham para consultorias digitais cujo o objetivo é prestar serviço para candidatos. Esse pessoal é muito bom e ao mesmo tempo muito perigoso. Por quê? São aqueles perfis falsos que não parecem perfis falsos. Em 2014, eu entrevistei o dono de uma dessas consultorias, e sob anonimato, ele me contou como funcionava todo o processo.

Foi muito interessante, porque ele me mostrou que a trollagem é uma ciência. Os perfis tinham uma vida. Eles casavam, separavam, compravam cachorro, torciam para um time de futebol. Esses perfis iam tendo uma vida, vão sendo personificados, tinham uma atuação por trás deles. E profissionais que eram estudantes de Jornalismo, Publicidade e Propaganda, Artes Cênicas, que eram muito bem pagos em época de eleição, e também fora de eleição, mas na eleição pagava-se mais, para que esses perfis trabalhassem para os candidatos.

Ao contrário do que se imagina, esses perfis não ficam que nem “haters” gritando e falando “seu candidato é idiota”, “morte ao candidato”. Não. Eles não ficam que nem idiotas. Eles usam pesquisas sociométricas, que mostram o comportamento de parcelas da sociedade. Dependendo dessas pesquisas, eles criavam processos de planejamento para atuar ao longo da campanha. Chegavam ao nível de refinamento das pessoas que controlavam esses pacotes de perfis em que elas apoiavam um candidato diferente, opositor ao deles, ao longo de toda campanha até que, em determinado momento, no debate final, essas pessoas mudavam de opinião e diziam nas redes “esse candidato me fez mudar de opinião, eu ia votar no B, mas agora vou votar no A, percebi que o B é enganador, o A é muito melhor”. No último debate, que é o da Globo, ele leva um monte de gente indecisa junto com ele. O dono dessa consultoria disse que cada perfil conseguia converter de 100 a 200 votos.

Esses perfis eram controlados por profissionais que são chamados de “seeders”, os semeadores, plantadores de sementes. E o conjuntos desses perfis são chamados de fazendas. Então eles construíam essas fazendas de perfis falsos que semeiam ideias na cabeça das pessoas. O interessante é que durante as eleições esses perfis falsos atuam pró-candidato quando contratados por candidatos para atacar adversários. Eu perguntei com o que eles trabalham entre as eleições. Ele respondeu que atuam para empresas com o intuito de vender marcas, promover alguma marca que está sendo lançada ou coisa do tipo.

Há uma investigação em curso nos Estados Unidos contra uma grande empresa de venda de perfis que cria influenciadores digitais pela relevância em redes sociais.
Aquele caso específico do New York Times diz respeito à quantidade de curtidas da página. Não necessariamente vendem um serviço, que é o que eu descrevi, no sentido de manipular a opinião pública com relação a determinado candidato. Isso aí é diferente de construir uma ideia. Esse pessoal que eu citei manipula muito melhor e de forma muito mais competente do que qualquer outro. Essas pessoas vão fazer diferença na época da campanha porque neste ano está proibido o financiamento empresarial por meio de CNPJ.

Mas está liberado o impulsionamento de publicações nas redes sociais.
Mas é aí que está o negócio. O impulsionamento de publicações não pode ser por terceiros, ele tem que ser feito pela própria campanha. Claro que isso é um risco, mas pelo menos é pela própria campanha. Ao menos não podem acontecer os chamados “dark posts”, que eram aquelas postagens que a pessoa impulsionava de uma forma que só aquele público ao qual você pagou para ter acesso à publicação veria aquele conteúdo. Jornalistas e outras pessoas não veriam porque não foi direcionado a eles. Agora esse impulsionamento tem que ser colocado na página da campanha.

O que eu estou colocando é diferente disso. Como está proibido fazer doação por meio de CNPJ, algumas empresas devem contratar essas consultorias que contam com perfis falsos para promover, via perfis falsos, a campanha de determinadas pessoas. Não é diferente de impulsionar publicidade. Sinceramente, não é publicidade que vai fazer efeito total. Exércitos de perfis falsos sendo comandados por grupo de pessoas, de atores ou de estudantes têm uma possibilidade de causar um impacto muito maior do que a publicidade.

