Self-made woman, a empresária Mariana Perdomo merece o aplauso da sociedade
24 dezembro 2023 às 00h01
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O filósofo alemão Friedrich Nietzsche, que morreu aos 55 anos, em 1900, escreveu que aquilo que não nos mata nos fortalece. É o caso da doceria Mariana Perdomo, que leva o nome de sua proprietária e que, felizmente, sairá fortalecida de episódio recente. Mesmo com “publicidade” inicialmente negativa, a marca Mariana Perdomo se tornou nacional. Saiu da esfera estadual. Do limão sairá, quem sabe, uma limonada.
Ser empresário no Brasil é mais difícil do que ir a Marte, possivelmente. O país parece cultivar e comemorar mais o fracasso do que o sucesso. Mariana Perdomo deve ter enfrentado uma série de dificuldades para abrir seu negócio, pois os investimentos em estrutura — somado aos aluguéis — têm custo elevado. Depois, é preciso fortalecer o capital de giro, para tornar a empresa estável, não deficitária.
O fato é que, depois de alguns anos, a Mariana Perdomo é um símbolo de negócio bem-sucedido. E o motivo principal é a qualidade de seus produtos. Há franquias famosas no país e, dado o sucesso da empresa goiana, há a possibilidade de ela, em breve, se transformar numa rede estadual e nacional?
Numa entrevista, Mariana Perdomo disse que não abrirá espaço para franquias, mas informa que deverá abrir novas lojas. Já fincou o pé em Brasília.
Há anos uma publicidade dizia: “Se é Bayer é bom”. Pois, se é Mariana Perdomo, é bom, é, até, excelente. Os produtos criados pela jovem empresária e sua equipe ganharam fama por serem bem-feitos e, até, vistosos. A imagem deles, assim como o produto em si, é a melhor possível. Noutras palavras, há garantia de qualidade, uma espécie de selo.
A imprensa goiana precisa explicar melhor a expansão das empresas do Estado (a gigante JBS nasceu de um açougue em Anápolis) — notadamente das médias e pequenas. Elas nascem com imensa dificuldade — muitas fecham, dada a instabilidade histórica da economia brasileira —, mas há as que passam pelo funil e sobrevivem, tornando-se referências. É o caso da Mariana Perdomo.
Na frente e por trás da empresa está uma mulher — Mariana Perdomo. Trata-se, por certo, de uma empresária abnegada — dedicada ao negócio quase em tempo integral, praticamente uma workaholic. Empresas menores, como é o caso, precisam da mão do dono. E, no caso, isto é um fato: a alta qualidade de seus produtos, como bolo de pote, cone trufado, palha italiana, bala de coco e tortas, tem a ver com a presença ativa da jovem self-made woman — que trabalha de 10 a 12 horas por dia. Ela opera seu negócio, não à distância, e sim no dia a dia.
Assassinatos, Raskólnikov e Dostoiévski
Recentemente, duas pessoas foram envenenadas — Leonardo Pereira Alves, de 58 anos, e Luzia Tereza Alves, de 86 anos — e morreram. As primeiras informações davam conta de que um bolo, adquirido na Mariana Perdomo, havia sido “envenenado”. Por quem? Não se sabia — daí as especulações.
Daí em diante, o nome Mariana Perdomo passou a aparecer com destaque na imprensa, assim como nas redes sociais — as mesmas que foram e são cruciais para difundir os produtos da empresa e torná-los mais conhecidos —, de maneira similar ao crime em si. Especialmente porque, como marca de sucesso, é bem conhecida na sociedade. Já as pessoas que morreram não são famosas.
Em seguida, a Polícia Civil prendeu Amanda Partata Mortoza. Conta-se que a jovem havia namorado o filho de Leonardo Pereira Alves e, como houve o rompimento do relacionamento, decidiu vingar-se, de maneira indireta, ou seja, atingindo seus parentes. Frise-se que, até o momento, ela nega que tenha cometido o crime duplo.
De acordo com o que a Polícia Civil divulgou, Amanda Partata comprou bolo e levou para a casa de Leonardo Pereira Alves e Luzia Tereza Alves. Os dois lancharam e morreram. Há a versão de que o veneno teria sido colocado no suco.
Por que Amanda Partata decidiu matar duas pessoas — isto, claro, se for confirmado que foi a autora dos crimes? Talvez para “castigar” o ex-namorado, parente dos mortos, e fazê-lo sofrer… para sempre. Psiquiatras e psicanalistas certamente encontrarão outros problemas e, quando instados a examiná-la, poderão divulgar análises amplas e, quiçá, mais precisas.
Há personagens de Edgar Allan Poe e Fiódor Dostoiévski vivendo em sociedade, à espreita de uma oportunidade, como Raskólnikov, para fazer o mal — acreditando que, devido à esperteza do planejamento (ao estilo do protagonista de “Crime e Castigo”), não serão presos.
