Danúbio Cardoso Remy é advogado, mestre em Ciência do Direito e pós-graduado em Direito Agrário e em Direito Internacional. Foi duas vezes considerado o advogado mais admirado do Direito Eleitoral de Goiás, segundo levantamento da Contato Comunicação. Nas últimas eleições, em 2022, atuou na campanha de oito candidatos a deputado federal e 25 candidatos a deputado distrital e em colaboração com a chapa majoritária.

Nesta entrevista ao Jornal Opção, Danúbio Cardoso tira dúvidas sobre o que candidatos podem ou não fazer, sobre as principais infrações de partidos políticos no período eleitoral e sobre os maiores desafios da Justiça Eleitoral para os próximos anos. O advogado comenta ainda os casos de políticos em contenda com a Justiça Eleitoral de Goiás e do Brasil. 

Euler de França Belém — Há motivos para a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro, ou, se ele for preso, será uma medida excessiva?

Ele foi indiciado. O iniciamento traz o levantamento prévio dos elementos de materialidade e autoria. O que nós temos ali é a apresentação do que a Polícia Federal verificou e apresentou ao Ministério Público; a investigação do Ministério Público confirmou e agora apresentou denúncia. Se os elementos são suficientes para a prisão, ou se isso seria uma medida excessiva, a Justiça vai decidir. Para a polícia e Ministério Público, há motivos, mas a Justiça pode considerar que não.

Euler de França Belém — Se Jair Bolsonaro for preso (e não estou dizendo que será, apenas considerando a possibilidade), ele poderá divulgar vídeos de apoio aos candidatos a prefeito?

Se estiver preso, obviamente não conseguirá divulgar vídeos por conta do regime penitenciário que temos, o regime fechado. Mas não há tempo para que ele seja preso até as próximas eleições. Só se é preso na etapa de execução da pena, após o trânsito em julgado. Até lá, não vejo impeditivos para divulgar seu apoio, mesmo que seja condenado. 

Euler de França Belém — Jair Bolsonaro, mesmo inelegível, acredita que ainda pode ser candidato em 2026. Existe alguma brecha para que isso aconteça?

O mesmo elemento que Lula da Silva (PT) utilizou: Bolsonaro só poderá ser eleito se for “descondenado”. 

Euler de França Belém — A expressão “descondenar” é correta?

Não. Não é correto; é um neologismo popular utilizado para falar sobre a fase em que estava o processo de Lula. Ele foi condenado em primeira instância, segunda instância e, ao chegar à chamada terceira instância, o Supremo Tribunal Federal anulou todo o processo por vício procedimental na primeira instância. O termo “descondenado” se refere à anulação da condenação, mas o termo correto seria o julgamento recursal conforme prevê o sistema jurídico brasileiro. 

Jair Bolsonaro foi condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que já é a última instância. Sua única alternativa seria um recurso extraordinário, por medida constitucional, no STF.  Por isso, hoje, não enxergo possibilidade alguma de Jair Bolsonaro ser candidato em 2026. Se, em 15 de agosto de 2026, algum fato novo como uma liminar ou fato suspensivo de sua condenação, ele poderá ser candidato. Caso contrário, ele ficará inelegível por oito anos, conforme a Lei 64/90 que é a Lei da Ficha Limpa. 

Danúbio Cardoso em entrevista aos jornalistas Italo Wolff e Euler de França Belém | Foto: Guilherme Alves / Jornal Opção

Italo Wolff — Temos em Goiânia um pré-candidato a prefeito que se encontra em situação nebulosa de elegibilidade ou inelegibilidade. Fred Rodrigues (PL) não prestou contas dentro do prazo, mas entrou com um recurso, que foi aceito pelo Tribunal Regional Eleitoral e, por fim, o TSE formou maioria para cassar seu mandato. Afinal, Fred Rodrigues pode ou não pode ser eleito?

As pessoas estão aguardando essa definição sobre Fred Rodrigues, mas essa definição só virá no dia 15 de agosto de 2024. A situação de Fred Rodrigues é a seguinte: ele não prestou contas das eleições de 2020 para vereador. Aquele que não presta contas fica sem a certidão de quitação eleitoral por até cinco anos contados a partir da eleição a qual concorreu.

