Segurança pode ser trunfo de Caiado e adversária de Lula em 2026

14 janeiro 2024 às 00h01

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Sugerir que a violência tem a ver unicamente com causas sociais — em decorrência da miséria de muitos brasileiros — equivale a suspeitar da decência de todos aqueles que são pobres. Na verdade, não há conexão compulsória entre criminalidade e pobreza.
No momento, e desde muito tempo, a alta criminalidade do país — em parte, grande parte, envolvendo o tráfico de drogas, mas não só, pois há os roubos de cargas, assaltos a bancos — tem a ver, no geral, com o crime organizado.
Costuma-se evitar o uso da palavra máfia para se referir ao crime organizado no país. Mas o Primeiro Comando da Capital (PCC), o Comando Vermelho, o Novo Cangaço e o Comando Norte/Nordeste — entre outras organizações (sim, organizações) — são máfias, que não diferem, exceto em termos de “glamour”, das máfias italianas, como Cosa Nostra (Sicília), ’Ndrangheta (Calábria), Camorra (Nápoles), e americanas (nos Estados Unidos, o pai do presidente John Kennedy, Joseph Kennedy, era ligado ao mafioso Sam Giancana, o amigo e, quiçá, sócio de Frank Sinatra).
Se as máfias, como PCC e CV — que, à semelhança das máfias italianas e americanas, já mesclam atividades ilegais com legais (negócios ditos limpos, onde se lava o dinheiro amealhado com o banditismo) —, são poderosas e milionárias, o que têm a ver com desigualdades sociais? Não têm. É uma questão de lógica.
PCC e CV, com suas variantes menos conhecidas, se tornaram empresas poderosas e muito bem armadas. As duas máfias se tornaram, por assim dizer, capitalistas e, como tais, altamente lucrativas. Há pobres nos dois exércitos informais e, a rigor, empresas praticamente formais? Por certo, há. São os soldados, ou, digamos, a infantaria. Entretanto, seus ganhos tendem a ser superiores aos salários mensais dos pobres.
As guerras travadas pelos agentes do crime organizado e por grupos correlatos — às vezes, independentes, mas também com relativo planejamento de ações —, agora associados às milícias, notadamente no Rio de Janeiro, Estado que se tornou porta-estandarte do banditismo patropi, são responsáveis por centenas ou milhares de assassinatos em todo o Brasil. (Frise-se que o PCC já tem ramificação no exterior — por exemplo, na Espanha e no Paraguai.)
Se há um crime organizado, patrocinado por máfias ricas, não há como combatê-lo com programas de redução da pobreza. Não se está sugerindo que os programas são descartáveis. Porque são absolutamente necessários. O que se está dizendo é que a redução da pobreza — o governo do PT está atuando bem na área — não significa que a criminalidade vai cair.
A redução da criminalidade só cai se o Estado agir duramente, de maneira planejada, com uso de Inteligência, contra as máfias poderosas, como o PCC e o CV. O busílis da questão está aí — e não na miséria.
Flávio Dino, o ex-ministro da Justiça, parecia interessado em desenvolver um combate mais sistemático às máfias verde-amarelas. O moderado Ricardo Lewandowski terá o mesmo empenho, para além de palavras candentes, mais “românticas” do que realistas? Ainda não dá pra saber.
O jornalista carioca Ricardo Garcia Capelli, de 51 anos, seria mais adequado para combater o crime organizado? Talvez sim. Talvez não. Afinal, combater golpistas, mesmo que razoavelmente organizados, é menos difícil do que atacar, de frente, os experts do PCC, do CV e das milícias, com seus exércitos articulados e fortemente armados.
Entretanto, Ricardo Capelli não tem apoio político substantivo. Dirão: Ricardo Lewandowski também não tem. Na verdade, além da ligação pessoal com o presidente Lula da Silva, do PT, ele tem o apoio do Supremo Tribunal Federal, que, dados os extremos recentes, se tornou mais político do que nunca.

