Na semana passada, articulistas de jornais comemoraram a pequena recepção ao ex-presidente Jair Bolsonaro que, depois de americanizado — como Carmen Miranda —, voltou ao Brasil. A discussão é inócua, porque não leva a nada, mas, se não fosse o receio de bloqueios nas estradas e até prisões, é provável que a recepção tivesse sido mais calorosa. 

Subestimar Bolsonaro conforta a plateia de esquerda, mas não é um ato de inteligência. O ex-presidente não está morto politicamente. Não se pode esquecer que venceu Lula da Silva nos grandes centros do país e foi derrotado por uma diferença de 2 milhões de votos.

Paulo Pimenta: o ministro “copiou” Jair Bolsonaro e atacou jornalista | Foto: EBC

Por que Bolsonaro permanece politicamente “vivo”? Por dois motivos. Primeiro, há um eleitorado de direita consolidado. E este eleitorado ainda o vê como “a” alternativa ao PT. Segundo, o presidente Lula da Silva e alguns ministros estão cometendo erros e grosserias que acabam por “suavizar” as barbaridades ditas pelo integrante do PL.

O ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta (PT), ao ser inquirido por Raquel Landim, a excelente repórter-apresentadora da CNN, sobre a crise entre Sergio Moro e Lula da Silva, no lugar de se explicar, perguntou se ela era jornalista. Trata-se daquela semelhança gratuita que aproxima o pessoal do PT da turma de Bolsonaro, como se o petismo fosse o lado “b” do bolsonarismo.

Confrontado com a história de que o PCC planejou matar Sergio Moro e o promotor de justiça Lincoln Gakiya, Lula da Silva deu risada e duvidou da veracidade da denúncia, que é verdadeira. O “problema” é com o ex-magistrado, mas o deboche do presidente, ao esquecer a liturgia do poder, também atingiu o promotor paulista.

Sergio Moro, senador, e Lincoln Gakiya, promotor | Fotos: Reproduções

Os petistas que estão pensando em 2026 — quando terão Bolsonaro pela frente, se o ex-presidente não se tornar inelegível —, deveriam pensar, antes, em 2024.

O bolsonarismo, com Bolsonaro na linha de frente, vai usar 2024 — as eleições para prefeito — como uma espécie de preliminar para 2026. O PL planeja lançar candidatos fortes nas capitais e nas demais grandes cidades do país.

O objetivo é duplo. Primeiro, criar bases político-eleitorais em cidades com grandes eleitorados e PIBs mais amplos. Segundo, mostrar força em cima do PT. Uma vitória do bolsonarismo em 2024, em capitais como São Paulo e Rio de Janeiro, para citar duas das maiores e mais emblemáticas, será um recado forte para a disputa de 2026.

Enquanto subestimam Bolsonaro, mostrando que não foi recebido por multidões no seu retorno ao país, o bolsonarismo está armando uma estratégia que conecta 2024 e 2026.

Pesquisa recente do Ipec mostra que os eleitores estão “cansados” da polarização Lula da Silva versus Bolsonaro. De acordo com o levantamento, 57% querem uma alternativa. Porém, se não houver alternativa, na hipótese de nenhuma se firmar, a batalha se dará entre um petista, possivelmente Lula da Silva, se estiver bem de saúde, e Bolsonaro.

Bolsonaro e Mohammed bin Salman, Príncipe Herdeiro do Reino da Arábia Saudita | Foto: Foto José DiasPR
Bolsonaro e Mohammed bin Salman, príncipe do Reino da Arábia Saudita | Foto: José Dias/PR

Há cinco alternativas de qualidade: Ciro Gomes (PDT), Romeu Zema (Novo), Ronaldo Caiado (União Brasil), Simone Tebet (MDB) e Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Ciro Gomes (talvez o novo Leonel Brizola, que foi “devorado” pelo petismo) parece não ter condições de enfrentar um postulante do PT e seu partido, o PDT, se comporta como uma espécie de franquia do petismo. Simone Tebet, por ter aceitado cargo de ministra, terá dificuldade de se apresentar como oposição a um petista. Parece neutralizada. Pode se filiar ao PT? Difícil, mas seria uma alternativa talvez mais eficaz eleitoralmente do que Fernando Haddad. Tarcísio de Freitas é submisso a Bolsonaro, por isso não se coloca como pré-candidato. A rigor, as alternativas reais são Ronaldo Caiado e Romeu Zema, governadores de Goiás e de Minas Gerais, respectivamente.

Admirável mundo novo à espera do Brasil

Bolsonaro e Lula da Silva vão se atacar, aumentando a polarização, que interessa a ambos. Mas os dois deveriam ler a entrevista de André Esteves, sócio do BTG Pactual, concedida ao repórter Altamiro Silva Junior e publicada pelo “Estadão” na quinta-feira, 30.

O país está pronto para crescer e, também, para conquistar o mundo. Lula da Silva e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, devem ficar atentos ao que está acontecendo nos outros países e no Brasil. Não podem perder tempo com aquele que quer puxá-los para a “briga”, com o objetivo de antecipar o quadro eleitoral de 2026 e, sobretudo, contribuir para travar as ações do governo federal. Quem não avança é, por vezes, tragado pelo jogo adversário e tende a recuar.

André Esteves: o banqueiro sinaliza para um caminho racional para Lula da Silva | Foto: Reprodução

O ideal é que o presidente e seu entourage deixem Bolsonaro “budejar” para operar em paz, com a sociedade, pela retomada do crescimento econômico e, ao mesmo tempo, para aumentar a eficácia dos programas sociais.