Então, em tese, Fred Rodrigues não pode ser candidato até 2025. Ressalto “em tese”, porque em 2022 ele foi candidato a deputado estadual, venceu as eleições, conseguiu sob liminar tomar posse. Depois, tivemos a reversão no TSE. A Corte afirma que ele perdeu o prazo e que sua prestação de contas teve uma falha processual, que teria sido corrigida. O que houve então foi uma falta de habilidade jurídica nas eleições de 2022.

Essa dúvida vai acabar a partir do momento do registro de candidatura — de 5 a 15 de agosto. Eu acredito na impugnação da candidatura de Fred Rodrigues, porque ele não prestou contas. Mas o momento para aferir circunstância de elegibilidade ou de inelegibilidade é do registro de candidatura, e tudo que vem antes é especulação.

Euler de França Belém — Por que as chapas do PL e PP não caíram?

Houve muita fragilidade nas eleições de 2022 em relação à cota de gênero. Segundo o ministro ex-presidente do TSE, Alexandre Moraes, o combate às fake news e o combate à fraude das cotas de gênero são os maiores feitos de sua gestão. O TSE atuou muito fortemente para combater aqueles que não cumpriram as cotas de gênero.

De fato, as candidaturas do PP e PL, tanto em nível federal quanto estadual, apresentaram algumas falhas no registro de candidatura. Mas aí, é preciso olhar caso a caso. É necessário verificar se as candidatas desses partidos realmente tinham ânimo, vontade de concorrer nas eleições. É preciso ver se elas apresentaram a prestação de contas tendo efetivado a campanha. 

A soma desses elementos é o que define se elas foram candidatas ou não. Não basta verificar se tiveram muitos votos ou poucos votos. Esses critérios só foram definidos pelo TSE recentemente — tanto é que a Justiça Eleitoral em Goiás não caminhava por essa linha até o TSE firmar uma jurisprudência.

Essas duas chapas tiveram dificuldades. Na chapa do PP, as candidatas afirmaram que não queriam ser candidatas. Na chapa do PL, candidatas desistiram da candidatura no meio da campanha — quando isso acontece, há regras específicas que devem ser obedecidas; o problema do PL foi técnico. 

Há muitas falhas jurídicas e, ao meu ver, os candidatos acabam sofrendo. Tudo depende de que eles escolham um bom partido político, que tenha mais comprometimento com a legislação eleitoral, porque no sistema proporcional às violações penalizam a chapa inteira. 

“Até agora, a Justiça Eleitoral conseguiu trazer as respostas que a democracia e a população demandaram”, diz Danúbio Cardoso | Foto: Guilherme Alves/ Jornal Opção

Italo Wolff — Acredita que, com as cassações de mandato  por fraudes de gênero nas últimas eleições, os partidos estão mais preparados para evitar problemas? Ou a violação da cota de gênero deve continuar causando problemas?

O problema da participação feminina nas eleições existe desde a década de 1930, quando começou o voto feminino e a Justiça Eleitoral. A política pública que busca equilibrar a participação existe justamente por essa dificuldade, que é mais grave ainda quando consideramos que o Brasil tem mais mulheres do que homens. Na Câmara Federal, dos 513 deputados federais, 12% eram mulheres na legislatura de 2018 e 2022, e essa quantia aumentou para 18% na última legislatura. Em Goiás, dos 41 deputados estaduais, nós temos apenas 4 mulheres, 10%.

A política pública funciona da seguinte forma: dos R$ 4,9 bilhões que serão gastos nessas eleições com fundo de financiamento de campanha eleitoral, um terço, 33%, serão gastos em candidaturas de mulheres. Ou seja, além de ter reserva de candidaturas, os partidos são obrigados a gastar esse valor com as mulheres. É esperado que os partidos corrijam essa desigualdade de gêneros na base, construindo lideranças que possam se tornar candidatas. 

