Culpar unicamente Fátima Mrué e Marcelo Costa, da Saúde e da Educação, é esconder a realidade. O responsável pela crise da capital é o prefeito

Foto: Alberto Maia / Câmara Municipal

Goiânia é uma cidade à procura de um prefeito. Se fosse fazer um filme sobre a capital de Goiás, o americano Steven Spielberg poderia nominá-lo de “Socorro! O Prefeito Sumiu!” Brincadeira? Seria bom que fosse. Mas é sério mesmo: Iris Rezende (PMDB), eleito em 2016 — derrotando candidatos modernos, como Francisco Júnior (PSD), Vanderlan Cardoso (PSB) e Adriana Accorsi (PT) —, não consegue apresentar respostas adequadas aos problemas básicos do município, como manter o mínimo de qualidade na rede de saúde, e tampouco tem projetos criativos e inovadores. Pode-se sugerir que o “alcaide” é, diria um poeta, uma presença-ausência.

Vereadores e repórteres divulgam críticas contundentes às ações (ou inações) dos secretários da Educação, Marcelo Costa, e, sobretudo, de Saúde, Fátima Mrué. As críticas são pertinentes. Porque, como gestores, os dois auxiliares do prefeito deixam a desejar.

Professores costumam, ao comparar Marcelo Costa com a secretária anterior, Neyde Aparecida, dizer que eram felizes e não sabiam. Procede que a petista não era dotada de muitas luzes — não era nenhuma Diderot de saia —, mas ao menos dialogava com mestres e funcionários. Comportava-se como democrata. Hoje, o secretário não estabelece um diálogo franco e aberto com a categoria. O próprio prefeito chegou a gritar — o que denota não autoridade, e sim autoritarismo — com uma professora. O aspecto positivo é que pelo menos, sobretudo graças aos mestres, os alunos têm aulas.

Na Saúde impera o Dr. Caos — o “médico” presente nos cais. Consta que Fátima Mrué é, como médica, séria e competente — e não há motivo para duvidar. A questão é que, quando se assume a Secretaria de Saúde, não basta ser bom médico. É preciso noções de gestão e planejamento e entender que a política pública de saúde não é equivalente às ações do setor privado.

Tanto Fátima Mrué — que parece acreditar que as palavras removem montanhas, daí a perda de tempo com palavras-clichês, como “mudança de paradigmas” (o fraseado pomposo esconde o nada absoluto) — quanto o prefeito Iris Rezende parecem não entender como deve funcionar o atendimento básico nos cais. O resultado é que, no lugar de agregar médicos e demais funcionários, a dupla atritou-se, desde o início, com os profissionais da área, quase sempre pessoas abnegadas. Há cais nos quais faltam médicos. Quando há médicos, faltam medicamentos. Falta tudo. E sobram doentes não-atendidos com o devido respeito. É desumano.

Enquanto Fátima Mrué fala em mudar paradigmas, esquecendo o básico — que é atender bem as pessoas nos cais —, Iris Rezende prioriza os chamados mutirões, espécie de passado que insiste em sobreviver no presente. O prefeito peemedebista aparentemente não percebe que o tempo dos mutirões passou. Ele parece acreditar que os encontros nos bairros são úteis ao menos para se fazer política — afinal, sua mulher, Iris Araújo (PMDB), é pré-candidata a deputada federal.

Digamos que Fátima Mrué deixe a Secretaria de Saúde na segunda-feira, 11. O setor vai melhorar nos dias seguintes? Não vai. Porque Saúde não é prioridade da gestão de Iris Rezende e, principalmente, o prefeito nunca soube planejar as ações da área. O próximo secretário passará a ser bombardeado no dia seguinte. Por isso mesmo, para a preservação relativa da imagem do prefeito, é muito melhor que Fátima Mrué permaneça na pasta. As pessoas, e não apenas jornalistas e vereadores, preferem criticar a secretária e, de algum modo, preservar o prefeito. No entanto, se ela sai e o caos continua, as pessoas acabarão por perceber a nudez do rei, quer dizer, o verdadeiro responsável pela crise.

(Vale abrir um parêntese. Não há a menor dúvida de que Ronaldo Caiado é um ortopedista competente, com especialização feita na França. Entretanto, se faz críticas ao governo do Estado, omite-se a respeito da crise da saúde em Goiânia. Se não quiser ler os jornais e se não quiser ver as imagens das emissoras de televisão, basta que o senador do DEM converse com médicos — alguns deles até seus amigos e aliados — e pergunte sobre a situação dos cais. Ficará horrorizado, por certo, com as opiniões de seus colegas. Se ouvir a população, então, o horror será ainda maior.)

