Reduzir folha de pagamento do servidor público pode ser a grande “reforma” pra destravar o país

29 abril 2017 às 10h26

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Reformas da Previdência e Trabalhista são essenciais para destravar a economia do país. Mas, se os Estados não resolverem o problema da folha do funcionalismo, a crise vai permanecer

Se o Brasil é o país no qual de quinze em quinze anos as pessoas esquecem os últimos quinze anos, o que resta fazer? Primeiro, ao contrário do que sugere a boutade do jornalista e escritor Ivan Lessa, é preciso admitir uma realidade raramente posta: não é desmemoriado e, portanto, deu certo um país que gerou Machado de Assis, Euclides da Cunha, Osvaldo Cruz, Carlos Chagas, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro, Cesar Lattes, Nise da Silveira, Graciliano Ramos, Juscelino Kubitschek, Milton Campos, Bilac Pinto, Celso Furtado, José Guilherme Merquior, Roberto Campos, Celina Turchi, Villas-Lobos, Ernesto Nazareth, Oscar Niemeyer, Lucio Costa, Newton da Costa, Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Afonso Felix de Sousa, Wilson Martins, Antonio Candido, Guimarães Rosa, Bernardo Élis, Portinari, Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Guiomar Novaes, Bidu Sayão, Elis Regina, Tarsila do Amaral, Clarice Lispector, Noel Rosa, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Chico Buarque, Paulinho da Viola, Adélia Prado, Clarice Lispector, Augusta Faro (autora do ótimo “Friagem”), José Arthur Giannotti. Entre tantos outros. Segundo, o suposto Bananão mudou, está mudando e a mudança, apesar das amarras gestadas por um Estado desatualizado e dirigido por políticos que perderam ou estão perdendo o timing da história, é inescapável. Tão incontrolável, dado o fato de que as mudanças são globais e contaminadoras, que aqueles que ficaram contra, por um motivo ou outro, serão aos poucos atropelados. Ficarão à margem da história e, deste modo, fenecerão de maneira dramática.
O compositor e cantor cearense Belchior (cujo nome completo é quase tão gigantesco quanto o de d. Pedro I: Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes), de 70 anos, é autor de músicas magníficas, questionadoras. Uma das melhores é “Como nossos pais”. No final, pontua: “Minha dor é perceber/Que apesar de termos/Feito tudo, tudo, tudo/Tudo o que fizemos/Ainda somos/Os mesmos e vivemos/Como os nossos pais”. No Brasil, há mesmo essa sensação de que as coisas não andam, que se está amassando barro o tempo inteiro e que o símbolo da nação deveria ser Sísifo. Mas é um engano. Como está demonstrando a Operação Lava Jato — sublinhado que, para criar uma sociedade de fato institucional, com indivíduos-institucionais, é preciso acabar ou ao menos reduzir a impunidade de todos, não só dos ricos e não só dos pobres —, o ritmo do país mudou. Há um despertar e tudo indica que não queremos mais viver como os nossos pais. A mudança está no ar e, daí, o ar está contaminado pela mudança. É, digamos, o “vício” da dialética. Fica-se com a impressão que, por vezes, os indivíduos adotam o discurso da mudança para não mudar — que é doloroso. O discurso da mudança, por si, é agradável — é como se fosse a mudança, é o substituto da mudança. Porém, como a sociedade está em ebulição, em busca de uma coisa nova — um mundo em que as pessoas sejam iguais pelo menos ante as leis —, não dá mais para gestar mudanças tão-somente nas mesas dos bares e restaurantes. A mudança está se tornando uma coisa institucional e, como tal, tende a atropelar aqueles que resistem às suas tenazes de aço.
Reforma da Previdência
Discute-se, no momento, a Reforma da Previdência e a Reforma Trabalhista. As duas são cruciais para destravar a economia brasileira. O custo da Previdência precisa ser menor para o Estado e, por consequência, para a sociedade. Uma Previdência gigante, com privilégios pantagruélicos, exige um Estado gigante, para se tornar capaz de financiá-la, ainda que aos trancos e barrancos. Um Estado caro corresponde a mais impostos para a sociedade pagar. Equivale a mais gastos inúteis e a redução de investimentos. Corresponde a uma saúde e uma educação públicas de baixa qualidade. Porque o Estado alimenta-se de todos os recursos, impedindo que seja uma instrumento da sociedade. O Estado acaba tendo “vida própria”, tornando a sociedade, como financiadora, sua serva.