O que observo é que o cenário de hoje é melhor do que o de 2020, porque sentiram na pele as punições. Em Goiânia, dos 35 vereadores, 22 perderam o mandato ou estiveram envolvidos com processos que poderiam levá-los à perda do mandato por fraudes na cota de gênero. Alguns, como Santana Gomes (PRTB) e Marlon dos Santos (Cidadania) efetivamente foram cassados, outros estiveram na iminência de terem os mandatos cassados. 

Italo Wolff — Desde que obedecida a cota, os partidos decidem quais candidatas mulheres e quantos recursos do fundo receberão?

Sim, os partidos políticos gozam de autonomia. É importante destacar que a fraude não vem somente na forma das candidatas fictícias, mas também na destinação dos recursos. Nas eleições passadas, tivemos um partido político grande em Goiás que investiu R$ 1 milhão em uma candidata que tem 200 votos para a deputada federal. O PL também teve problema semelhante, porque colocou candidatas que efetivamente não tiveram desempenho eleitoral, não mostraram vontade de concorrer, mas recursos foram gastos em suas campanhas.

Italo Wolff — As fake news devem ser as grandes vilãs dessas eleições?

Sim. O presidente do TRE de Goiás, desembargador Luiz Claudio Vega Braga já manifestou que o combate às fake news é o maior desafio da Justiça Eleitoral goiana. 

As fake news eleitorais sempre existiram. Ao longo da história, os principais meios para sua divulgação foram jornais e panfletos apócrifos. Hoje, foram para a internet. Tratam-se das inverdades plantadas como propaganda negativa contra um candidato, com intenção de desafetar a igualdade do pleito eleitoral. 

Em paralelo, existe a desinformação. Os veículos de jornalismo, por exemplo, têm procedimentos e técnicas para apurar as informações que serão comunicadas ao público. A desinformação é a comunicação que não segue essa regra, com as pesquisas fraudulentas, por exemplo, ou com embates sobre a vida pessoal do candidato. 

A Justiça já interpretou o ato de difamar ou injuriar um candidato com intenção de influenciar as eleições como um crime específico a ser julgado pela justiça eleitoral. Anteriormente, difamação e injúria eram crimes comuns. Essa tipificação levou a grandes mudanças, que tornam o combate às fake news eleitorais mais eficiente.

Hoje, o processo que pode levar à remoção da propaganda está mais ágil, com prazo de 24 a 48 horas. O acesso é feito diretamente, através do processo judicial eletrônico, nas notificações que podem ser feitas através de WhatsApp ou telefone. Não é mais necessário um oficial de justiça, essa dinâmica acabou.

O acesso direto da Justiça às grandes empresas de tecnologia também permite a remoção mais rápida de propagandas irregulares. Instagram, Meta, X (antigo Twitter) podem ser notificados instantaneamente sob pena de medidas de imputação de multa.

Euler de França Belém — Mas o volume de notícias falsas é enorme. Você acredita que a justiça eleitoral tem condições de enfrentar essa ‘fantástica fábrica de fake news’?

Evidentemente, os sistemas públicos sempre precisam de avanços, aperfeiçoamentos, mas entendo que até aqui a Justiça Eleitoral conseguiu trazer as respostas que a democracia e a população demandaram. A prova veio nas eleições passadas, quando o TSE respondeu imediatamente aos ataques, com uma prestação jurisdicional rápida, eficaz e que conseguiu garantir o equilíbrio do pleito.

Euler de França Belém — A pré-campanha de alguns pré-candidatos está parecendo campanha. Como a Justiça Eleitoral vê isso?

Desde as últimas eleições presidenciais, houve um debate: as motociatas eram campanha antecipada, ou  livre expressão do eleitor? Os produtores das motociatas alegaram que não se podia tutelar o cidadão, proibi-lo de fazer manifestações. Mas diversas ações proíbem as motociatas, bem como as carreatas. 

Eu entendo que, a partir de 2015, com a Lei 12.891, artigo 36A, o modelo das campanhas políticas no Brasil foi alterado. Até 2015, tínhamos campanha de três meses, e então passamos a ter campanhas de 45 dias com a permissão da pré-campanha eleitoral. A pré-campanha foi criada para evitar situações como as que aconteceram em 2006, quando a deputada Betinha Tejota perdeu o mandato porque participou de uma festa que foi entendida como campanha extemporânea. 

