Reitora exalta a forma com que a comunidade lidou com nomeação conturbada pelo MEC. Permanência de estudantes e graduação terão prioridade

Professora Angelita Pereira de Lima, reitora da UFG, concede entrevista à equipe do Jornal Opção na redação | Foto: Fernando Leite / Jornal Opção

Elder Dias, Italo Wolff e Marcos Aurélio Silva

Uma verdadeira “prata da casa”, como se diz no futebol. Assim se poderia falar sobre a professora Angelita Pereira de Lima e sua relação com a Universidade Federal de Goiás (UFG), instituição pela qual se graduou em Jornalismo (1987), se tornou mestra em Educação (2001) e chegou ao doutorado, em Geografia (2013). Até janeiro, ela ocupada a diretoria da Faculdade de Informação e Comunicação (FIC), unidade em que está lotada desde 2002.

Seu nome foi colocado em terceiro lugar na lista tríplice enviada ao Ministério da Educação após a consulta à comunidade acadêmica que escolheu a professora Sandramara Matias Chaves como reitora a partir deste ano. O governo federal, ainda que amparado pela lei, resolveu não seguir o acordo não escrito de referendar o primeiro nome da lista e sinalizou para Angelita. Ainda que atônita, após discussões da própria comunidade da UFG em que essa foi considerada a melhor saída, ela tomou posse como reitora.

Depois do processo conturbado de nomeação, ela se preocupa agora em cumprir com o planejado com o grupo eleito – o qual ela integrou desde o início. Nesta entrevista ao Jornal Opção, ela cita o foco na graduação e políticas públicas para reduzir a evasão de estudantes como duas de suas principais metas para seu mandato, que vai até 2026.

 Marcos Aurélio Silva – Ainda restou algum ruído em relação à escolha de seu nome para a Reitoria ou é um processo já superado?

Tanto do ponto de vista da comunidade acadêmica como em relação à comunidade externa, foi uma questão compreendida. Não posso dizer que seja uma questão superada, porque “superar” é normalizar uma situação que estamos vivendo e que não é a convencional. O fato de a terceira pessoa da lista ter sido a nomeada não representa o que era esperado pela comunidade acadêmica, que seria a nomeação do primeiro nome, da professora Sandramara Matias. O que posso dizer é que, pelos retornos que recebemos, há uma compreensão de que, diante do inexorável, ainda que dentro da legalidade, sem possibilidade de reversão do quadro nem de uma reação política – até porque não havia tempo para isso –, a melhor saída acabou sendo eu assumir a Reitoria e conduzir o processo. Essa foi a compreensão da comunidade. Não assumir poderia abrir brecha para judicialização ou algum tipo de nomeação vertical fora da lista e da própria comunidade acadêmica.

Elder Dias – Isso chegou a ocorrer dessa forma?

Sim. A Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) está há três anos com reitor “pro tempore” após uma situação como esta.

Marcos Aurélio Silva – Seria uma espécie de interventor?

Exatamente, é um interventor, um “pro tempore”. A UFG foi a vigésima universidade em que, neste governo, o primeiro nome da lista tríplice não foi acatado pelo Ministério da Educação (MEC). Por isso, diante da situação, o que nós ouvimos das pessoas é que a melhor saída foi a que encontramos. Participei do processo da consulta acadêmica como apoiadora do grupo vencedor, também como coordenadora do GT de Mulheres da comunidade acadêmica. Componho de certa maneira, portanto, o projeto que está sendo implementado. Isso contribuiu para que fosse produzida uma confiança interna e manter o processo de transição da maneira mais concatenada com o projeto original – tanto que não tivemos nenhum retrocesso, ninguém disse “nesse contexto eu não vou”. De quem estava junto não teve nenhum recuo. Isso é uma demonstração de força interna e maturidade sem tamanho. A UFG hoje é uma instituição secular e madura, amadurecida em seus processos internos e essa ocorrência foi a grande comprovação disso.

Elder Dias – Podemos dizer que dos males foi o menor?

