O PT privatizou o Estado e articulou a Corruptobrás para se manter no poder. No processo, vários de seus líderes se corromperam. Mas a denúncia de Nestor Cerveró sobre possível corrupção tucana merece investigação ampla e irrestrita

id_portinari_retirantesNão há a menor dúvida de que o PT, a partir do governo do ex-presidente Lula da Silva, acelerou a corrupção no Brasil. Nunca antes neste país se roubou tanto e de maneira tão escancarada e amoral. Pode-se sugerir, até, que o PT criou uma estética da corrupção. Quer dizer, transformou a corrupção numa espécie de arte que, apesar de relativamente refinada, é pouco sutil. Porém, estetizada, a corrupção se tornou uma ética, uma conduta, e perdeu-se o controle. A impressão que se tem é que, com o PT, dezenas de políticos concluíram: “Agora, com a República Livre do Roubo proclamada, podemos furtar tudo, até a moral”. É isto, em síntese: não há limites. A estética e a ética são: pode-se assaltar — ou furtar — os cofres públicos sem nenhum limite. Para tanto, basta não questionar o fato de o PT trabalhar para ficar no poder, em termos presidenciais, por muitos anos — 13 até agora. O número, que dava sorte para o PT, agora parece produzir azar para seus líderes e militantes.

Que vários políticos roubam sabe-se desde sempre, pois não se trata de fato recente e tampouco apenas uma faceta patropi. Mas o Partido dos Trabalhadores nasceu em 1980, ainda na ditadura civil-militar, com a proposta de ser um partido “diferente”. Sobretudo, o partido era um dos defensores mais ardorosos da ética na política. Na época, dizia-se mais ou menos assim: “O PT é radical, mas é honesto”. A conclusão era verdadeira. Era. Não é mais. Agora, ao deixar de ser radical, embora permaneça de esquerda, o PT deixou de ser honesto. A frase ganhou nova estrutura: “O PT não é radical e não é honesto”. Há líderes e militantes do PT que são decentes — tudo indica que em Goiás não há contaminação —, mas a imagem do partido é associada hoje à malversação com os negócios públicos. Não à toa vários pré-candidatos a prefeito pelo partido estão mal nas pesquisas. O PT não vai se tornar nanico, mas vai sair bem menor das eleições de 2 de outubro deste ano. Tornou-se não “uma” e sim “a decepção” política do país. Porque se esperava tudo do partido, menos que se tornasse corrupto.

Por que o PT, de bela história, se tornou corrupto? Historiadores e cientistas políticos vão explicar isto, nos próximos anos, de maneira mais ampla, com mais informações e nuances. No momento em que se vive há paixões cristalizadas que, por vezes, impedem um julgamento mais justo e preciso — não raro descartando as contribuições positivas, e não há como deixar de lado as virtudes do PT, hoje soterradas pela prática contumaz da corrupção. Os pesquisadores por certo já começam a investigar, colhendo dados e preparando análises, o que de fato aconteceu — em que momento e por quais razões — para o petismo se “perder” e aderir às práticas que, fora do poder, condenava com extrema veemência. O moralismo era só de fachada? Tudo indica que não. Há indícios, na verdade, de que a maioria dos petistas não tinha uma noção mais ampla de como funciona, na prática, a política e, quiçá, a vida. Havia, por assim dizer, um certo irrealismo nas suas teses e condutas.

O poder desnorteou o PT. Ao examinar o fenômeno Fernando Collor, que caiu mais por falta de apoio político do que pelas práticas corruptas, petistas de proa, como José Dirceu e Lula da Silva, concluíram que, para “conquistar” o poder, e mantê-lo em seguida, era preciso construir uma ampla rede de apoio partidário tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado. O mensalão nasce da hegemonia desta tese. O PT foi ao mercado persa da política e comprou apoio. Aos poucos, o partido, que era profundamente ideológico, montou uma estrutura fisiológica, com o objetivo de manter-se no comando da sétima (ou oitava) economia mundial. Acreditava, aparentemente, que era possível resguardar uma certa pureza ideológica corrompendo “apenas” os aliados (os corruptores não eram vistos como corruptos). Em tese, a corrupção do PT seria moral, e não de ordem financeira. Só em tese.

O filósofo italiano Norberto Bobbio escreveu que, ao contrário do que se costuma pensar — “os fins justificam os meios” —, os meios costumam corromper os fins. É o que aconteceu com o PT. No processo de corromper os “outros” — com a justificativa de que a única forma de manter o poder em nível nacional, quer dizer, a Presidência da República, onde está concentrada a maioria dos recursos financeiros do país, em termos de setor público —, o PT, por intermédio de seus líderes e administradores, se corrompeu. Tornou-se não igual aos outros. Tornou-se pior, sobretudo porque os brasileiros esperavam, talvez ingenuamente, que fosse diferente dos “outros”.