“Parece que pode tudo nas pré-campanhas deste ano. É necessário punir os abusos de poder econômico no período pré-eleitoral”, diz Danúbio Cardoso | Foto: Guilherme Alves/ Jornal Opção

Hoje, as pessoas fazem campanha eleitoral muitos meses antes do pleito, e o modelo permite, com a ressalva de que não pode haver pedido expresso de votos. O pretenso candidato pode realizar atos, inclusive utilizando os meios de comunicação social, desde que eu faça o pedido expresso pelo voto. O problema é que, mesmo sem pedido expresso pelo voto, o pré-candidato já publica sua foto, pede apoio, fala o nome do partido. Ou seja, é um pedido implícito.

A Justiça Eleitoral vem tutelando esse tipo de situação, mas nessa campanha vejo uma liberdade maior do que a média. Parece que pode tudo nas pré-campanhas. A questão é punir os abusos de poder econômico, porque os políticos já estão contratando agências de publicidade e propaganda para campanha para a pré-campanha. Hoje, os profissionais de marketing vendem dois tipos de serviço, pré-campanha e campanha.

Euler de França Belém — Os shows estão liberados?

As pessoas fazem uma grande confusão quanto a essa questão. Você não pode utilizar nenhum meio para dar qualquer benefício ao eleitor. Show, churrasco, feijoada, doação de brindes, nada disso é permitido. As pessoas confundem, porque a Justiça Eleitoral reconhece como legítimo o modelo de realização de eventos para arrecadação de fundos para a campanha. 

O candidato pode fazer jantares, contratar um artista e fazer um show, vender camisetas e bonés com o intuito de arrecadar para sua campanha eleitoral. O candidato não pode oferecer nada disso de graça com intuito de beneficiar o eleitor, pois isso configura compra de votos. O político deve deixar claro que cada pessoa que for ao show é um doador da campanha — e o público tem que pagar; os ingressos não podem ser um benefício gratuito. 

Italo Wolff — Como tem sido a experiência com a proibição da doação de empresas para campanhas eleitorais?

A justiça eleitoral tutela as formas de gastos de campanha e as formas de arrecadação de campanha. Por conta da possibilidade de empresas terem interesse de influenciar o processo político eleitoral, a doação para campanhas por CNPJ foi proibida primeiro pelo STF, e depois o Congresso transformou a proibição em lei. 

Hoje, a forma de arrecadação é mista, pública e privada. Pública, através do Fundo Especial Financiamento de Campanha ou Fundo Partidário, com contas específicas, levada aos partidos políticos. Os partidos têm autonomia para dirigir e levar R$ 4,9 bilhões a qualquer candidatura que ele quiser, dentro dos limites de gasto. Existe também a arrecadação privada, de pessoas físicas, CPF, e do próprio candidato.

Italo Wolff — O presidente do partido, desde que obedeça a questão das cotas de gênero, pode mandar o dinheiro eleitoral para onde ele quiser?

Sim, isso entra no artigo da Constituição que fala sobre a autonomia dos partidos políticos como um dos elementos da democracia. Os partidos têm autonomia de auto administração, sem interferência do Estado. Imagine se o Estado pudesse interferir na autonomia de um partido; isso abriria a possibilidade de um governo prejudicar os partidos de oposição. Por isso, é importante que haja liberdade para destinar os fundos. 

Porém, existem os abusos e algumas regras. A principal regra é que os partidos têm um prazo para criarem uma resolução interna que estabeleça os critérios segundo os quais direcionam os fundos para campanha. O partido pode decidir, por exemplo, que seu critério é destinar 50% dos recursos para as candidaturas a prefeituras de capitais, 30% nas municípios acima de 100 mil habitantes e 20% nos municípios com menos de 100 mil habitantes. Seja qual for o critério, ele tem de ser objetivo. É um critério interno, criado pelo próprio partido.

Além, é claro, de respeitar as cotas de 30% para candidatas mulheres e a proporcionalidade de candidatos negros também. Se você tem 50% de candidatos negros, você tem de colocar 50% de seus recursos nessas candidaturas.