Não podemos trabalhar com o menor mal. Não estamos nessa perspectiva. Do ponto de vista estratégico, coube a nós tomarmos uma decisão e acreditamos que foi a melhor decisão. Externamente, seja nos espaços públicos de poder e de outras instituições ou de egressos da universidade, o que ouvimos em geral foi que todos ficaram felizes com a saída que encontramos. Além de assumirmos, fizemos uma composição que mantém a professora Sandramara como assessora especial, o que é extremamente importante para nós, porque ela carrega o legado desse processo e generosamente o coloca a serviço da universidade e da gestão. O professor Edward [Madureira Brasil, cujo mandato como reitor da UFG se encerrou em janeiro] também permanece na equipe como assessor de Articulação Interinstitucional porque também tem um legado e também o põe a serviço. Para mim, é uma demonstração de grande maturidade, de que os governos passam e as instituições ficam. A UFG fica mais forte atravessando a pandemia. Estamos vencendo o vírus, graças à ciência, graças à vacina, graças à instituições como a universidade. Precisamos vencer, agora, o obscurantismo.

Elder Dias – Como estão as medidas sanitárias na UFG para o retorno presencial das aulas?

Na aprovação das atividades para o próximo semestre, que se iniciará no dia 25 de maio, a nota técnica do COE [Comitê Operacional de Emergência] e do GT [grupo de trabalho] de Saúde recomenda que não tenhamos mais o distanciamento em sala de aula. Porém, na UFG não vamos adotar a diferenciação entre espaço fechado e espaço aberto para o uso de máscaras, que está mantida. A combinação é esta: máscara utilizada o tempo todo, com o menor tempo possível de reunião com muita gente e o máximo de circulação. Juntando isso com a vacinação, que segue necessária para frequentar o espaço da universidade, o distanciamento se torna flexibilizado.

Elder Dias – Então, dentro do espaço da UFG, não valerá as regras do município, que liberou o uso de máscaras, por enquanto?

Explico o porquê: quando se fala em UFG, quem estudou no Campus Samambaia é pensar apenas naquele espaço. É preciso, porém, lembrar que temos a unidade do Campus Colemar Natal e Silva [na região central da capital, nas imediações da Praça Universitária], o campus da cidade de Goiás, em Aparecida de Goiânia, na FCT [Faculdade de Ciência e Tecnologia], que ainda funciona em uma unidade por empréstimo da UEG [Universidade Estadual de Goiás], até que nos mudemos para o prédio novo. E ainda temos mais dois campi que não têm atividade de ensino, que são os de Caldas Novas e de Firminópolis. Temos de pensar em toda essa complexidade de espaço.

Se adotássemos a regulação de Goiânia, por exemplo, teríamos de pensar que na cidade de Goiás podemos ter regras diferentes. O mesmo vale para outros municípios. Isso nos dá autonomia para fazer uma orientação própria para a UFG. E o que temos é isto: não vamos trabalhar com duas categorias para uso de máscara, ou seja, podendo em alguns espaços e não em outros, porque isso dificulta muito a fiscalização. Não vamos criar essa confusão. Então, ao entrar na área da UFG é preciso usar máscara.

Obviamente, como tudo que fazemos, tudo tem um “P.S.” ao final: será assim, se mantidas as condições sanitárias e epidemiológicas favoráveis. Se tudo melhorar, em algum momento vamos revisar as regras; se, infelizmente, houver algum retrocesso na pandemia, obrigatoriamente teremos de revisitar essas orientações. Dessa forma, vamos garantir a retomada plena da presencialidade – e note que estou usando o termo “plena” e não “100%”, que daria uma totalidade inequívoca que não existe numa pandemia, já que temos as excepcionalidades por lei, como os servidores com comorbidades ou mais de 60 anos.

Outra observação é que há laboratórios com suas especificidades, bem como algumas unidades acadêmicas da mesma forma. Cada caso vai ser avaliado por sua respectiva direção, com autonomia. Se em determinado laboratório cabem dez pessoas, mas é hermético, onde não é possível abrigar essa lotação com segurança, os responsáveis pelo local vão verificar qual é a melhor maneira para seu uso. Gestão se faz principalmente com bom senso. Regulação, normatização e bom senso, senão não seguimos adiante.

