Guilherme Carvalho: “Sandro Mabel é o candidato favorito, desde que Ronaldo Caiado entre em sua campanha”

11 agosto 2024 às 00h00

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Guilherme Carvalho é professor de Ciência Política, Relações Internacionais e Direito na Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), UniAraguaia e UNIP. Mestre em Ciências Políticas pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e doutorando em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB), ele presta consultoria eleitoral e em gestão pública para prefeitos e candidatos em todo o país.
Nesta entrevista ao Jornal Opção, o cientista político descreve o panorama eleitoral nas principais cidades do estado — os elementos que levaram candidatos e partidos a se conformarem da forma como nos aproximamos do pleito de 2024. Mais ainda, Guilherme Carvalho projeta ainda o cenário político que o próximo prefeito e vereadores eleitos encontrarão em Goiânia.
Ton Paulo — Em Goiânia, estamos vivendo uma das eleições mais abertas dos últimos anos, com chapas ainda indefinidas e alianças sendo refeitas no último instante. Qual a razão desta indefinição excepcional?
Há alguns fatores que explicam o fenômeno. O primeiro deles é a quebra da hegemonia do MDB na cidade. Pela primeira vez em alguns anos, o partido não apresenta candidatura à prefeitura em Goiânia. O MDB ainda é o partido mais forte da cidade — no Legislativo é a legenda com mais vereadores, replicando a estratégia do partido a nível nacional, onde o MDB sempre teve grande relevância.
Mas, desde a redemocratização, o MDB sempre disputou as eleições ao Executivo em Goiânia e em Goiás como uma das principais alternativas. Agora, a ausência de uma liderança como Iris Rezende ou Maguito Vilela no MDB municipal causa um vácuo, que diversas candidaturas buscam preencher. Perceba a dispersão de candidaturas de centro-direita que normalmente andariam juntas sob um nome do MDB.
Outra explicação para o fenômeno é o fato de que o governador Ronaldo Caiado (UB) tem um projeto nacional. Em outra circunstância, talvez um governador que buscasse um projeto interno preferisse forçar uma candidatura única na capital; mas este não é o caso de Caiado, que já monta uma coalizão ampla pensando em 2026.
Italo Wolff — Frequentemente, se atribui a dificuldade do prefeito Rogério Cruz (SD) de governar ao seu relacionamento problemático com a Câmara Municipal. Adriana Accorsi (PT) é uma candidata cujo partido tem apenas dois vereadores; acredita que, se ela vencer as eleições, terá a mesma dificuldade?
É justamente essa dificuldade de relacionamento que explica a aposta do MDB de tentar formar muitos vereadores para governar a partir do Legislativo. Como eu disse, é uma aposta; só funciona se tivermos um prefeito sem agenda própria. Candidatos como Adriana Accorsi possuem uma agenda para a cidade, diferentemente de Rogério Cruz.
Imagino que, se ela for eleita, primeiramente buscaria um diálogo com a Câmara, mas eventualmente veremos um estresse entre os poderes. Só precisamos nos lembrar de Paulo Garcia, que, apesar de ter mais vereadores do PT na Câmara, também teve muitos problemas com o PMDB no Legislativo na época. De toda forma, acho que a vida dos vereadores na próxima gestão não será tão fácil quanto foi nessa relação com Rogério Cruz.

Ton Paulo — Rogério Cruz promete entregar obras muito importantes ainda neste ano, como o BRT, que é um sonho antigo da Capital. Acredita que agora, aos “45 segundos do tempo”, essas obras podem reverter a queda na popularidade do prefeito?
Não. Acredito que agora é tarde demais. Há quase um ano, Rogério Cruz tenta criar uma marca. Ele já mudou de marqueteiro, mas, na verdade, a equipe de comunicação da Prefeitura começou bem. Não acho que seu problema seja a comunicação, acredito que não houve trabalho para ser comunicado. Por muito tempo, entregas não foram vistas e existiu um relato muito negativo da classe política sobre ele.
