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É natural que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, queira, na Presidência da República do Brasil, um aliado mais cordato, do tipo Jair Bolsonaro, do PL.

Ao lado do presidente da Argentina, Javier Milei, o líder da direita no país de Plínio Salgado é da turma do beija-mão. A rigor, comportam-se como governadores-gerais de colônias e, por isso, precisam pedir a bênção a el-rei.

Ao criticar o presidente Lula da Silva, do PT, Donald Trump enfatiza duas questões básicas.

Primeiro, Trump postula que o país de Lula da Silva — notadamente o Supremo Tribunal Federal, ou seja, o ministro Alexandre de Moraes — está perseguindo seu “aliado” Jair Bolsonaro.

Segundo, nas trocas comerciais, os Estados Unidos estariam “perdendo” para o Brasil. Então, a taxação de 50% dos produtos brasileiros visa corrigir a injustiça.

A taxação é tão alta que assustou até comentaristas moderados como Paul Krugman, Nobel de Economia de 2008 e professor de Princeton.

Há um grave equívoco na interpretação de Trump. Na verdade, a balança comercial é favorável aos Estados Unidos. “As exportações [do Brasil] para os Estados Unidos são menos de 2% do PIB”, frisa Krugman.

Para além da simpatia ideológica, que talvez não seja realmente a questão central, o que está pegando? O problema é o Brics?

China é a pedra no caminho dos Estados Unidos

No seu afã de dono da bola, Trump diz que o Brics não tem importância. Ora, se não tem, por que o presidente americano ataca um de seus membros? O país de Lula da Silva é a árvore, mas a floresta é o Brics, ou melhor, a China.

Livro basilar para entender as disputas entre Estados Unidos e China | Foto: Jornal Opção

O Brics inclui onze países: Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã. Entre eles alguns dos mais ricos e populosos do mundo.

Juntas, a Índia (1,428 bilhão de pessoas) e a China (1,425 bilhão) têm quase 3 bilhões de habitantes. São mercadores consumidores extraordinários e, portanto, incontornáveis. São também países altamente produtivos e ricos.

A China tem o segundo maior PIB do mundo (18,5 trilhões de dólares) e a Índia já aparece em quinto lugar (3,9 trilhões de dólares). Além disso, são potências nucleares.

Nos próximos 30 ou 50 anos, as duas nações asiáticas vão crescer ainda mais. A tendência — não se pode falar em certeza, dado o poder tecnológico do país de Bill Gates e Steve Jobs — é que a China supere os Estados Unidos. Que terá de lutar muito para não cair para o terceiro lugar, atrás da Índia.

No momento em que a China superar os Estados Unidos, estabilizando uma economia já altamente avultada, e com a aproximação da Índia, outro império econômico, o jogo tanto geopolítico quanto econômico passará por uma mudança estrutural.

Lula da Silva e Jair Bolsonaro: gotas d’água no oceano global da geopolítica | Foto: Renato Pizzutto/Band

Se a longo prazo cair para o segundo lugar, e até para o terceiro, os Estados Unidos continuarão tendo relevância, principalmente devido à sua imensa capacidade de se reinventar, em termos de tecnologia, cada vez mais rapidamente — o que subordina todas as demais economias.

É o capitalismo americano — por meio da tecnologia que não para de avançar — que subordina as demais economias. Não é o rugido de Trump, porque, aos 79 anos, passará, como os passarinhos.

Trump não inventou o capitalismo americano — o mais dinâmico do mundo e da história da economia. Nenhum país criou tecnologia tão reverberante e de alta qualidade quanto os empresários americanos, como Bill Gates (Windows), Steve Jobs (iPhone) e Sam Altman (ChatGPT).

Se o capitalismo dos Estados Unidos é o mais avançado e moderno, em termos globais, por que inventou Trump, um soldado invernal da Guerra Fria, para defendê-lo?

Paul Krugman pediu o impeachment de Trump por causa da taxação contra o Brasil | Foto: Reprodução

Porque, para tentar conter o avanço da China — em termos tecnológicos (o país asiático desafia os Estados Unidos, por exemplo, na arena moderníssima dos automóveis elétricos) —, os Estados parecem precisar de um presidente com ares de general e, até, de ditador (o que Trump ainda não é, claro).

O capitalismo das big techs gestou Trump, pela segunda vez, para o enfrentamento com a China.

No livro “A Caminho da Guerra — Os Estados Unidos e a China Conseguirão Escapar da Armadilha de Tucídides?” (Intrínseca, 411 páginas, tradução de Cássio Arantes Leite), Graham Allison, professor de Harvard, aponta que “o supercomputador mais veloz do mundo não é encontrado no Vale do Silício, e sim na China”.

“No ranking dos 500 supercomputadores mais rápidos do mundo — lista da qual a China esteve ausente em 2001 —, 167 são da China, dois a mais que os Estados Unidos”, assinala Graham Allison.