Imprensa demonstrou equilíbrio
Ao examinarem centenas de mensagens — enviadas de vários Estados Unidos do país —, repórteres do Jornal Opção se surpreenderem com a agressividade de alguns leitores. A maioria dizia que o jornal deveria “esclarecer” logo o caso e “denunciar” a doceria Mariana Perdomo.
Na interpretação dos leitores, os jornais “camuflam” determinados assuntos e não publicam reportagens “esclarecedoras” (a teoria da conspiração sugere que sempre se está escondendo alguma coisa). O que se exigia, de cara, eram matérias condenatórias da empresa, como se, antes de qualquer investigação detida da polícia (que tem o dever de descobrir e não de produzir culpados), já fosse “culpada” talvez só por existir e ser uma referência de qualidade (que “teria sido” conspurcada).
A função de um jornal não é, a rigor, “esclarecer” crimes. O que o jornalismo deve fazer é ir divulgando os fatos e, ao mesmo tempo, esperar que a polícia, contando com o apoio da perícia, esclareça o que efetivamente aconteceu. E é preciso ressaltar que, por confiar em excesso na polícia — e não se está falando da de Goiás, que tem demonstrado eficiência e lisura, como na história em pauta —, a imprensa já cometeu sérios erros.
No caso, apesar da pressão da sociedade — dos leitores, digamos —, tanto a Polícia Civil quanto os jornais agiram com relativa cautela. É possível que alguns repórteres tenham sido mais açodados. Mas a maioria absoluta em nenhum momento condenou a doceria Mariana Perdomo. Pelo contrário, chegou a apresentar alertas, como o do editor Elder Dias, do Jornal Opção, a respeito de que não se deve “condenar” ninguém por antecipação e sem provas materiais.
Entretanto, se dependesse de parte dos leitores — centenas deles —, os jornais teriam excedido e, assim, cometido uma injustiça contra a doceria e sua proprietária, que teve seu nome exposto diária e frequentemente.
Então, pode-se sustentar que a imprensa não se excedeu. Pelo contrário, houve cautela. Felizmente. O jornalismo está contaminado, relativamente contaminado, pelas redes sociais — que deram voz àqueles que pedem jornalismo imparcial e, ainda assim, não se comportam, nas suas falas radicais, como cidadãos imparciais, objetivos e equilibrados.
Um breve acompanhamento mostra que o jornalismo se mostrou cauteloso e sério na sua cobertura factual. Mas nas redes sociais, quando as reportagens (ou trechos delas) eram postadas, os leitores escreviam horrores, criticando duramente tanto os jornais quanto os supostos “criminosos”. Vários leitores querem — até exigem — que jornalistas e policiais sejam carrascos — e não agentes da civilização.
Fica-se com a impressão de que, às vezes, as redes sociais transformavam (ou deturpavam) aquilo que o jornalismo produzia. Eram — e são — um “jornalismo concorrente”. Com a diferença de que o jornalismo se limita aos fatos, com alguma especulação, e os usuários das redes dizem o que pensam, sem mediação do respeito aos indivíduos, às leis e aos limites necessários à convivência civilizada em sociedade.
O achincalhe nas redes sociais beirou o “linchamento”. De alguma maneira, é um linchamento — contra o qual o jornalismo precisa insurgir-se, e não repercutir. A decência indica que não se deve reverberar o que é falso e, ao mesmo, abusivo.
Por receio de perder audiência, há jornais que, aqui e ali, cedem aos “rogos” de alguns leitores — que, por vezes, querem mais “sangue” do que “verdade”.
Note-se que, pós avanços da investigação da polícia, que resultou numa prisão, leitores, os mesmos radicais de ontem, começaram a dizer que a imprensa exagerou e que Mariana Perdomo deveria processá-la.
Mas um exame geral do que se publicou mostra que, escaldada por casos anteriores — como o da Escola Base, em São Paulo —, a imprensa agiu com cautela. Se as redes sociais, ainda que parcialmente, “lincharam” Mariana Perdomo — a doceria —, a imprensa não seguiu pelo mesmo caminho. Mostrou-se cauta, o que é positivo.
O caso ainda está em andamento, portanto é preciso manter a cautela — com a lembrança de que todos, até os piores criminosos, têm o direito de se defender.
Acrescente-se que a serenidade de Mariana Perdomo, uma empresária de menos de 30 anos, fez a diferença. Ela divulgou notas corretas e não se escondeu. Pelo contrário, manifestou-se, deu satisfação à sociedade. Por isso, com a resolução do caso — no que toca à doceria —, a sociedade fez o certo: aplaudiu a jovem empreendedora.