Considero impossível Rogério Cruz reverter sua rejeição, porque agora a estratégia geral dos candidatos é atacar sua gestão, já que ninguém está em sua gestão. O caminho mais fácil para os candidatos é criticar os problemas da cidade — com exceção de um ou outro candidato que pode tentar polarizar a discussão ideológica. Ninguém além do próprio prefeito defenderá sua gestão.
Italo Wolff — Qual seria o melhor caminho para o prefeito?
Sinceramente, acho que o melhor caminho para Rogério Cruz é o caminho de Vilmar Mariano (UB), prefeito de Aparecida de Goiânia. Ele deveria sair de cena, encontrar um grupo político nesse momento para se apoiar, e retornar à disputa eleitoral apenas no futuro, com amparo maior. É claro que neste momento é impossível, mas ele poderia ter criado uma solução com a base do governo estadual.
Rogério Cruz foi vacilante ao se aproximar das eleições, da mesma forma como sua gestão foi vacilante. Agora, tentar tirar um coelho da cartola e reverter a rejeição é impossível, não importa o marqueteiro que você tenha e o tamanho do BRT entregue. Nada disso vai mudar a marca de três anos de uma gestão mal feita de uma figura apagada.
Ton Paulo — Acha que o prefeito errou ao tentar preencher na Prefeitura com cota política, dos pessoas em quem ele confiava e que não eram técnicos?
Acho que Rogério Cruz trouxe bons quadros, mas fez isso tardiamente. Jovair Arantes (Republicanos) foi um apoio interessante, mas poderia ter vindo antes, então quando chegou, entrou em atrito com quem ocupava o cargo antes dele. Qualquer um de seus ‘gurus políticos’ — Denes Pereira (SD), Jorcelino Braga (PRD), Jovair Arantes — qualquer um desses poderia ter dado certo como secretário de Governo, se tivessem sido colocados no cargo de forma planejada desde o primeiro momento.
Vejo que houve falta de tato ao remanejar a base de apoio: o prefeito demitiu e contratou quadros e grupos de forma arbitrária, criando crises desnecessárias. Cada pasta atendeu a um grupo diferente e faltou o prefeito coordenando a gestão.

Italo Wolff — Quanto aos outros pré-candidatos, quem tem mais espaço para crescer?
Alguém já falou em candidato favorito para essas eleições? Vou ter essa ousadia: para mim, o candidato favorito é Sandro Mabel (UB), desde que Ronaldo Caiado entre em sua campanha. As pesquisas de opinião indicam isso. Resta saber se o governador vai apoiar Sandro Mabel durante a campanha; não basta que Mabel diga que é o candidato do governo. Nas eleições para o Senado de 2022, cinco candidatos apoiavam Caiado, mas ele não apoiou ninguém.
Agora, temos de avaliar com cuidado redobrado, porque Caiado é um político cujo projeto não é mais Goiás; sua pretensão em 2026 é nacional. Este é um jogo que já começa a ser jogado em 2024 — pode ser que ele não se comprometa a subir em palanques nas eleições municipais.
Caso Mabel não conte com o apoio expresso de Ronaldo Caiado, ele terá de contar “apenas” com a musculatura do União Brasil e dos candidatos a vereador. Isso faz dele um player importante, mas não o player favorito.
Italo Wolff — E quanto a Vanderlan Cardoso (PSD) e Adriana Accorsi, que aparecem em primeiro lugar nas pesquisas?
“Pesquisa é retrato”, diz a máxima. Hoje o retrato mostra quem o eleitorado conhece, aqueles que já disputaram a Prefeitura, que já foram candidatos ao governo. Mabel tem um pequeno recall, de sua última disputa eleitoral.
Acredito que o PT tem pouco espaço para crescimento em Goiânia, porque a rejeição do presidente Lula da Silva (PT) é grande em Goiás. Uma evidência disso é o fato de que, neste terceiro mandato de Lula, ele ainda não veio ao estado.