Elder Dias – A sra. considera que a UFG sai mais fortalecida como instituição diante da sociedade, depois desse período de pandemia?

É uma pergunta difícil de responder dessa forma, porque assim fica parecendo que estaríamos tirando proveito de uma situação trágica para toda a sociedade, não poderia responder dessa maneira. Tendo feito essa observação, o que posso dizer é que felizmente, na situação de pandemia, mesmo sem ter sido preparada para enfrentar um quadro assim, a universidade pôde demonstrar seu potencial e seu compromisso com a sociedade. Houve duas instituições que se fortaleceram por sua atuação social nestes tempos. Além da universidade, a outra foi a comunicação, em especial, o jornalismo, exatamente porque o obscurantismo e o negacionismo foram alimentados por um pensamento descolado da realidade – algo como mostrando no filme “Não Olhe Para Cima”. A apuração do jornalismo para contrapor a esse cenário foi uma ferramenta essencial. Nunca foi tão necessário obter métodos de apuração para além do jornalismo declaratório. Não se pode simplesmente dar uma manchete de um representante da área de saúde dizendo que vacina não funciona, contradizendo o que diz a ciência e a realidade.

Marcos Aurélio Silva – A UFG desempenhou papel essencial em várias demandas da crise sanitária: os testes para detecção, a manutenção de respiradores, o grupo de modelagem. Foi uma instituição que sempre se mostrou presente durante estes anos.

Durante a pandemia, a universidade se mostrou proativa e pôs seus cérebros, seus melhores talentos, bem como seus laboratórios para funcionar à disposição da sociedade. Foi algo que o professor Edward fez muito bem: da confecção de máscaras aos superfreezers, a instituição se envolveu com as demandas que apareceram no decorrer. No momento mais trágico, de maior emergência, quando tudo parecia entrar no caos, sem estrutura, a UFG estava lá, consertando respiradores para que eles fossem colocados em uso. Fizemos ações de todo tipo, das que alguns considerariam as mais triviais às mais sofisticadas. Nossa professora do IPTSP [Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública] Cristiana Toscano foi chamada a integrar um grupo de pesquisa sobre vacina da OMS [Grupo Estratégico Internacional de Experts em Vacinas e Vacinação da Organização Mundial de Saúde]; o Comitê Operacional de Emergência (COE) subsidiou tanto a Prefeitura de Goiânia como o governo estadual nas tomadas de decisões, com análise e acompanhamento dos dados; também o desenvolvimento de um teste rápido, o RT-Lamp, pela professora Gabriela Duarte, do Instituto de Química (IQ); e tantas outras ações.

Tudo isso nos abriu a possibilidade de ampliar a credibilidade da UFG como não só aquele lugar de formação profissional mas também como um local de elaboração de pensamento, de pesquisas, de soluções para a sociedade. Vivemos uma tragédia e a universidade cumpriu seu papel, buscando ampliar ao máximo suas parcerias nesse intuito. Nesse contexto, posso dizer que a universidade se fortaleceu: tornou-se mais conhecida, ganhou credibilidade e, em determinado momento, foi um porto, um amparo, apontando um caminho para instituições e para pessoas, individualmente, também.

Para entrar nessa situação desafiadora com credibilidade, primeiramente precisamos superar a barreira da linguagem científica restrita aos laboratórios, aos ensaios. Tivemos de encontrar outras formas de dizer coisas com uma linguagem mais familiarizada a pessoas que não a vivência da academia. Hoje, em todas as áreas da ciências, sabemos que é necessário desenvolver processos de comunicação que dialoguem de maneira mais eficaz com a sociedade, de modo que, além de superar o obscurantismo, isso nos garanta não repetir uma situação como essa.

Italo Wolff – E o que fica para a UFG no pós-pandemia?