A publicidade é muito direta. O outro casos são pessoas que você acha que existem, que são suas amigas nas redes, e que são bonitas e atraentes, porque usam imagens de modelos para fazer isso, vendendo determinado candidato com empresas pagando por esse serviço. Empresas bancando essas consultorias. Custando milhões, as empresas que não podem doar para campanhas vão doar bancando essas consultorias digitais. Porque elas não precisam bancar a candidatura, elas bancam as consultorias e pagam diretamente. E vou além. Muitas vezes essas consultorias já prestam serviços para as empresas durante épocas que não são eleitorais. Agora a empresa vai simplesmente fazer um aditivo como consultoria e vai bancar esse serviço para o candidato dela. Tem muita coisa que vai acontecer debaixo do pano utilizando exércitos digitais.

Isso pode ser ainda mais grave se nós pensarmos no cenário publicado pela pesquisa Datafolha (31/1) em que a transferência de votos daqueles que pretendem votar no Lula, caso ele não seja ou fique impendido de ser candidato, ficaram em um limbo e ainda não houve essa migração.
A minha análise é outra. O Lula não vai desistir da campanha. As pessoas estão trabalhando com essa hipótese. Se o Lula não desistir da campanha, aquela análise da Folha de migração de votos é totalmente inútil, porque uma coisa é transferência de votos, de saber para quem vai o voto. A outra coisa é o Lula estar em campanha, loucamente aparecendo na TV até o dia 17 de setembro, quando se dá o limite do registro das candidaturas para inclusão na urna, o TSE indefere o Lula. 15 dias depois o Lula sugere qualquer outra pessoa do PT ou de um partido aliado para ser o candidato dele e cola nele a imagem. A taxa de transferência vai ser muito maior do que a que a Folha está apontando.

A minha hipótese é a de que o Lula disputa o primeiro turno e a sombra de Lula disputa o segundo. Na minha opinião vai acontecer isso. A transferência na hora do limite é bem diferente do que em qualquer momento antes disso. Ainda está muito cedo. Se o Lula puder fazer campanha no primeiro turno e ficar impedido no segundo, ele vai transferir votos suficientes para um candidato ou candidata conseguir atingir o segundo turno. Essa é minha hipótese. É a minha torcida? Não. Estou dizendo que essa é a minha hipótese porque tem muita coisa para acontecer até lá e o PT tem uma enorme máquina partidária. O partido tem uma estrutura partidária muto forte.

Sem contar que é o segundo partido que mais vai receber verba do novo fundo de campanha.
E não é só verba. Estou falando que tem centenas e centenas de comitês em cada município. São pessoas que vão estar com sangue nos olhos para ver o candidato delas disputando. Acho muito difícil o PT abrir mão do Lula. E se prenderem o Lula, é tudo o que a campanha quer.

Só fortalece o discurso de que ele seria um preso político e que teria sido injustiçado pelo Judiciário.
Escrevi em um outro texto há um tempo que se o Lula não for preso ele faz campanha como mito, para mitificar. “Olha, eu vou ser preso em breve, mas eu estou aqui.” Agora se o Lula for preso ele vira mártir. Aí é pior ainda porque o pessoal passa ao voto radical. “Ah! Mas você está torcendo…” Não estou torcendo por nada. Estou fazendo uma análise fria do que deve acontecer. Acredito que a chance é grande de acontecer dessa forma.

Mas se você tivesse feito essa análise neste momento em uma TV ou rádio ao vivo, você seria taxado de esquerdista ou petista.
Sim por conta da polarização. O problema é que nós temos muitos veículos em que a tendência é a da análise única. Acredita-se que uma análise divergente está equivocada. Não. Ela não está equivocada. Aliás, o Brasil infelizmente padece da falta de análises divergentes. Nós deveríamos ter muitas análises divergentes. Porque quanto mais análises divergentes maior é a pluralidade. E quanto maior a pluralidade maior é a chance de você construir uma visão que seja menos equivocada do que vai acontecer.