Adriana Accorsi afirmava que queria emular a campanha presidencial de 2022 em Goiás, com a formação de uma “frente ampla”; e desde o começo da pré-campanha eu questionava como essa aliança com o centro. O PSD tem candidatura própria, o MDB está no governo, o PP e o Republicanos estão do outro lado. No final, sua base acabou sendo limitada à própria esquerda.
Ton Paulo — Acredita que Accorsi já chegou ao seu teto?
Acho que, daqui em diante, ela vai cair nas pesquisas. Não creio que ela chegue a 20% dos votos. As pesquisas indicam que, atualmente, Adriana Accorsi tem pouco mais de 22% das intenções de voto, mas isso é antes da campanha, “com o carro parado”. Quando seus competidores ligarem os motores, esses votos serão divididos.
Qual liderança local vai levar votos para Accorsi? Quem são os vereadores que vão caminhar com ela? O PT tem dois parlamentares na cidade (Fabrício Rosa e Kátia Maria), mas é necessário chegar a todos os cantos. Temos de pensar na mobilização de recursos: será que ela tem exército para percorrer a cidade?
Vanderlan Cardoso tem o mesmo problema. Isolado, o PSD não consegue se articular com outras legendas porque a maioria gira em torno de Mabel.
Ton Paulo — O PL está muito inconstante nessas eleições, que começou com Gustavo Gayer, depois passou a articular para assumir a vice de Sandro Mabel, e por último lançou Fred Rodrigues como candidato. Qual sua avaliação das chances de Fred Rodrigues, tendo Bolsonaro como cabo eleitoral?
A candidatura do PL em Goiânia passa por articulações nacionais. Gustavo Gayer é uma opção importante para o PL na Câmara dos Deputados e para uma candidatura bolsonarista em 2026. O partido julgou que Gayer na Câmara é mais relevante do que na Prefeitura de Goiânia; e eu não acho que esse cálculo esteja errado, não.
Agora, sabemos dos problemas jurídicos que Fred Rodrigues enfrenta no Tribunal Superior Eleitoral, e sabemos de seus problemas políticos. Ele é pouco conhecido fora das redes sociais, não herda todos os votos que Gayer tinha. Mas o PL tem consciência disso, porque Goiás é um dos redutos mais importantes do bolsonarismo.
Da perspectiva do partido, é interessante guardar as fichas para apostar em uma candidatura realmente competitiva em 2026, com Wilder Morais (PL). Será que lançar uma candidatura agora, com figuras divisivas, não dividiria a pouca congruência dentro do partido?
São questões que estão sendo ponderadas sob a ótica da disputa estadual e nacional de 2026. Não me surpreenderia se o PL preferisse se esconder dentro da estrutura do UB neste momento. Até porque, para uma candidatura bolsonarista prosperar, ela precisa polarizar com uma candidatura petista.

Italo Wolff — Quando você diz que o bolsonarismo precisa polarizar com o petismo para prosperar, me lembro de Anápolis, onde Márcio Corrêa (PL) polariza com Antônio Gomide (PT). Por que em Anápolis temos eleições ideologicamente polarizadas, ao contrário de Goiânia e Aparecida?
É uma questão construída. O PL foi construído sob uma lógica fisiológica, mas a chegada dos bolsonaristas deu ao partido uma base social. Antônio Gomide já foi prefeito, tem um legado e um recall muito positivo na cidade. Eu apostaria que ele consegue transitar entre grupos que não votam no PT. Ele é maior do que o PT em Anápolis, por isso é um candidato viável.
A polarização só existe na medida que os dois pólos topam, quando é uma disputa que convém para eles. A polarização não é espontânea, ela é um acordo. Eu não vejo em Goiânia condições parecidas para a criação dessa circunstância.
Ton Paulo — Em Aparecida de Goiânia, acha que Leandro Vilela conseguirá crescer incorporando a imagem de Maguito Vilela?