Na pandemia, eu vivi, como gestora de unidade acadêmica, o movimento de ir para o ensino remoto. O mundo tecnológico estava posto e, por outro lado, temos de compreender que a universidade é uma instituição secular. Essa secularidade aponta para algum conservadorismo que não necessariamente é ruim. O conservadorismo, em seu sentido mais tradicional, não é contra o progresso. A UFG é uma instituição que tem mais de 60 anos. Ocorre, então, que temos muitos professores mais velhos, que não vivenciaram totalmente essa era tecnológica, e muitos docentes jovens, principalmente os que ingressaram a partir do Reuni [Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, lançado em 2007]. Tivemos tudo isso na mesa. Alguns setores da universidade viveram de forma mais tranquila essa passagem para o ensino remoto, mas, em grande medida, os estudantes, que – eles, sim –já são nativos digitais, puderam dar suporte a seus professores. Isso reduziu a insegurança nessa relação e prova que o conhecimento não é unidirecional, ainda que possa parecer desconcertante.

O ERE [ensino remoto emergencial] foi uma saída para atender à pandemia com prazo determinado. O ensino remoto foi, de certa maneira, uma transposição da forma secular. Obviamente, alguns docentes, alguns setores e algumas áreas de conhecimento avançaram em metodologias – os games, hoje, fazem parte do ensino. Mas isso é diferente da EaD [Educação a Distância], que tem uma regulamentação própria. Talvez a EaD venha a passar por modificações a partir das experiências do ensino remoto, porque ela mantém, em sua maioria, as atividades síncronas – ou seja, feitas ao mesmo tempo – de forma mínima. O mais comum são aulas gravadas, em ambiente controlado, de estúdio, com material didático produzido para o ambiente virtual de aprendizagem (AVA). Em suma, não foi a aplicação da EaD que se deu na pandemia, foi o ensino remoto.

Italo Wolff – O que a EaD ganha a partir da experiência do ensino remoto?

Com certeza, teve muita coisa produtiva e algo disso ficou evidente. A UFG foi protagonista de um projeto nacional a partir da Andifes [Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior], o Promover, uma possibilidade de estudantes fazerem disciplinas em qualquer das universidades integradas no programa. Ou seja, uma aluna da UFG, de Goiânia, pôde se matricular em uma disciplina no Rio Grande do Sul, ou de alguma universidade do Nordeste. Isso só é possível pela mediação tecnológica.

Elder Dias – Foi um tipo de programa de mobilidade estudantil virtual?

Exatamente, uma mobilidade que se deu pela impossibilidade de termos a forma convencional de mobilidade, por estarmos em isolamento social. A mediação tecnológica permitiu que isso fosse feito com qualidade e isso com certeza vai permanecer e ter impacto nos PPCs [projetos pedagócios de curso].

A burocracia também mudou de lugar, com reuniões mediadas. É preciso, por outro lado, também reconhecer o cansaço que esse tipo de atividade de trabalho e estudo produziu. Há desgaste físico e emocional. No pós-pandemia, tudo isso deverá sofrer uma espécie de acomodação, com uma esperança boa, pela qual almejamos combinar o que foi acumulado de experiência com outros avanços, de acordo com o que discutimos em termos de dificuldades.

Marcos Aurélio Silva – E quais seriam essas dificuldades?

Por exemplo, a inclusão de estudantes indígenas em suas aldeias. Tivemos dificuldades com o acesso a computador, com sinal de internet. Porém, passamos também a discutir a dificuldade de inclusão para estudantes que usam um sistema de transporte no qual ele gasta duas horas para o deslocamento até a faculdade. Isso mostrou outra face da inclusão e do acesso à universidade. Tudo isso nos fez amadurecer.

Marcos Aurélio Silva – O que se revelou como um ponto fraco ou algo que se tornou mais gritante neste período de pandemia e agora precisa ser visto com mais atenção?

Vou citar um problema que já existia e que vai permanecer no pós-pandemia: a evasão. Esse é um grande desafio, mas não apenas por causa da universidade, mas pelas condições de vida de nossos estudantes. Durante a pandemia, muitas pessoas e famílias perderam emprego e renda; ou, no sentido contrário, algumas pessoas encontraram outras possibilidades de mercado ou de acesso ao trabalho, o que lhes tomou integralmente o tempo. A universidade acabou se tornando secundária para esse contingente. Um dos grandes objetivos no pós-pandemia é enfrentar esse problema da evasão.