É provável, portanto, que Ricardo Lewandowski seja o ministro “do” STF no governo de Lula da Silva. Ricardo Capelli, apesar de ter mostrado eficiência — até sua cara de alemão (apesar do sobrenome italiano) durão é intimidatória —, não tem, insistamos, patrocínio político de peso (antes, tinha: o de Flávio Dino).
Ronaldo Caiado versus Lula da Silva
As eleições chegam mais cedo do que muitos esperam, porque se trata de um processo e este é iniciado de maneira extemporânea. A disputa presidencial se dará daqui a dois anos e oito meses. Mas já está na ordem do dia, por isso há tantos pré-candidatos se apresentando, com o objetivo de se tornarem conhecidos e, portanto, examinados pelos eleitores do país.
Uma lista breve de pré-candidatos inclui Ciro Gomes (PDT), Fernando Haddad (PT), Lula da Silva, Romeu Zema (Novo), Ronaldo Caiado (União Brasil) e Tarcísio de Freitas (Republicanos). Surgirão outros, possivelmente.
Se estiver bem de saúde, e se a economia estiver crescendo, a tendência é que Lula da Silva seja candidato à reeleição, em 2026, com 81 anos. Não porque queira, e sim por não há outro nome na esquerda tão consistente, em termos políticos, quanto o dele. Fernando Haddad, de 60 anos, está indo bem na condução da economia, mas seu perfil político só obteria sucesso com a formulação de um plano econômico “matador”, como o Real.
De alguma maneira, até no nome, Fernando Haddad é o Fernando Henrique Cardoso do PT. Tanto que os dois são doutores pela USP e são moderados. São socialdemocratas… de esquerda. Mas sem um grama de radicalismo.
Há um, digamos, “drummond” gigante no meio caminho de Lula da Silva e do PT — a segurança pública.
Se não resolver o problema da segurança, com um combate sistemático ao crime organizado — reduzindo a violência nos Estados, numa aliança estreita com os governadores —, Lula e o PT, mesmo acertando a economia e na defesa da democracia, poderão perder a eleição para um candidato da direita que apresente um ideário crível de combate ao crime organizado.
A imprensa comprou o discurso de parte da esquerda de que é preciso combater a violência policial. O pessoal da GloboNews esbalda-se, com frequência, a respeito do assunto. Mas, do ponto de vista da sociedade — sobretudo daqueles que são menos protegidos (não moram em condomínios com vigilância 24 horas e muros altos) —, o problema não é a violência da Polícia Militar.
Pelo contrário, a população, ao menos no geral, clama por mais proteção policial e combate ao crime organizado e outros. Muitos pobres se tornam vítimas porque são pegos no fogo-cruzado entre policiais e os agentes do banditismo.
Lula da Silva é uma raposa política, talvez a maior do momento. Tanto que, na Presidência da República, tem sido de um realismo que impressiona. Tem ouvido mais a voz da razão, por isso faz o que é preciso fazer, e não aquilo que é bonito para o aplauso dos ditos bem-pensantes e dos apóstolos da moral teórica.
A aliança com o Centrão e correlatos, do ponto da governabilidade e da sobrevivência política, não é incorreta. É uma ação realista e imperativa.
Porém, as jogadas com o Centrão não têm a ver só com a governabilidade. Lula da Silva está tentando “dividir”, desde já, a poderosa aliança de direita que deu 58,2 milhões de votos a Jair Bolsonaro no segundo turno da eleição de 2022. A diferença entre o eleito e o derrotado foi de apenas 2,1 milhões de votos: 60.345.999 contra 58.206.354.
A vitória de Lula da Silva, nada acachapante, obscureceu o fato, que os cientistas políticos precisam estudar e explicar com mais objetividade, de que um eleitorado imenso votou no candidado da direita. E permanece sem explicação convincente o fato de Bolsonaro ter obtido uma votação excepcional nos Estados mais desenvolvidos do país. Antes criticava-se a Arena e o PDS por ganharem nos grotões. Pois, em 2022, quem ganhou nas áreas mais pobres foi o PT, não a direita.
De olho no fato de que a rejeição dos dois candidatos de 2022 foi alta, sobretudo na questão de que há um eleitorado de direita, quiçá à deriva, Lula da Silva, mesmo contrariando petistas irrealistas, permanece buscando o apoio de setores da centro-direita para encorpar sua aliança política para o próximo pleito.
Parece que, para Lula da Silva, a eleição de 2024 não é necessariamente para “encorpar” o PT, o petismo, e sim seus aliados preferenciais. Porque o presidente, com sua grande cabeça política, já está pensando na disputa eleitoral de 2026. E com absoluta razão.
Mas, como se disse acima, a segurança pode ser a barreira que talvez impeça a reeleição de Lula da Silva ou a eleição de Fernando Haddad.
No momento, o governador que tem o discurso mais afiado sobre segurança é o de Goiás, Ronaldo Caiado, do União Brasil.
Com sua inteligência e pragmatismo habituais — mas sem sacrificar seus princípios —, Ronaldo Caiado não deixou de pertencer à direita, mas se tornou, basicamente, um político de centro-direita.
No governo de Ronaldo Caiado, o combate ao crime organizado é sistemático. Tão duro que, conta-se no submundo do banditismo, que muitos adictos do PCC e do CV relutam em atuar em Goiás. Porque sabem que a Polícia Militar do Estado não está para brincadeira. Joga duro. De acordo com pesquisas, os goianos aprovam a política firme de combate às máfias e à criminalidade comum. Quem duvidar que ande com dez motoristas da Uber em Goiânia e pergunte como avaliam a política do governo do Estados. Todos, possivelmente, dirão que aprovam a ação da PM.
Em contraposição, as hostes petistas poderão dizer: no social, ao menos, o governo de Lula da Silva leva vantagem. Não há a menor dúvida de que o petismo tem preocupação genuína com o social e não se pensa, quem sabe, na “construção” de currais eleitorais. Desde sua fundação, em 1980, que o social é uma opção preferencial do PT.
Com suas antenas sempre ligadas, Lula da Silva certamente sabe que Ronaldo Caiado, no poder, comporta-se como se fosse um gestor socialdemocrata, com amplos programas sociais e de inclusão social. Faz-se a assistência social, que é necessária. Mas opera-se também a inclusão social por meio, para ficar num exemplo, da Educação.
Então, em 2026, Ronaldo Caiado pode surpreender a esquerda de Lula. Se contar com o apoio do bolsonarismo, que no momento não tem um candidato consistente — e o candidato de centro-direita não pode perder de vista o bolsonarismo, mas não pode ser um clone de Bolsonaro (uma espécie meio bárbara) —, o governador goiano terá chance de ser eleito presidente da República. É isto, como apreciam dizer os jovens nas redes sociais.