Enquanto os centristas não se firmam, os “extremistas”, como Lula da Silva e Jair Bolsonaro, são os preferidos dos eleitores

O diplomata e economista Rubens Ricu­pe­ro, autor do livro “A Diplomacia na Cons­tru­ção do Brasil — 1750-2016” (Versal Editores, 784 páginas), é um intelectual ponderado e crítico. Numa entrevista ao “CB. Po­der” (parceria entre a TV Bra­sí­lia e o jornal “Correio Brazi­liense”), pu­blicada sob o título de “Re­cu­peração será progressiva até a eleição”, ele apresenta algumas ideias que contribuem para compreender o quadro político.

No momento, os analistas discutem vários nomes para presidente. Lula da Silva, do PT, é um dos nomes mais fortes e aparece em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto, seguido de Jair Bolsonaro, do Patriotas. Luciano Huck, sem partido, se não renunciar antes de ser pré-candidato, é um nome de relativa credibilidade. Mas pode ser que o nome que vá se cristalizar, ao longo da campanha, seja o de um político de centro — tipo o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, do PSDB, ou o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, do PSD.

Geraldo Alckmin e Henrique Meirelles: candidatos de centro, são apontados como “equilibrados” e “moderados”

O “Correio” quer saber se pode surgir um candidato de centro com a marca do governo Michel Temer. Ricupero frisa que “não, necessariamente, do governo. A recuperação econômica daqui até as eleições vai ser progressiva, vai ser segura, não vai ser espetacular, mas vai reduzir o desemprego, a inflação vai continuar a cair, com juros baixos. Com isso, a inflação de alimentos, que afeta muito os mais pobres, não vai ser tão grave e isso vai dar condições melhores ao governo”.

Não se percebe com clareza, sublinha Ricupero, “o desejo de normalidade que a população tem”. “Ninguém quer mais um aventureiro. Ninguém quer que o Brasil volte a mergulhar em uma crise. O que o Brasil quer é um presidente que infunda confiança, que não dê medo a ninguém”. Noutras palavras, um político moderado e, ao mesmo tempo, firme.

Os brasileiros não estão interessados em figuras extremistas. “Acho que vai haver um episódio parecido ao do Tancredo Neves, em 1984/1985. Na época, o Oscar Camilión, o grande ministro e embaixador argentino, disse: o Tancredo não é o primeiro candidato de ninguém, mas ele é o segundo candidato. Por quê? Ele era aceitável para os militares, para o PMDB, por uma razão: ele não infundia medo a ninguém. Nem em relação à vida, à liberdade e à propriedade, nem na condução da economia. A gente não deve subestimar a importância para a população da tranquilidade”.

Jogo de Lula

Lula da Silva e Jair Bolsonaro: vistos como extremistas, são os mais bem colocados nas pesquisas de intenção de voto

O que Ricupero está sugerindo é que candidatos como Jair Bolsonaro e Lula da Silva — se ficar carimbado como extremista, o que não era depois de ser eleito presidente em 2002 — podem começar bem, porque são os que estão se apresentando como candidatos “definidos”, mas podem não terminar bem, assim que os candidatos “equilibrados” se colocarem no processo. “Acredito que vai haver uma boa chance para um candidato centrista, com experiência, equilíbrio e que seja capaz de se apresentar com uma ficha limpa. Neste caso, Lula não seria um aventureiro, mas um veterano. Lula é um grande político, mas é preciso não esquecer que as três primeiras eleições ele perdeu. Ele tinha um teto, chegava a 30% e 35%, não passava. Ele venceu as outras porque fez um apelo que captou a classe média. Mas será que o programa dele, hoje, é mais parecido com o Lula paz e amor, ou é mais parecido com o passado em que ele era um símbolo de divisão? Se continuar com um símbolo de divisão e polarização, não. Acredito que terá chance alguém que represente a garantia de tranquilidade, estabilidade, crescimento, melhoria de nível de vida. Ninguém quer aventuras.” Para se viabilizar, o petista precisa “mudar” o atual discurso — que parece radicalizado. “Não me parece que seja o caso neste momento.”

Vale debater a tese de Ricupero. Embora no geral precisa, capta apenas um “movimento” de Lula da Silva. No momento em que se considera sob “ataque”, tanto da Justiça quanto da imprensa e de parte dos políticos — haveria uma conspiração universalizada —, Lula da Silva faz um discurso aparentemente radicalizado, dirigido aos petistas e aos seus eleitores, aqueles que parece considerar como “cativos”. Por isso parece extremista. Porém, como político habilidoso, faz um segundo movimento, não mencionado por Ricupero, ao se reaproximar de políticos tradicionais, como os senadores Renan Calheiros e Romero Jucá. Os dois próceres sugerem que os candidatos do PMDB nos Estados podem compor com o PT, quer dizer, com Lula da Silva. É uma oportunidade que se abre para o petista-chefe.