Italo Wolff – Quais são os dados de hoje da evasão?

Nós ainda não temos os dados atualizados porque vamos terminar o semestre em abril. Vamos esperar as matrículas para o ano letivo de 2022, que começa em maio. A partir daí, poderemos ter uma comparação mais eficaz. De qualquer forma, já vemos perceptível um aumento da evasão e uma necessidade de busca ativa.

Elder Dias – Como seria essa busca ativa?

Por exemplo, se o estudante precisa trancar matrícula e não faz o procedimento, para que ele não perca a vaga, vamos atrás dele. Isso acaba por reduzir o impacto da evasão. É bom ressaltar que grande parte de nossos atuais discentes entraram na universidade durante a pandemia. Muitos ainda nem pisaram na faculdade. Então, têm muitos que nem sabiam que precisariam renovar a matrícula semestre a semestre. Descobrimos muitos nessa condição – o que é até compreensível, já que não há o convívio com os pares, a presença do centro acadêmico, então o processo de sociabilidade fica afetado.

Um outro problema importante na evasão é a retenção. Quando a pessoa começa a ficar retida muito tempo no curso, isso causa um impacto, porque ao fim de quatro anos, formamos uma quantidade reduzida, porque muitos ficaram para trás. Um dos elementos das retenções são as disciplinas com pré-requisitos, que são amarradas a anteriores que são obrigatórias, tornando o fluxo muito lento. Outra questão é a dificuldade particular do conteúdo em algumas áreas – é o caso de Matemática, Física, Estatística –, que tem também impacto na reprovação.

Marcos Aurélio Silva – A evasão acaba sendo um problema crônico, não?

Sim, é verdade. A evasão ocorre tanto nas instituições privadas como nas públicas. Nessas, o problema costuma ter a ver com as condições de permanência dos estudantes. Em boa parte, isso tem a ver com as próprias condições de existência do discente. Por isso, a universidade desenvolveu, ao longo do tempo, uma série de estruturas e programas de apoio à permanência, desde os restaurantes universitários, as casas do estudante, os subsídios etc. A partir da possibilidade de circulação nacional com o Enem [Exame Nacional do Ensino Médio] e com o Sisu [Sistema de Seleção Unificada], o apoio aos discentes precisa ser muito mais eficaz, porque recebemos muitos que não tem nenhuma rede de apoio. Isso tem muito impacto. Claro que tem outros elementos, como o desencantamento, a frustração com a escolha, mas isso tem um impacto menor.

O que acaba sendo fundante para uma evasão significativa são as condições de permanência na universidade, o que é um desafio, porque o combate depende de recursos. Existe o Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes) e, a partir dele, temos o desenvolvimento de bolsas. Hoje temos pensado em outras perspectivas. Por exemplo, o apoio às mães estudantes tem um impacto importante na permanência. Da mesma forma, temos agora um subsídio à moradia quando onde há vagas suficientes nas casas do estudante. Há também outras bolsas, como o incentivo à pesquisa, por exemplo.

“A prioridade da UFG é a graduação. Priorizar a graduação é criar mecanismos de pertencimento dos estudantes à universidade”

Italo Wolff – Como está a procura da UFG por estudantes de outros Estados?

A UFG é uma das instituições mais procuradas pelo Sisu. Tivemos uma ocupação de 85% de suas vagas este ano. Na primeira chamada, a confirmação caiu, mas agora, na terceira chamada, superamos o índice e estamos com ocupação de quase 90%. Somos uma instituição muito procurada e isso tem a ver com o modo com a UFG é vista na rede nacional, mas também com o modo como recebemos seus estudantes. Nesse sentido, temos programas específicos para acolher, como foi o caso o Pronera [Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária], para oriundos de áreas de assentamentos e reforma agrária, que não existe mais, mas ainda tem turmas. Temos quilombolas e indígenas com direito a vagas extras nos cursos pelo programa UFG Inclui. Isso, claro, impõe desafios maiores para a permanência e o combate à evasão, afinal, assistimos uma população muito diversa.