“O melhor supercomputador chinês é cinco vezes mais rápido do que o computador americano que mais se aproxima dele”, informa o mestre de Harvard. Para os Estados Unidos, é assustador que isto esteja acontecendo.

Universidade Tsinghua tem a melhor escola de engenharia do mundo | Foto: Divulgação

De acordo com o ranking do U. S. News & World Report, citado por Graham Allison, a Universidade Tsinghua, “passou o MIT e virou a universidade número um dos mundo em engenharia”. Trata-se de um dado altamente relevante.  

No campo de inteligência artificial, a China se aproxima velozmente dos Estados Unidos, e não só com o DeepSeek.

O orçamento militar da China já é o segundo maior do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e representa o dobro da Rússia.

A China já é o maior parceiro comercial de mais de 130 países. Em 2013, o país de Xi Jinping criou seu próprio Banco Mundial — o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB).

Cinquenta nações já mantêm relações financeiras com o Banco Asiático. Incluindo — sim! — um dos mais poderosos aliados dos Estados Unidos, a Inglaterra. Todos buscam juros mais baixos. Puro realismo financeiro.

Segundo Graham Allison, “o Banco de Desenvolvimento da China havia ultrapassado o Banco Mundial como maior financiador de projetos de desenvolvimento internacional”.

Liang Wenfeng
Liang Wenfeng: o chinês que criou o DeepSeek, a IA avançada da China | Foto: Reprodução

Vale notar o alto interesse do governo chinês em investir no transporte ferroviário no Brasil, o quinto maior país da Terra, em extensão territorial.

Qual moeda poderá substituir o dólar?

A expansão da China, cada vez mais acelerada, sugere que sua moeda poderá, um dia, substituir o dólar? Talvez sim. Talvez não. A China e seus principais aliados, como o Brasil e a Rússia, poderão, quem sabe, adotar uma moeda intermediária, como o euro, ou então uma moeda com um novo nome.

Ressalva: no momento, não há como substituir o dólar, até porque os países que contam, como China, Alemanha, Japão, Índia, Inglaterra, França, Itália, Brasil, Rússia  e Indonésia — sem contar os árabes, como a Arábia Saudita (17º país mais rico do mundo) —, mantêm reservas cambiais expressivas na moeda americana.

Então, o dólar continuará seu reinado por mais tempo. Mas, um dia — que pode chegar mais cedo —, poderá cair. É o que temem os capitalistas americanos, e não apenas seu agente atual, sua figura pública — Trump.

Supercomputador da China supera os dos Estados Unidos | Foto: Divulgação

Retomando a questão do PIB. O maior, claro, é o dos Estados Unidos, com 28,7 trilhões de dólares. Em seguida, aparece a China — cada vez mais próxima —, com 18,5 trilhões. É a segunda colocada. A quinta colocada é a Índia, que faz parte do Brics e aproxima-se, a passos largos do Japão, com 3,9 trilhões. O décimo colocado, com 2,1 trilhões, é o Brasil — que, a longo prazo, estará, dadas a força e a diversidade de sua economia, entre os cinco primeiros.

A Rússia é a 11ª colocada, com 2 trilhões, e a Indonésia, com 1,4 trilhão, é 16ª.

Os países do Brics têm mercado (populações imensas) e economias cada vez mais pujantes. Os Estados Unidos — mais do que Trump — têm razão em ficarem assustados. Porque, a rigor, não sabem o que vai acontecer. Ninguém sabe.

A guinada à direita dos chefões das big techs, como Mark Zuckerberg, Elon Musk (que se deu mal, porque a globalização de seus negócios o pegou no contrapé — o anti-americanismo vai prejudicá-lo) e Jeff Bezos, sinaliza que a preocupação com a China — com o seu grau de imprevisibilidade, como, de repente, aparecer com uma inteligência artificial avançada e carros elétricos e baterias cada vez melhores — não é só da política, ou seja, de Trump.

Então, reafirmando, o problema de Trump não é estruturalmente político — contribuir para impedir a prisão do aliado Bolsonaro. É, basicamente, econômico — quiçá geopolítico.

É o avanço da China — que conquista mercados e aliados —, ao apavorar os grandes empresários americanos, que se tornou o poderoso fermento da direita. Trump é, portanto, filho deste cenário.

Lula da Silva e o Brasil, mesmo se agissem contra os Estados Unidos, não incomodariam a economia do país mais rico do mundo. Por isso, em síntese, o problema dos Estados Unidos é a China, e não a terra dos escritores Graciliano Ramos, Lêda Selma, Ana Maria Gonçalves (“Um Defeito de Cor” talvez seja o melhor romance do século 21) e Solemar Oliveira.

Jair Bolsonaro e Lula da Silva são gotas d’água no vasto oceano da geopolítica internacional. Mas a China, na visão dos Estados Unidos, é o Atlântico e o Pacífico juntos. É, como se dizia nos tempos de Caio Prado Júnior e Celso Furtado, o busílis da questão.