O número de ações trabalhistas no Brasil seguiu em alta em 2024, contrariando um dos principais objetivos da Reforma Trabalhista de 2017, que visava a redução dos processos. Segundo dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST), entre janeiro e outubro deste ano, o Brasil registrou 3,45 milhões de novas ações na Justiça do Trabalho, um aumento de 15% em relação ao mesmo período de 2023. Para a advogada Gabriela Medina, especialista em Direito do Trabalho, esse crescimento está relacionado a uma série de fatores que vão além das intenções da reforma.

De acordo com números do TST, entre 2017 e 2021, a entrada de novas ações trabalhistas recuou 27%, passando de 3,965 milhões para 2,888 milhões. No entanto, em 2022, o número subiu para 3,161 milhões e, em 2023, alcançou 3,519 milhões. Esses dados indicam que a trajetória de queda foi revertida.

“O objetivo da reforma era modernizar a legislação e reduzir os litígios, mas, na prática, ela afastou muitos trabalhadores da Justiça do Trabalho. A imposição do pagamento de custas processuais e honorários de sucumbência criou uma barreira que desmotivou muitos a buscar o Judiciário”, explica Medina.

Gabriela Medina, advogada: “para reduzir o número de ações e melhorar a relação entre empregadores e empregados, é necessário promover acordos coletivos mais eficazes e ajustar a Reforma Trabalhista” | Foto: Arquivo pessoal

A reforma também incentivou acordos extrajudiciais, mas o cenário atual demonstra que, após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que invalidou parte da reforma, o número de ações voltou a crescer.

Entre os fatores que explicam o aumento das ações em 2024, Medina destaca a decisão do STF, que retirou a obrigatoriedade de o trabalhador pagar as custas do processo e os honorários da parte vencedora, mesmo se fosse beneficiário da justiça gratuita. “Sem essa barreira adicional, mais trabalhadores passaram a se sentir seguros para recorrer à Justiça do Trabalho”, aponta a advogada.

O aumento das ações também reflete mudanças no mercado de trabalho, com o crescimento da informalidade e a precarização das relações trabalhistas. “A reforma visava flexibilizar as relações de trabalho, mas essa flexibilidade foi mal aplicada por muitos empregadores, o que resultou em mais irregularidades e, consequentemente, maior insatisfação por parte dos trabalhadores”, afirma Medina. A crise econômica pós-pandemia e a falência de empresas também contribuíram para o aumento das disputas trabalhistas.

Em relação aos tipos de demandas mais frequentes, o TST aponta o pagamento de horas extras, adicional de insalubridade, diferenças nas verbas rescisórias e multa por atraso no pagamento das verbas rescisórias como as mais recorrentes. “A precarização das relações de trabalho, que se intensificou após a reforma, gerou um aumento nas reclamações trabalhistas, refletindo a insatisfação e a busca por direitos”, destaca.

Apesar do crescimento do número de processos, a Justiça do Trabalho se mantém como uma das mais rápidas para julgar esses casos, com uma média de 191 dias para uma decisão em primeira instância. No entanto, a quantidade de processos tem gerado debates intensos no Judiciário. Em resposta a esse cenário, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, anunciou a criação de um grupo de trabalho no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para investigar as causas da elevada judicialização trabalhista no país.

Gabriela Medina acredita que, para reduzir o número de ações e melhorar a relação entre empregadores e empregados, é necessário promover acordos coletivos mais eficazes e ajustar a Reforma Trabalhista, especialmente para proteger os trabalhadores mais vulneráveis. “Reavaliar certos aspectos da reforma pode ajudar a equilibrar melhor os interesses das partes, sem prejudicar quem está em situação de maior fragilidade no mercado de trabalho”, conclui a advogada.

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