Quero dizer também que a prioridade da UFG é a graduação. Priorizar a graduação significa criar mecanismos de pertencimento dos estudantes na universidade. Quanto maior a sensação de pertencimento, menor a chance de o estudante evadir. Talvez precisemos criar mecanismos para afastar essa sensação de descolamento, de ser um estranho no ninho. Isso pode ocorrer, creio eu, com ações culturais – o que torna importantes as atléticas e agremiações. Da mesma forma, os estágios, os projetos científicos em geral, as iniciações científicas. É fundamental se sentir pertencente, participante e criativo no lugar que é a universidade. Tudo isso contribui para combater a evasão e tornar a graduação uma prioridade.

Aqui, vou para outro ponto: a universidade é vista, de forma mais valorizada, a partir do resultado da pesquisa que os professores realizam. Isso gera uma falsa ideia de que a universidade existe pela pós-graduação. Só que a atividade fim da universidade é a graduação. Priorizar a graduação é valorizar o docente, até porque se faz pesquisa também na graduação. Essa é uma ação que, no conjunto, ajuda também a combater a evasão: se temos docentes que se sentem valorizados e pertencentes quando atuam na graduação, também os estudantes, nesse processo de pertencimento e com esse ambiente acadêmico de produção e elaboração do conhecimento – não só isso, mas ainda da vida criativa, de valores éticos e morais vinculados à própria existência –, isso tudo conforma um ambiente que transforma vidas. No fim, tudo isso colabora muito para combater a evasão.

Elder Dias – Na atual gestão foi criada a SIN [Secretaria de Inclusão]. Qual é a abrangência dessa nova secretaria?

Esta gestão, que começou no dia 11 de janeiro, está muito antenada a certas questões, porque o plano para a gestão foi elaborado durante o processo da consulta acadêmica que levou à eleição a professora Sandramara Matias, que infelizmente não foi nomeada. Temos um conjunto de ações impactantes a ser implantadas. São problemas a enfrentar, como assédio moral e sexual, dificuldade de acessibilidade, casos de discriminação etc.

Nesse sentido, foi criada a SIN. Além de uma Diretoria de Ações Afirmativas, criamos também uma Diretoria de Acessibilidade, porque cada vez mais a universidade recebe estudantes com algum tipo de deficiência e que precisa ter alguma atenção para sua permanência. Criamos também a Diretoria de Mulheres e Diversidades para propor ações de ampara a mulheres em suas singularidades e especificidades – as mães estudantes, as mães com deficiência, as mulheres negras, as mães trabalhadoras. Há um conjunto de demandas dessa população diversa que precisa de atenções muito específicas. Entendemos que, novamente, isso é um conjunto de demandas dessa população que, atendidas, leva a garantir condições à permanência no campus.

“Não existe servidor público que trabalhe com tanto amor por sua instituição como docentes e técnico-administrativos da UFG”

Marcos Aurélio Silva – Vivemos um tempo em que há afrontas oficiais em polêmicas que já deveriam ter sido superadas, como racismo, políticas para mulheres e outras questões sociais. A impressão que às vezes se tem é de que a UFG não está presente nesses debates. A sra. vê também assim, de certa forma?

A UFG pode até não estar institucionalmente presente, mas se coloca de várias outras formas, como com suas pesquisas, por exemplo. O Necrivi [Núcleo de Estudos sobre Criminalidade e Violência] tem um projeto junto à Prefeitura de Goiânia para criar um observatório em seu subnúcleo Necrivi Feminicídio. Não há hoje dados oficiais no município sobre as mulheres. Esse, então, é um projeto que vai ajudar nas políticas públicas dessa área. Se fizermos um levantamento sobre as pesquisas em Goiás realizadas em graduação, mestrado e doutorado, vamos ver como a universidade é protagonista nisso. Eu mesma participo de três iniciativas assim.