Se convencionou a falar-se muito no termo “fake news”. Tanto que já há grupos, inclusive políticos como o Trump, que tentam se apoderar da expressão para criticar aquilo que não é positivo para ele e seu governo. O Bolsonaro e o próprio PT fazem isso quando se sentem atacados pela imprensa. Há a necessidade de se fixar à ideia das “fake news”?  É de fato uma coisa séria, porque nova de fato não é? A informação falsa para tentar difamar determinado político ou grupo partidário sempre existiu.
Tem que separar algumas coisas. É claro que desde a Roma antiga existe a fofoca, quando havia boatos circulando para criar problemas a determinadas pessoas, grupo político, social ou econômico. Muitas pessoas alegam que notícias falsas sempre aconteceram. Tudo bem. Mas quando na história da humanidade todas as pessoas de um país eram potencialmente produtoras de notícia e faziam circular o conteúdo que elas produziam em tempo real atingindo uma rede de milhões de pessoas? Quando isso aconteceu com tanta instantaneidade e alcance? Até recentemente a informação era uma commodity na mão de poucos. Agora a informação é uma coisa na mão de muita gente.

E as pessoas, de uma forma inadvertida ou não, até com má fé, acabam produzindo conteúdo que é propositadamente criado com o objetivo de se travestir de uma notícia, ou seja, se vestir dentro de uma camada de verdade que a população tende a acreditar devido à credibilidade relativa da imprensa. A população tende a acreditar que quando o conteúdo é travestido em formato de notícia, eu li e é verdadeiro. Quando aquele conteúdo ele veste uma roupa de notícia, os fatos que ele traz são verificáveis e fidedignos. E a história não é bem assim.

Existe um fenômeno – notícias falsas, desinformação, o nome que queira se dar -, com o objetivo de produzir esses conteúdos travestidos de notícia em um contexto que você possa difundir isso aos milhões em tempo real e sem se preocupar que depois de 24 horas seja desmentido. Porque até lá as pessoas já formaram opinião. As pessoas até contam com isso. Temos um fenômeno que é novo sim, essa situação é nova e eu não sei quanto tempo vai levar para que nós possamos reduzir o impacto dessa situação.

É uma situação nova de difusão em massa, instantânea, e tendo como base esse objetivo é algo novo. O impasse é novo e as consequências são relativamente novas também. É bem diferente do que acontecia há 200, 100 ou 50 anos. “Ah! Mas a TV tal já manipulou. A rádio tal já manipulou.” Tinha um alcance grande? Tinha. Mas a diferença é que agora você faz isso a todo momento. Surgem centenas de conteúdos com o objetivo de manipular a informação e são divulgados. Mas são centenas, e não é só um assunto.

Não há mais a necessidade de se esperar o horário de um telejornal a noite, por exemplo, para que haja a possibilidade de se difundir uma informação com intuito de manipular. Essa produção de informação é intermitente, pode acontecer a qualquer horário por qualquer pessoa.
A Globo pode, todo mundo pode, qualquer veículo pode. A única diferença é que agora é em massa. É muita coisa, muito conteúdo. E não é só uma ou duas, vem de todos os lados a todo momento. E há um elemento novo desse fenômeno que as pessoas não consideram. Esse fenômeno que as pessoas falam especificamente, das “fake news”, tem a ver também com fontes que são anônimas, que não assinam, que não se sabe de onde veio, que não se sabe qual é o site, quem está por trás. Nos veículos tradicionais você consegue definir, processar e culpar inclusive. A manipulação do debate do segundo turno de 1989 entre Collor e Lula é reconhecida. Você pode culpar historicamente por causa disso.

O ponto é que tem gente que não vai acreditar e vai dizer que isso é bobagem, que não existe e que é para controlar. O fenômeno existe. Há também a apropriação desse fenômeno. Nós fizemos uma parceria, eu e outros dois professores de Jornalismo – Rodrigo Ratier, da Faculdade Cás­per Líbero, e Ivan Paganotti, da USP – tivemos um apoio para produzir um curso on-line voltado para ajudar as pessoas a fazer o letramento midiático e identificar notícias falsas. O nome do curso é até simpático. Ele é voltado para jovens. Se chama “Vaza, Falsiane”.