Parece uma ideia simples: se as pessoas vivem mais, portanto estão cada vez mais saudáveis, por que aposentar mais cedo? A redução de determinados privilégios — e no Brasil fica-se com a impressão de que se quer ter direitos, mas não deveres —, e não apenas uma idade mais alta para se aposentar, é vital para a reorganização do Estado. Mas os grupos corporativos travam batalhas públicas e nos bastidores para preservar privilégios (sublinhe-se que o corporativismo é um filho do fascismo italiano, que inspirou, de maneira intensa, as políticas trabalhistas, por exemplo, criadas pelo presidente Getúlio Vargas).
Reforma Trabalhista
Há quem acredite que o Estado é desnecessário. Não é, nem mesmo para os empresários. Nas graves crises econômicas, como a que abalou os Estados Unidos, há pouco tempo, o Estado foi convocado, como no período da Depressão, para criar um novo equilíbrio que possibilitasse o crescimento da economia. O Estado, que pode investir a “fundo perdido”, tende a salvar a iniciativa privada, que não pode investir a “fundo perdido”. A “função” do empresariado é investir e ter lucros. Já as “perdas” do Estado representam ganhos sociais. Nas relações entre trabalhadores e empregados, mesmo com mudanças nas leis trabalhistas, o Estado jamais estará ausente. Por exemplo: a Justiça Trabalhista será mantida. Porque é uma forma de garantir o equilíbrio entre as partes, quando estas não chegarem a um consenso. Aos poucos, quando perderem o medo da incerteza e absorverem as mudanças, os trabalhadores irão entender que, deixando de ser um peso para os empresários, poderão ser mais valorizados. As novas regras podem criar um espaço de mais liberdade, derivada da flexibilidade da legislação, tanto para os que trabalham quanto para os que compram trabalho. No momento, parte dos empresários brasileiros “trabalha”, às vezes mais do que seus empregados, para pagar salários e sustentar, por meio de impostos, o Estado pantagruélico. Pode-se dizer, até, que é muito mais interessante ser trabalhador do que empresário no Brasil.
Fala-se em reduzir o Estado. É a advocacia de todos. Um Estado menor significa uma sociedade mais produtiva e, naturalmente, mais rica. Mas criar um Estado menor não tem a ver só com privatizações. Começa com as privatizações, que são uma forma de reduzir a presença estatal na economia — tornando esta mais dinâmica e menos burocrática —, mas é preciso ir além.
Pedra no caminho
Veja-se um exemplo: a folha de pagamento do funcionalismo do governo de Goiás — com o acréscimo de determinados penduricalhos (que acabam se tornando fixos), ultrapassa 70% do que se arrecada. Quase tudo que se produz no Estado é para sustentar um exército de servidores públicos. Frise-se que os funcionários públicos não têm culpa no cartório, pois muitos fizeram concursos decentes e trabalham de maneira correta. Mas é possível continuar assim, com a maioria dos recursos sendo direcionada para pagá-los? Não se trata de sugerir demissão em massa, mas Estado e sociedade, feitas as reformas basilares, que destravarão parte da economia, terão de enfrentar este problema gigantesco.
O endividamento dos Estados, ao menos em certa medida, decorre do fato de que, para investir, por exemplo em infraestrutura, é preciso contrair empréstimos. E é preciso buscar financiamentos porque não sobram recursos. E não sobram recursos porque, necessariamente, os governantes gastam mal? Não há recursos, no geral, porque os governos estaduais usam quase todos os recursos arrecadados mensalmente para pagar funcionários públicos. Frise-se que, no caso goiano, usa-se mais de 70% de tudo que se arrecada para pagar quase 150 mil servidores públicos. Sublinhe-se que moram em Goiás 6,4 milhões de pessoas. Façam suas contas e tirem suas conclusões.
Não há fórmulas prontas, e não se está propondo ações desumanas de enxugamento brutal dos governos estaduais. Mas é preciso encontrar uma saída — como a redução de contratações, inclusive por meio de concursos públicos, por alguns anos — para que, feitas as reformas essenciais, como a Previdenciária e a Trabalhista, amanhã as pessoas não comecem a dizer: “O Estado continua sem dinheiro para investir e permanece endividado”. De fato, enquanto o país não enfrentar o problema de que há um Estado contra a sociedade — que pode ser resumido na folha de pagamento do funcionalismo público —, as pessoas, definidas as reformas, tendem a continuar decepcionadas e reclamando que não sobram recursos para a saúde, para a educação, para a segurança pública e para investimentos em infraestrutura. O Brasil deu certo. Mas, para dar mais certo ainda, precisa enfrentar e remover um poderoso “drummond” que segue firme no seu caminho…