Atualmente, temos duas ações importantes nesse aspecto. Uma delas é o Sempre UFG, que tem a perspectiva de manter o vínculo com os egressos da instituição. A ideia é de mostrar que o que é produzido no trabalho dessas pessoas tem algum lastro com a UFG. Outra ação é a Associação de Egressos, também na mesma linha, que surgiu para nos fortalecer frente aos ataques, inclusive institucionais, contra as universidades e seus servidores públicos. Não existe servidor público que trabalhe com tanto amor por sua instituição como docentes e técnico-administrativos da UFG. Para termos o lastro que temos, é preciso ter muita gente comprometida, e isso vai, numa pesquisa, desde o desenvolvimento de ideias à prestação de contas. Isso toma todo o tempo de nossa vida, quem é pesquisador ou pesquisadora, professor ou professora, sabe que isso é nossa vida inteira, dedicada a isso. Talvez a universidade não seja vista porque não é apresentada dessa forma, mas sempre está presente, sim.

Italo Wolff – Existe algum projeto que a sra. gostaria de ver especialmente realizado em sua gestão?

Essa compreensão de que a graduação é prioridade para a UFG é uma marca importante. Não tem nada a ver com desqualificar a pós-graduação. Ao contrário, a força da pós-graduação vem de uma graduação forte, porque é de lá que saem os estudantes que estarão nos programas de pós. Muitos dos egressos da graduação da UFG hoje são cientistas, pensadores e lideranças.

Outra questão que nos importa muito é o fortalecimento da visibilidade das mulheres como protagonistas da universidade. Temos uma pós-graduação muito forte, reconhecida, com um nível de produção acadêmica e publicação de artigos extremamente alto e muito bem ranqueado. Agora precisamos dar atenção a outro eixo, do ponto de vista da graduação: é o da especialização “lato sensu”, para responder a demandas mais imediatas – dos nossos egressos ou não – e para o mercado de trabalho, que pede atualizações. É um tipo de pós-graduação que se oferece de forma mais rápida – o que não significa sem qualidade –, mais focada e que pode vir a atender a uma demanda muito maior da população e dialogar mais com a sociedade do ponto de vista dessa formação continuada.

Além disso, não podemos esquecer que, no novo Plano Diretor de Goiânia, o Parque Tecnológico Samambaia entra como um dos polos de tecnologia integrado à cidade. Isso é integrar também a UFG à região metropolitana, pensando no Campus Samambaia e em toda a região norte de Goiânia. Estamos discutindo com a Secretaria de Tecnologia e Inovação do município uma rota de ciclovia que interligue os campi e as rotas tecnológicas da região. São inovações importantes.

Outro ponto fundamental – e que vai dar certo, numa parceria com o governo de Goiás – diz respeito à sustentabilidade. Temos um projeto para um polo tecnológico de sustentabilidade em uma região entre a Escola de Agronomia e o Rio Meia Ponte. É algo que já está em fase de implantação, em uma área imensa. A ideia é trabalhar com populações vulnerabilizadas na perspectiva de formação e de produção, com iniciativas empreendedoras, trabalhando com reciclagem.

Elder Dias – A UFG já viveu períodos muito difíceis, em termos de estrutura, sucateamento, pressão salarial para seus servidores. Mas as circunstâncias atuais parecem ser uma verdadeira prova de fogo para quem está na instituição. Como a sra. enxerga esse quadro?

Ainda temos hoje o fruto de 14 anos de políticas que priorizaram as universidades federais e o ensino superior. Temos ainda os cursos do Pronera, por exemplo. De qualquer forma, temos um impacto grande em nossas contas. Para ter ideia, em 2015 nós tivemos, para custeio, pouco menos de R$ 138,8 milhões. Em 2018, isso caiu para R$ 99 milhões; em 2019, para R$ 75 milhões; em 2020, para R$ 72 milhões e em 2021, para R$ 56 milhões. Agora, para 2022, o orçamento de custeio é de R$ 71,4 milhões. Ou seja, temos pouco mais da metade do tínhamos em 2015, isso com toda a questão inflacionária. Veja bem, estamos falando do custeio da universidade – pagamento de trabalhadores terceirizados de segurança e limpeza, água, energia elétrica e tudo o que é necessário para fazê-la funcionar.