Fecha-se o parêntese e frise-se: muito mais do que Fátima Mrué — que, embora não sendo “vítima”, não deve ser escolhida como bode expiatório —, Iris Rezende é o principal responsável pela crise da Saúde em Goiânia. Ele não planeja e improvisa mal. A situação é tão dramática que até um deputado do PMDB, José Nelto, faz críticas acerbas à atuação da secretária e do prefeito.

Equipe
Não há a menor dúvida de que Iris Rezende é um político “astuto” e que, por vezes, “esconde-se” atrás de seus secretários — para que fiquem com a imagem de que são “culpados” pelos problemas de sua gestão. Fátima Mrué e Marcelo Costa são os “bodes” no gabinete do prefeito.

Na verdade, estão criando o mito de que Iris Rezende está fracassando como prefeito por ter escolhido uma equipe de baixa qualidade. De fato, a equipe não é excelente — não há figuras altivas e criativas como o economista Flávio Peixoto e o engenheiro Mauro Miranda. Mas o problema básico é outro. É o próprio prefeito, que não tem qualquer sintonia com a Goiânia moderna e vigorosa. É como se, de alguma maneira, a capital estivesse (está) no século 21 e seu representante permanecesse, mentalmente, no século 20 — preso à década de 1960.

O prefeito de Aparecida de Goiâ­nia, Gustavo Mendanha, também do PMDB, visitou Israel e pretende criar uma cidade-digital. A máquina pública está sendo modernizada e os funcionários públicos requalificados. O objetivo é dotar a prefeitura de serviços eficientes e rápidos. Uma comparação extrema: o jovem prefeito planeja que os moradores de seu município resolvam seus problemas com o setor público com alguns toques em seus celulares e Iris Rezende parece acreditar que se vive no tempo da máquina de escrever (não à toa, sua mulher, Iris Araújo, construiu uma horta no Paço Municipal, sugerindo uma volta ao campo, um saudosismo retardatário). Hoje, há Goiânia e Aparecida de Goiânia. Que o leitor não fique surpreso se, com o tempo, Goiânia for renomeada para “Goiânia de Aparecid a”. Por quê? Porque Gustavo Mendanha vai para Paris e Iris Rezende para o Pará. São dois prefeitos do PMDB, mas com perspectivas completamente diferentes. Pode-se concluir que os goianienses estão com certa inveja, ainda que benigna, dos aparecidenses.

Iris Araújo
Há quem diga: “Iris Rezende está fracassando porque não governa mais e Iris Araújo, sem experiência administrativa, é quem governa Goiânia”. Aos 74 anos, a sul-matogrossense de Três Lagoas mantém-se presente nas proximidades da sala de Iris Rezende, com o objetivo provável de constituir uma base eleitoral para disputar mandato. Mas, se a gestão do marido não funciona, a responsabilidade principal não é sua. É do próprio prefeito. Há um certo machismo na fala de quem culpa Iris Araújo pelo fracasso administrativo de seu companheiro.

A questão central, sublinhe-se, é que Iris Rezende perdeu sintonia com a cidade que administra. Aos secretários, o prefeito conta que, enquanto deixa a cidade à míngua — suja e encardida —, está fazendo caixa para recapear várias ruas de Goiânia, além de fazer asfalto novo em alguns bairros. Por que não investir na saúde agora? Não se sabe exatamente qual é a visão de mundo do peemedebista. O que se sabe é que está deixando de valorizar a vida das pessoas (crianças e idosos são os que mais sofrem com ao atendimento deficiente da prefeitura) para priorizar aquilo que, na sua opinião, pode render votos tanto para Iris Araújo quanto para outros aliados.

Às vezes, diria a filósofa alemã Hannah Arendt, é preciso repor as ideias no lugar a respeito da questão da responsabilidade. Fátima Mrué e Marcelo Costa podem ser dispensados a qualquer momento, mas os goianienses terão de suportar Iris Rezende por mais três anos — até 2020. Há quem diga que está sugerindo que vai bancar o vereador Andrey Azeredo para prefeito, em 2020, mas que, no fundo, pretende disputar a eleição. Ainda bem que o eleitor goianiense não é masoquista… l