Veto à doação eleitoral feita por empresas deve reforçar o caixa 2 e produzir um imenso laranjal
03 outubro 2015 às 13h26
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O ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes tem razão ao dizer que a exclusiva doação de pessoas físicas não vai “purificar” a política brasileira
O Brasil está tão avacalhado, com os moralistas de ontem — muitos petistas, inclusive da cúpula — transformados em corruptos de hoje, que uma declaração dura de um dos ministros mais categorizados do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, embora tenha obtido certo destaque nos jornais, não mereceu, até agora, um debate nacional. O que disse tem a ver com o veto da presidente Dilma Rousseff às doações eleitorais de empresas para as campanhas eleitorais. O ministro admite que a petista-chefe “apenas” seguiu o que já havia decidido a maioria dos ministros do STF, que havia vetado, recentemente, as doações eleitorais feitas por empresas, considerando-as inconstitucional.
A ideia do Supremo e de Dilma Rousseff em tese parece muito boa. Sem o financiamento das empresas, a corrupção poderia até não acabar, mas seria reduzida. O Brasil poderia mudar o nome para Shangri-la. A realidade não funciona assim, porém. A proibição oficial não significa que, na prática, a doação deixará de existir. O reino da fantasia desmoronará na primeira eleição — se o Ministério Público investigar, claro que com rigor, os doadores-pessoas físicas.
A declaração de Gilmar Mendes, forte mas realista, deveria provocar debate sério — sem fantasias pueris típicas até mesmo de acadêmicos consagrados mas escapistas, que parecem viver no mundo da lua. “Com essa fórmula, a gente vai montar o maior laranjal… A gente está ganhando várias copas do mundo. Estamos ganhando a copa do mundo de corrupção, perdemos a copa do mundo verdadeira [a de futebol], onde a gente ganhava, e também estamos ganhando uma copa do mundo de laranjas nesse sentido mais negativo. Se estivéssemos exportando laranjas, seria algo positivo. Então, a rigor, nós estamos metidos numa grande confusão”, disse o ministro. O membro do STF poderia acrescentar que o veto beneficia também aqueles que já estão no poder…
Na época do mensalão, tentando se livrar das acusações, petistas passaram a dizer que seus problemas tinham a ver exclusivamente com caixa 2. Com isso, tentava-se esconder que havia uma roubalheira de dinheiro público e que apenas parte de fato era destinada às campanhas eleitorais. O mensalão e o petrolão, com a desculpa de que se pretendia financiar campanhas eleitorais, foram táticas para “assaltar” o Estado e enriquecer grupos e pessoas — políticos, empresários e técnicos. As campanhas são “culpadas”, ao menos não integralmente. São, no máximo, a desculpa mais apropriada dos políticos venais.
Agora, com o veto às doações de empresas, tende-se, sublinha Gilmar Mendes, a se consagrar o caixa 2 como “norma”, quer dizer, como prática. O ministro tem razão quando frisa que os grupos econômicos, tendo relações econômicas e financeiras com o governo federal, governos estaduais e prefeituras, não deixarão de financiar campanhas eleitorais — só que agora por debaixo dos panos, ou, como declara o integrante do Supremo, por meio de laranjas. “O grande temor é que já haja recursos nas mãos de pessoas que vão fazer esta distribuição”, afirma Gilmar Mendes.
O que assinala o ministro é de uma gravidade e, insistamos, merece debate nacional. Entretanto, parece que nem seus pares do Supremo parecem preocupados com o que o colega está falando e, até, denunciando em praça pública. Ressalte-se que Gilmar Mendes não é nenhum Policarpo Quaresma. O fato de pregar sozinho, como se estivesse no escuro, sinaliza como razão básica para a aposentadoria precoce de Joaquim Barbosa. Este possivelmente não suportou a desfaçatez com que se trata a coisa pública no país. Pressionadíssimo pela máquina corrupta, que inclusive financia uma máquina de guerra na internet, decidiu sair de cena.
Resta a Gilmar Mendes ser o Joaquim Barbosa do momento. Daqui a pouco começarão a atacá-lo nas publicações aliadas do petismo. Aliás, começarão não é palavra justa. Porque o ministro vem sendo atacado pelas hostes reds há algum tempo. Felizmente, para o bem da democracia e da lisura, não se intimida com os ataques às vezes brutais — tanto que vem ganhando processos contra jornalistas supostamente financiados pela máquina lulopetista.
“A confusão só não é maior porque o Supremo não disciplinou a doação de pessoas físicas. O pedido era para que o Supremo fixasse um teto para doação de pessoa física, mas com esta fórmula [proibição ao financiamento empresarial] a gente vai montar talvez o maior laranjal”, insiste o ministro Gilmar Mendes.
Os críticos têm razão quando dizem que o problema não é o financiamento empresarial das campanhas, mas os acordos que integrantes do PT, do PP e do PMDB fizeram para obtê-lo. O petrolão deixa evidente que há corruptores e corruptos. Mas alguns dos corruptores estão provando que, embora não fossem anjos, eram pressionados por petistas, peemedebistas e pepistas a repassarem dinheiro que, na maioria das vezes, não era aplicado em campanhas eleitorais. Pelo contrário, como demonstram as contas na Suíça, inclusive do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha — que usou o nome de sua mulher, a jornalista Cláudia Cruz, ex-apresentadora do jornal “Hoje”, da TV Globo, e de uma filha para abrir contas na Suíça —, apenas parte do dinheiro foi usada em campanhas eleitorais, provavelmente a menor parte.