O movimento de Lula da Silva tem duplo aspecto. Primeiro, precisa conquistar apoio nos Estados, notadamente naqueles nos quais o PT é frágil, mas o PMDB é forte eleitoralmente. Segundo, se eleito presidente, mas não constituir uma base parlamentar sólida, mesmo antes da disputa, dificilmente terá condições de governar, sobretudo no primeiro ano, que tende a ser conturbado. Pode-se contra argumentar que, apesar da força da dupla Renan Calheiros e Romero Jucá, o presidente Michel Temer, dada a força da caneta, pode puxar o PMDB para outros caminhos Como lançar candidato próprio — como Henrique Meirelles — ou entabular uma aliança com o PSDB do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Há quem acredite que, ao se apresentar como determinado e como o presidente que faz as reformas que ninguém fez, Michel Temer almeje disputar a reeleição. Se a economia voltar a crescer, em 2018, sua popularidade pode melhorar.

Em síntese, o que se está dizendo, para além do que afirma Ricupero, é que grandes políticos, como Lula da Silva e Michel Temer, não armam apenas um jogo (não são “porcos espinhos”, e sim “raposas” — diria o filósofo anglo-letão Isaiah Berlin). Eventualmente, armam de duas a três jogadas — uma delas nem sempre explícita. Ao menos uma articulação é mais balão de ensaio e, até, “armadilha” para enganar incautos. Quanto a Lula da Silva, o “drummond” no seu caminho é a Justiça. Preso ou com condenação mantida na segunda instância, dificilmente terá condições de ser candidato. Quer dizer, mesmo que não seja preso, moralmente pode se tornar um postulante indefensável. Aí o PT terá de ir com Fernando Haddad — o imprevisível.

Huck e Bolsonaro

Luciano Huck e Joaquim Barbosa: ambos não são políticos, são apresentados como “outsiders” e podem surpreender

O apresentador de televisão Luciano Huck, que Ricupero não discute, é popular e, se candidato, dará trabalho tanto para Lula da Silva quanto para Jair Bolsonaro e Geraldo Alckmin. Porque é moderado e palatável para as classes médias e elites. Resta saber se, quando se apresentar como postulante — parte da família não o quer na disputa —, tendo de apresentar suas ideias fora das reuniões fechadas, será convincente. Em debates, políticos experimentados, como Lula da Silva, Jair Bolsonaro e Geraldo Alckmin, possivelmente conseguirão colocá-lo no “bolso”. Não-políticos, mesmo tendo experiência em televisão, tendem a sair do sério quanto debatem com políticos profissionais.

A esquerda está tentando transformar Jair Bolsonaro numa besta-fera e, com isso, comete o equívoco de divulgá-lo e, mesmo, de contribuir para consolidar suas teses conservadoras. Curiosamente, os eleitores não ideológicos de Lula da Silva e de Jair Bolsonaro aprovam os dois. O primeiro é visto como aquele político que, mesmo supostamente saqueando os cofres públicos, se preocupa com os pobres — é “gente a como a gente”. O segundo suposdtamente encarna a moralidade, o primado da ética.

Entre os extremos, ou supostos extremos, há Ciro Gomes, do PDT. Dado o discurso explosivo, aos comentários sem papas na língua, passa a impressão de um político extremista. Entretanto, como ministro e governador do Ceará, comportou-se de maneira moderada. Mas um político é também a imagem que a sociedade projeta dele. O que se pensa de Ciro Gomes é que se trata de um radical. Espera-se que cometa, como numa eleição passada, uma “maluquice” que o inviabilizará eleitoralmente. Se controlar a língua e articular uma aliança razoável, pode até não ganhar, mas dará trabalho aos demais candidatos, porque tem um discurso afiado.

Ciro Gomes e Marina Silva: o primeiro deve ser candidato, e a segunda, mais moderada, ainda é uma incógnita política

Há dois candidatos que se enquadram na perspectiva da moderação sugerida por Ricupero: Geraldo Alckmin e Henrique Meirelles.

É provável que Michel Temer tente transformar Henrique Meirelles numa espécie de Fernando Henrique Cardoso 2. Entretanto, isto só acontecerá se a economia melhorar bem em 2018, com a retomada do poder de consumo dos brasileiros. A ressalva é que, se acontecer, o presidente poderá pleitear a reeleição.

Geraldo Alckmin é o darling do centro político. Governador de São Paulo, que tem uma economia mais poderosa do que a de alguns países da América do Sul, o tucano agrada as elites, porque é confiável, é equilibrado. Como Tancredo Neves, não assusta. Resta saber se o povão o aprovará. Se Lula não estiver no páreo, tende a polarizar com algum candidato tido como extremista, como Jair Bolsonaro ou, vá lá, Ciro Gomes.

Há, também, a ex-senadora Marina Silva, da Rede, e o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa, sondado pelo PSB. Marina Silva passa a impressão de “desânimo”. Joaquim Barbosa sugere que define se será candidato em janeiro. Não é político e, se eleito, terá dificuldade de lidar com um Congresso indócil e, quem sabe, fisiológico. É íntegro (o que contará fortemente em 2018), talvez tenha discurso, mas pode acabar sendo visto como outsider ou, até, extremista