No processo de corromper os “outros”, o PT corrompeu-se igualmente, e não apenas em termos morais. Enlameou-se — moral e financeiramente. Perdeu inteiramente a compostura. Vários de seus líderes e militantes — como José Dirceu (que, antes, era um quadro profundamente ideológico) e José Vaccari Neto — se corromperam de maneira inescapável. O dinheiro que era para financiar um projeto de poder, para manter o PT com o controle do governo federal, acabou levando a um enriquecimento ilícito de vários de seus líderes e militantes. Os meios corromperam os fins, de fato.

É uma pena que o PT esteja se autodestruindo. A decadência do PT, como partido da esquerda moderada, não é nada positiva para a democracia. Ter um partido de esquerda que se aproxima do centro — que, mesmo quando radicaliza, dados os setores mais esquerdistas (como aqueles que querem o controle da Imprensa e do Ministério Público — casos de Ricardo Berzoini e Franklin Martins), recua, negocia e admite posições moderadas — contribui para o equilíbrio partidário em geral e, portanto, representa estabilidade para a democracia.

A vez do tucanato

Há uma tendência de se “crucificar” apenas o PT. Como se o partido tivesse inventado a corrupção. A revista “Veja” admite que houve problema em Minas Gerais, mas sustenta que é impróprio se falar em “mensalão mineiro”. Talvez seja mesmo. Porém, ainda que seja possível falar em mensalão mineiro, é fácil de comprovar que, em comparação com o mensalão petista, se trata, para usar uma expressão popular, de “frango de granja”. Entretanto, não há a menor dúvida de que o publicitário Marcos Valério é uma invenção dos mineiros do PSDB (e de partidos aliados no Estado) que o PT absorveu. Antigamente se dizia que tudo começava em Minas — da revolução à contrarrevolução. A Revolução de 30 começou em Minas, ou melhor, sem os políticos do Estado, mais importante do que o Rio Grande do Sul, o presidente Getúlio Vargas não teria chegado ao poder. O golpe de 1964 — “Revolução”, na visão dos militares — também começou em Minas. Pois bem: o mensalão começou em Minas, com Eduardo Azeredo, Walfrido Mares Guia e Clésio Andrade. E é preciso dizer isto com todas as letras. Quem tiver alguma dúvida de que o PSDB e o PT são irmãos, quando se trata do tema “mensalão”, que leia o livro “O Operador — Como (e a Mando de Quem) Marcos Valério Irrigou os Cofres do PSDB e do PT”, do jornalista Lucas Figueiredo. A obra saiu em 2006, tem 250 páginas e resulta de uma pesquisa séria — tanto que não agradou aos líderes dos dois partidos.

Recentemente, o ex-diretor da área Internacional da Petrobrás Nestor Cerveró, que aderiu à delação premiada na Operação Lava Jato, disse que, no processo de venda da empresa petrolífera Pérez Companc, houve uma propina de cem milhões de dólares. Fala-se que o dinheiro “foi” para o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, concluído em 2002. Cerveró não explicitou o envolvimento direto de FHC e de algum de seus ministros.

Fernando Henrique reagiu e frisou que declarações “vagas como essa, que se referem genericamente a um período no qual eu era presidente e a um ex-presidente da Petrobrás já falecido (Francisco Gros), sem especificar pessoas envolvidas, servem apenas para confundir e não trazem elementos que permitam verificação”. É uma posição política, é claro, mas é possível que seja uma frase elaborada por advogados.

O petismo vai aproveitar todas as brechas para levar o PSDB para a lama, é certo. Porque aí, em 2018, vai ser o “sujo” contra o “mal lavado” e, na dúvida, os eleitores podem escolher qualquer um (o menor pior, quem sabe). Ante a fragilidade das forças alternativas, como Marina Silva, da Rede, o embate costuma ocorrer entre “estruturas”, quer dizer, entre o PT e o PSDB. Se os dois chegarem enlameados, na próxima eleição presidencial, as chances de um candidato como Lula da Silva — o novo pai dos pobres — crescem.

Mas a denúncia de Cerveró não pode ser tratada por FHC e pelo PSDB tão-somente como parte de um jogo armado pelo PT. O ex-presidente e o tucanato levam a sério as denúncias de Cerveró quanto atingem o petismo, mas não quando atingem o governo do PSDB? Fernando Henrique Cardoso tem de cobrar, isto sim, é que as investigações sejam aprofundadas, com o máximo de rigor, para que os fatos sejam esclarecidos. Os “dois” Cerverós — os ques “denunciam” o PT e o PSDB — “precisam” ser levados a sério, até que se descubra se o que “dizem” é verdadeiro ou não.

PT é de esquerda

Uma palavra final sobre o PT e a esquerda. Aqui e ali, indivíduos menos maliciosos costumam dizer que o PT não é mais de esquerda, dado o fato de ter adquirido o vírus da corruptite aguda, criando a maior Corruptobrás da história do país. Na verdade, o PT era e é de esquerda. Dizer o contrário é uma tentativa, nenhum pouco sutil, de sugerir que a esquerda não rouba. Rouba, sim. É o que prova o PT — a maior organização política de esquerda do país.