O curso já foi criado?
O curso ainda vai ser feito, um dos parceiros é o Facebook, e vai ser lançado em junho, chamado de “Vaza, Falsiane”. A ideia é empregar as ferramentas. O interessante é que por um lado teve uma repercussão super positiva entre alguns grupos, mas por outro lado teve uma repercussão muito negativa por determinados grupos que não gostam de mim, como grupos de extrema direita, que dizem “o rei da ‘fake news’ vai ensinar o que é e o que não é ‘fake news'”.

E é engraçado que meus amigos de direita falaram “você é o rei da ‘fake news’, mas você luta contra isso no dia a dia”, meus colegas de veículos tradicionais que têm um posicionamento diferente do meu. Por que isso? Porque tem gente que não quer que isso seja discutido. Essa é a verdade. Tem gente a direita e a esquerda que não quer que isso seja discutido. Se tem grupos que querem taxar, menosprezar e tirar a credibilidade de alguém, chamam aquilo de “fake news”. “Ah! O Sakamoto faz ‘fake news’. A Folha de S.Paulo faz ‘fake news’. A Globo faz ‘fake news’.”  Esses mesmos grupos chamam o Facebook de “Foicebook”, de empresa comunista. Olha que risível! Como que o Facebook, a maior empresa do mundo, é comunista?

É uma ação boba, mas é um contra-ataque. O pessoal faz isso porque tem medo. Eles podem até não produzir notícia falsa, mas eles estão em uma guerra digital. Eu não estou em guerra digital. “Mas você só fica postando coisa que com contexto de esquerda.” E aí entra novamente a bolha. Olha que interessante! Os meus textos críticos à esquerda a direita não recebe. E os meus textos críticos ao outro lado a esquerda não recebe. As pessoas acham algo e começam a criticar “mas você nunca criticou a Dilma na questão ambiental ou o caso Belo Monte”. Eu escrevi 115 textos sobre o assunto. “Impossível você ter escrito 115 textos.” Joga no Google. É quando a pessoa descobre.

Ela não recebe. O algoritmo impede. Aí a pessoa acha que você só fala de um lado ou de outro. O Trump produz notícias falsas? Toda hora. O que acontece é que, no final das contas, a palavra “fake news” começou a ser usada pelo Trump. Como ele foi acusado disso lá atrás, ele começou a utilizar contra o que ele não concorda. O que acabou banalizando o termo. Mas se a pessoa quiser chamar de outro nome, pode chamar do que quiser. Pode chamar de notícia pão, notícia brioche, notícia placa, notícia tinta. O ponto é que aquela notícia está sendo usada para gerar desinformação.

“E o curso que você vai fazer com os outros professores de Jornalismo é um curso para ensinar o que é verdade e o que é mentira?” Não. De maneira alguma. Da mesma forma que eu não quero ver o Estado me ensinando o que é verdade e o que não é, eu não quero me arvorar de falar o que é verdade e o que não é. Eu quero que as pessoas tenham instrumentos e subsídios para questionar. O problema é que nem todo mundo quer. Normalmente quem fica chamando tudo de “fake news”, não é que é um produtor de “fake news” ou não, mas são pessoas que não querem as pessoas questionando.

Normalmente é quem não quer ser confrontado com a verdade ou com um fato diferente daquilo que a pessoa acredita.
Exatamente. Quem não quer ser confrontado com uma realidade daquela que gostaria de cultivar.

