*Com a colaboração de Cilas Gontijo

Com a responsabilidade dos municípios, Goiás enfrenta um dos maiores desafios da década na educação infantil. Um levantamento realizado pelo Ministério Público de Contas e pela Coordenadoria de Educação do Tribunal de Contas dos Municípios (Coeduc – TCM-GO), revela que 45.976 crianças estão na fila de espera por vagas em creches e pré-escolas em 109 municípios goianos.

Para entender os caminhos possíveis para enfrentar esse déficit, o Jornal Opção entrevistou, nesta quarta-feira, 29, o conselheiro do TCM-GO, Fabrício Motta, supervisor da COEDUC e coordenador do Gabinete de Articulação para a Efetividade da Política da Educação de Goiás (Gaepe-GO).

O conselheiro do TCM-GO, Fabrício Motta | Foto: Divulgação

Segundo o estudo, seriam necessárias 396 novas creches e a ampliação de outras 23 unidades para atender à demanda reprimida. O custo total estimado para essas construções, com base nos valores de 2025 do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), é de R$ 2.179.337.086,43. Embora não represente um investimento já aprovado, o levantamento serve como referência técnica para dimensionar o tamanho do desafio enfrentado pelos municípios goianos.

A projeção considerou a quantidade de crianças por faixa etária e a capacidade máxima de alunos por sala, conforme a Resolução CEE/CP nº 06/2024. Crianças de até 1 ano e 11 meses devem ser alocadas em turmas de até 10 alunos; aquelas entre 2 e 3 anos e 11 meses, em turmas de até 15; e as de 4 a 5 anos e 11 meses, em turmas de até 20. Com base nesses critérios, foi calculado o número de salas necessárias por município. A partir disso, foram aplicados três modelos de construção financiados pelo FNDE:

Modelo de Unidade EscolarNº de SalasCusto Estimado por Unidade
Módulo Infantil2 salasR$ 674.323,09
Creche Tipo 25 salasR$ 3.341.015,96
Creche Tipo 110 salasR$ 5.843.352,91

O levantamento identificou que 36 municípios possuem demanda superior a 10 salas, exigindo mais de uma unidade escolar. Os quatro com maior necessidade são Goiânia, com 87 novas unidades; Aparecida de Goiânia, com 71; Anápolis, com 27; e Santo Antônio do Descoberto, com 23. Juntas, essas cidades representam 55,3% do custo total estimado para a construção das novas unidades em todo o estado.

Fabrício Motta explica que os valores são preliminares e partem de um estudo feito no Gaepe-GO a partir da demanda por vagas expressa no Retrato da Educação Nacional, feito no ano passado. “Foram utilizadas as creches no chamado modelo FNDE, e distribuídas as crianças em salas de acordo com número máximo previsto nas normas. A demanda é sempre dinâmica, e o passo mais importante é apoiar os Municípios no refinamento desse diagnóstico”, afirma.

Além da construção de novas unidades, o conselheiro destaca que existem outras alternativas para criar vagas. “O credenciamento de instituições filantrópicas, por exemplo, pode ser uma solução em alguns contextos, mas é importante tratar individualmente cada realidade”, pontua.

A distribuição das necessidades é ampla. Vinte e três municípios precisam de ampliação de Módulo Infantil, com duas salas. Outros 34 municípios demandam creches do Tipo 2, com cinco salas. Dezesseis municípios necessitam de creches do Tipo 1, com dez salas. Já os 36 municípios com demanda superior a dez salas precisarão de múltiplas unidades para atender à população infantil.

Entre os municípios que exigem mais de uma creche estão Abadia de Goiás, Águas Lindas de Goiás, Catalão, Cristalina, Goianésia, Goiatuba, Inhumas, Jataí, Luziânia, Mineiros, Posse, Rio Verde, Senador Canedo, Trindade, Valparaíso de Goiás, entre outros. A diversidade geográfica da demanda reforça a complexidade do desafio, que vai além dos grandes centros urbanos.

Questionado sobre como o regime de colaboração entre Estado e municípios pode ser fortalecido para garantir a construção e ampliação das unidades apontadas no estudo, Motta é enfático. “A responsabilidade pela oferta da educação infantil é municipal, mas não exclusivamente municipal. A Constituição Federal, a LDB e o Plano Nacional de Educação estabelecem o regime de colaboração como base para a articulação entre os entes federados”, aponta.

Ele reforça que esse regime visa garantir a coerência e a complementaridade entre os diferentes sistemas de ensino, promovendo a corresponsabilidade entre os entes federativos na oferta da educação básica. “As esferas de governo têm responsabilidade conjunta pelos estudantes daquele território, e não apenas por redes ou sistemas educacionais específicos. Ninguém reside no Estado, as pessoas moram nos municípios que compõem o Estado. Para melhorar a educação do Estado de Goiás é preciso melhorar a educação de responsabilidade dos municípios, e felizmente o Governador do Estado tem essa noção muito clara”, afirma.

Motta cita como exemplo de ação cooperativa a Lei Federal nº 14.851/24, que dispõe sobre a obrigatoriedade de criação de mecanismos de levantamento e de divulgação da demanda por vagas no atendimento à educação infantil de crianças de 0 a 3 anos. “A lei prevê que, apurada a demanda não atendida por vagas em creche, os Estados e cada Município realizarão, na respectiva instância, o planejamento da expansão da oferta de vagas para a educação infantil pública, em cooperação federativa”, aponta.

Sobre prazos ou metas intermediárias para reduzir o déficit de quase 46 mil vagas, o conselheiro esclarece que ainda não há previsão. “Se trata de um processo complexo de prioridades que envolve principalmente Executivo e Legislativo. O GAEPE tem atuado para chamar atenção para a urgência da questão e apontar possibilidades”, comenta.

A articulação com a Assembleia Legislativa também está no radar do gabinete. “Nossa estratégia inicial é sensibilizar o Legislativo para a importância de alocar recursos para a construção de creches, por meio da destinação de recursos das emendas individuais impositivas e também pelo fortalecimento do Fundo Estadual da Educação Infantil”, afirma Motta.

Desde sua criação em 2020, o Gaepe-GO tem reunido diversos atores institucionais e da sociedade civil em torno da efetivação do direito à educação infantil. Para o conselheiro, essa articulação é um avanço histórico. “O GAEPE é um sopro de vida na educação pública, procurando articular os diferentes atores em torno de uma agenda comum pautada na garantia de qualidade da educação, consagrada na Constituição”, destaca.

Ele destaca que a consolidação do GAEPE é, por si só, uma conquista. “Não há precedentes da instituição de uma governança que tenha conseguido, de forma permanente, articular e discutir pautas comuns com todos os atores institucionais ligados à educação. É nítido em todos os representantes das instituições o apreço que têm pelo GAEPE em razão de ser uma instância voltada à construção coletiva, sem hierarquia nem imposições”, afirma.

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