Esse é o desafio da campanha. A questão depende de Ronaldo Caiado, Gustavo Mendanha (MDB) e o partido entrarem na campanha. Eu acho que esses atores vão entrar, sim, até porque querem recuperar a Prefeitura. Acredito que a tendência é de que tentem reimprimir na memória do eleitor de Aparecida os tempos de grande progresso da cidade.
Principalmente, acho que Vilmar Mariano deu a Leandro Vilela um presente quando foi para o lado de Alcides Rodrigues (PL). Agora, Leandro Vilela pode falar “viu como a cidade estagnou depois que Gustavo Mendanha saiu da prefeitura? Isso aconteceu quando nossa forma de fazer política foi rompida”. Enfim, o discurso da oposição e da renovação voltou para o grupo do governo estadual.
Professor Alcides é uma figura muito conhecida em Aparecida de Goiânia. Foi eleito deputado federal com boa parte dos votos vindos de Aparecida. Mas, entre ser um candidato viável para o Legislativo e para o Executivo existe uma grande distância.
Italo Wolff — Por que algumas pessoas votariam em Alcides para o Legislativo, mas não para o Executivo?
No Brasil, por conta de nossa memória presidencialista, a imagem de um líder está muito presente. Diferentemente do parlamentarismo, o eleitor precisa ter uma figura forte à frente do projeto, aquele político que é constantemente visto, que aparece visitando obras, coordenando ações.
Vilmar Mariano e Rogério Cruz também não foram percebidos como “a cara da gestão”. Sempre aparecem cercados de secretários, não têm personalidade muito definida ou presença notável. Gustavo Mendanha, por outro lado, conseguiu ser visto como líder em Aparecida.
Italo Wolff — Por que, então, Professor Alcides chega a esta altura do ano em primeiro lugar nas pesquisas?
Ele esteve sozinho na disputa por tempo demais. Em entrevistas, eu sempre fiz essa crítica ao MDB: o partido demora demais para tomar decisões. Gustavo Mendanha demorou para consultar o TSE e definir se poderia ser candidato em Goiânia; no primeiro mandato de Caiado, Daniel Villela demorou para definir se seria de oposição ou situação; etc. Alcides teve tempo para crescer sozinho.

Ton Paulo — No Brasil e em Goiás, historicamente, a polarização envolveu o PSDB. O que explica a ofuscação do partido que, nos anos de Marconi Perillo, teve tanta força eleitoral?
Desde a democracia de 1946, as pesquisas sempre mostraram que existem dois grandes partidos. A UDN representava uma lógica de eleitor, e o PSD e PTB, criados por Getúlio Vargas, outro grupo do eleitorado. Depois, quem consegue encampar o campo do PSD e do PTB é o MDB, que na Constituinte se fragmenta e acaba se tornando um partido fisiológico, adesista, no primeiro governo Sarney. O PT encampa as pautas populares, causando rejeição àqueles que tinham uma visão de mundo mais liberal. O primeiro a abraçar esse grupo foi Fernando Collor, já na primeira eleição da nova República, que foi polarizada. Fernando Collor foi substituído por Fernando Henrique Cardoso, e o eleitorado moderado foi encampado pelo PSDB.
As manifestações de 2013 somadas às operações da Lava-Jato dilapidaram o partido. O eleitorado liberal se tornou órfão, até encontrar em Bolsonaro o que havia encontrado em Collor, Fernando Henrique Cardoso, UDN.
Hoje, o PSDB não consegue assumir seu papel polarizador, porque é um partido moderado em comparação com o bolsonarismo conservador e religioso. Em Goiânia, o PSDB tem um candidato declaradamente homossexual, Matheus Ribeiro. Como esse candidato pode polarizar em nome da direita? Acredito que o PSDB de Matheus Ribeiro é o PSDB original, social democrata, de centro — esse grupo tem eleitores.
Discordo da estratégia de Marconi Perillo em Brasília, de tentar fustigar o PT nacional, emular uma versão do bolsonarismo, porque o bolsonarismo já tem dono. Acredito que o PSDB é uma peça importante da democracia brasileira; tem um eleitorado, mesmo que pequeno, que é liberal e social democrata.