Nesse cenário caótico em que quase todo mundo tende a ser pessimista em um momento em que as pessoas ficam depressivas se postarem uma foto no Instagram e meia hora depois não tiverem mais do que 15 curtidas pelo menos para não se sentirem mal, você tem se mostrado otimista, inclusive no seu livro. É possível ser otimista nesse momento que você chama de adolescência digital?
Acredito que sim. Até porque se você for ser pessimista então você não sai de casa, porque a internet nos circunda, as redes sociais nos envolvem e elas se conectam o tempo inteiro. Se a gente tiver que ser pessimista a gente literalmente não vai sair de casa. Não tem como. A gente tem que ser otimista com relação ao futuro disso. As redes sociais vão se transformar em outras coisas, mas ela vão estar aí. As pessoas falam muito no Facebook, mas a rede social que tem o maior risco de manipular em massa e de forma invisível é o WhatsApp. O WhatsApp é uma rede fechada. O Twitter, Facebook e Instagram bem ou mal você vê o que está acontecendo. O WhatsApp tem um monte de listas fechadas que você não vê. As pessoas se informam via WhatsApp no Brasil e confiam nas suas fontes.

E ainda tem um risco grande no WhatsApp que é quando a pessoa em um grupo mostra, comprova, que aquela mensagem que a pessoa compartilhou é falsa, ela se torna a chata.
Não só isso, como as pessoas na verdade não gostam, quando erram ou compartilham conteúdo falso, de ser apontadas porque perdem credibilidade dentro do grupo. Então essas pessoas são chamadas de chatas. Alguém pega uma informação de um grupo e passa para outro, aí alguém diz “desculpa, essa informação é falsa”. A pessoa não vai mais passar para aquele grupo porque ela tem medo de as pessoas nunca mais confiarem nela. Ela vai evitar ser corrigida, porque ela não percebe o potencial de merda que é você divulgar uma informação equivocada, errada. Ela não entende o potencial.

Eu acho que a gente está na adolescência, já passou pela infância, descobriu os instrumentos, para que os instrumentos digitais servem e agora a gente está usando eles loucamente sem muita responsabilidade. A gente tem que incutir responsabilidade para que as pessoas saibam os impactos daquilo que elas produzem ou que compartilham. Elas vão ter que entender que esse lugar quentinho do like vai ter que ser deixado de lado, porque muitas vezes mais vale você não tweetar ou compartilhar algo do que você ganhar like com algo que claramente não é verdade, com algo que não é fato.

Sem contar a dependência digital, que causa o problema da ansiedade conectiva do “fear of missing out” (medo de perder algo), de deixar passar algo. E por outro lado tenta-se entender hoje por que os executivos das redes sociais têm se afastado cada vez mais do uso delas enquanto as pessoas têm se tornado cada vez mais dependentes.
Exatamente. É viciante. O like é um lugar quentinho. Se você viaja e em um lugar bonito, tira umas fotos lindas e ninguém curte as suas fotos, você vai ficar desesperado achando que não é querido, vai ficar bravo com seus amigos. Isso porque você não teve uma validação coletiva daquele conteúdo. Só que a validação coletiva não estava lá. Você precisa de encontrar outras formas de validação das suas vivências. Nós vamos ter de ganhar responsabilidade e maturidade na relação com o digital com os outros. Lembrando que a relação digital nos aproximou dos outros de uma forma muito intensa e forte. Nós nos aproximamos um dos outros encurtando distâncias e tempo.

Só que existe um processo que nós vamos ter que ganhar com isso, que é a maturidade. Vamos ter que aprender com esse nosso próprio sofrimento. E esse nosso sofrimento vai nos levar à maturidade. Eu espero. Certeza absoluta? De maneira alguma. Mas eu espero que consigamos maturidade e que vençamos essa parte. Agora responsabilidade e maturidade também vão ter que ter as plataformas digitais que hospedam as redes sociais. As grandes empresas também. Não é uma coisa que vai ter de ficar simplesmente não mão do usuário.

Não para elas decidirem o que é verdade ou mentira, mas serem responsáveis inclusive os grandes difusores de ódio e intolerância, que vão ter de ser criticados, de forma a conter o conteúdo falso difundido para promover ódio e intolerância principalmente contra populações vulneráveis. E a responsabilidade também com relação ao impacto das suas atividades. As plataformas vão ter que pensar. Caso contrário elas vão sofrer regulação. E elas não querem isso. O Facebook está fazendo alguma coisa para evitar essa situação. Vamos ver se funciona o que ele está propondo e o que acontece em relação às outras plataformas.