No momento, Estados Unidos e China, as duas maiores potências globais — inclusive nucleares —, estão se reposicionando. Não há nenhuma batalha prevista entre os EUA de Joe Biden e a Rússia de Vladimir Putin. O presidente norte-americano sabe, mais do que qualquer um, que a Rússia não é nenhuma ameaça séria à economia dos Steites (o país de Púchkin é mais um peão do jogo real do que um player; não tivesse o controle total da energia nuclear, sequer teria atacado a Ucrânia de Gógol).

A ameaça real vem da China, que se tornou, rapidamente, uma potência tecnológica e compete, de igual para igual, com a terra de Milton Friedman. O professor de Harvard Graham Alisson afirma que a melhor faculdade de engenharia do mundo não fica mais nos Estados Unidos, e sim na China. O significado disso é que o país de Xi Jinping comercializa, globalmente, tecnologia de primeira linha.

A China quer superar os Estados Unidos e estes batalham para não serem superados. Há a possibilidade de uma guerra mundial? Há. O que pode impedi-la? Primeiro, a bomba atômica — que é uma ameaça para todos. Segundo, quem sabe, o bom senso. Graham Alisson registra que potências emergentes e hegemônicas costumam ir à guerra. Vale a pena ler seu magnífico livro “A Caminho da Guerra — Os Estados Unidos e a China Conseguirão Escapar da Armadilha de Tucídides?” (Intrínseca, 411 páginas, tradução de Cássio de Arantes Leite)

Xi Jinping e Joe Biden: realismo dos não-mocinhos chinês e americano | Foto: Reprodução

Ante o “confronto” entre as duas potências, que precisam do Brasil, a situação, longe de ser desfavorável, é confortável para a terra, de acordo com Jorge Benjor, abençoada por Deus. A política externa de Lula da Silva, se é equivocada quanto a Ucrânia e Nicarágua, não o é em relação aos Estados Unidos e à China.

O ideal é que o Brasil mantenha relações cordiais com as duas nações. A rivalidade entre Estados Unidos e China não têm a ver com o Brasil. É uma guerra geopolítica-econômica — pela hegemonia global — e não há mocinhos na história.

André Esteves frisa que “todo grande deslocamento geopolítico no mundo sempre teve vencedores e perdedores”. De fato, os Estados Unidos e a União Soviética saíram da Segunda Guerra Mundial como as duas potências hegemônicas — deixando a França e a Inglaterra para trás. Em seguida, a URSS se esfacelou e os Estados Unidos assumiram a liderança global solitariamente. Agora tem a China a ameaçá-los.

“Este momento que estamos vendo é oportunidade para o Brasil, mais que qualquer outro momento recente”, sublinha André Esteves. “Se o custo do dinheiro subiu lá fora, onde era zero ou negativo, por causa da alta de juros nos países desenvolvidos, no mercado brasileiro sempre teve um custo”, assinala o “Estadão”, sintetizando a ideia do banqueiro. “Capital custar alguma coisa, sempre custou aqui. Então não é novidade para o empreendedor brasileiro.”

O banqueiro ressalta que “já o reordenamento das cadeias mundiais de produção, que agora leva em conta fatores como segurança alimentar e energética, beneficia o Brasil. ‘Agora as cadeias vão se reordenar, e não mais em cima só da eficiência, como foi nos anos 90’”.

Há uma boa notícia para o Brasil, segundo André Esteves. “Em todos” os “novos critérios o Brasil se apresenta como um centro ‘altamente competitivo’. É dos países do G20, o grupo das nações mais ricas do planeta, aquele com a matriz energética mais limpa e exportável. Além disso, o Brasil se dá bem comercialmente e culturalmente com todas as regiões do planeta.”

Acertadamente, André Esteves afirma que “o Brasil está em um contexto positivo para poder inovar”. Pode-se acrescentar que a batalha — por enquanto comercial — entre a China e os Estados Unidos interessa ao país de Clarice Lispector e Machado de Assis. Se a agenda brasileira for realista, passando por cima de questões ideológicas, o país só a tem a ganhar.

Então, se a quizila atual interessa a Lula da Silva e Bolsonaro, polos que se atraem, não interessa em nada ao Brasil. Se a agenda positiva do governo federal prevalecer, de maneira realista, o país dará certo e, junto, o governo petista. O que consagrará o governo do petista-chefe não será o combate a Bolsonaro ou Sergio Moro, e sim uma política econômica ajustada e sintonizada com o que está acontecendo no mundo.

O mundo — o novo mundo — está pronto para o Brasil, pode-se sugerir. Resta saber se o Brasil está pronto para o mundo. Repetindo: uma agenda realista, focada nas questões centrais — como uma reforma tributária adequada à realidade do país e um arcabouço fiscal exequível —, pode tornar Lula da Silva (ou outro candidato do PT) imbatível em 2026.

Se aderir ao jogo de Bolsonaro, que vai tentar puxá-lo para sua “rinha” — políticos são “galos falantes e implumes”, diria Platão —, Lula da Silva, assim como o Brasil, só terá a perder. A prioridade da agenda do petista-chefe tem de ser o Brasil, e não Bolsonaro. Na política, como na vida, não se deve ter a alma “sequestrada” pelos adversários e inimigos. É preciso mantê-la “livre” para que se perceba o quadro político e econômico do país com nitidez e amplitude.