Pré-candidatos a governador de Goiás têm de ficar de olho nas vozes inquietas das ruas

15 abril 2014 às 18h31
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As manifestações de ruas cobraram mais ética, desenvolvimento de ideias e menos esquema de dinheiro na política. O PMDB corre o risco de ser apresentado, na campanha, como o partido que se vendeu por 30 moedas

Goiás tem no momento cinco pré-candidatos a governador. Quatro deles têm experiência no setor público. O peemedebista Iris Rezende foi prefeito de Goiânia e governador do Estado duas vezes. O tucano Marconi Perillo está no terceiro mandato como governador. O petista Antônio Gomide consagrou-se como prefeito de Anápolis — vencendo duas eleições. O presidente do PSB, Vanderlan Cardoso, foi prefeito de Senador Canedo duas vezes. Júnior Friboi, do PMDB, não tem qualquer experiência no setor público.
Empresário avalia que, por ter experiência no setor privado, conseguirá fazer uma revolução no setor público. Nem sempre é assim, e na maioria das vezes não se trata de incompetência, e sim de falta de visão de que administrações pública e privada são, no geral, muito diferentes. Como se sabe, o lucro na gestão pública é social, ou, como dizem os economistas, se traduz em desenvolvimento. Os governos, de quaisquer colorações ideológicas, investem, por assim dizer, a fundo perdido. Portanto, não visam lucro financeiro. A regra número um para empreendimentos privados, até para que não quebrem, é ter lucro financeiro — e a qualquer custo. O empresário que entender isto, como parece ter entendido Vanderlan ao gerir o município de Senador Canedo, não faz feio na política. Vanderlan contribuiu para que Senador Canedo ganhasse identidade e deixasse de ser uma espécie de grande e problemático bairro de Goiânia. Friboi, se entender as diferenças entre os dois tipos de gestão, também poderá se tornar um administrador qualitativo.
Porém, mesmo que as gestões privada e pública sejam diferentes, não significa que a pública não possa incorporar algumas características da privada. A meritocracia, por exemplo, é mais típica do setor privado, mas em alguns Estados, como Minas Gerais e Goiás, tem sido aplicada com eficiência. Gastar e endividar-se menos, seguindo o que as empresas particulares fazem, é outro exemplo positivo. Mas o gestor público, mesmo compreendendo que deve equilibrar receita e despesa, sabe que, como precisa pensar em desenvolvimento — e não apenas em crescimento —, tem de investir sob risco de “prejuízo” (ou lucro social a longuíssimo prazo). Observe-se o caso da eletrificação rural, que é muito dispendiosa para o setor público, mas precisa ser feita. Na meca do liberalismo contemporâneo, para impedir que a economia quebrasse numa espécie de efeito dominó, o governo de Barack Obama pôs dinheiro público no mercado e ajudou a recuperar o capitalismo americano. O capitalista pede menos Estado, mas não se conhece uma economia que tenha saído de alguma crise de certa magnitude sem a intervenção estatal. O mercado, deixado por sua conta e risco, é um perigo para si próprio. Na crise, quando se deve investir, o capitalista recolhe-se, para evitar perdas acentuadas, e aí o Estado reaparece para ajustar as crises geradas pelo mundo do capital. O Estado é o ogro do capitalismo, na visão liberal, mas, sem a elasticidade das políticas públicas, o modo de produção mais analisado por Karl Marx já teria batido as botas. Iris, Marconi, Gomide e Vanderlan sabem disto, por experiência, mas Friboi vai aprender aos poucos.
A voz das ruas
Posta a questão acima, é hora de examinar outro aspecto. Políticos em regra têm um bom ouvido para as vozes das ruas, mas às vezes deixam a impressão de que são ou estão ligeiramente surdos. Recentemente, os brasileiros foram às ruas e fizeram dezenas de protestos, alguns pacíficos e outros violentos. O fato é que, de uma forma ou de outra, deram o seguinte recado: estão cansados de conversa e pouca ação para beneficiar a sociedade. Os brasileiros disseram que querem um país melhor — e para todos, não apenas para alguns, os de sempre, os donos do poder, apontados pelo sociólogo Raymundo Faoro. Cobram uma nação transparente e serviços públicos e privados de mais qualidade. Os indivíduos sugeriram que querem, na verdade exigem, se tornar cidadãos de fato. Eles disseram, ao pôr o corpo em movimento, nas ruas, o espaço mais público da sociedade, que não estão satisfeitos e que a sociedade pode ser melhor, e agora, não num futuro remoto.
Não se pode dizer que os governantes, quem sabe até mais do que os empresários, não entenderam o recado. Compreenderam, sim, o que ocorreu nas ruas, com as pessoas saindo de suas casas e trabalhos para sugerir que os mecanismos institucionais, ainda que fundamentais, estão falhando. A pressão pela redução da acomodação geral surtiu algum efeito — por exemplo, na discussão da melhoria do setor de transporte coletivo (Goiás permanece discutindo isto) —, ao menos inicialmente. Os políticos aparentemente acordaram, ainda que, do ponto de vista ético, da lisura da condução da coisa pública, muitos continuem agindo do mesmo modo de antes, como se a sociedade não existisse, como se fosse um sonho numa noite de verão. A grave crise da Petrobrás, com negócios propositadamente nefastos para as contas públicas mas não para as contas de determinados indivíduos, notadamente petistas (mas não só), indicam que os protestos das ruas, embora ouvidos, não foram inteiramente acatados.

Porém, se os políticos começam a se fazer de surdos, o espírito das ruas, o desenvolvido nas manifestações, não desapareceu. É provável que o eleitorado vote, na disputa deste ano, seguindo os ditames dos protestos coletivos. Veja-se o caso do PT. O partido pressiona para que o deputado federal André Vargas, suspeito de ter se associado a um doleiro preso pela Polícia Federal, renuncie ao mandato. O objetivo é que sua suposta “sujeira” não contamine a campanha de reeleição da presidente Dilma Rousseff, uma política que, apesar de alguns equívocos, é de fato limpa. Se estivesse atento às ruas, no lugar de exigir a renúncia, para que André Vargas se esconda e não seja lembrado, mas não seja penalizado, o PT o expulsaria imediatamente. Como se acredita que a contaminação seja mais ampla, e não isolada, o partido prefere uma solução cosmética, varrendo o lixo para debaixo do tapete. O senador petebista Gim Argello, não fosse a pressão da imprensa, que mostrou que tem condenações judiciais, teria sido premiado com um emprego vitalício como ministro do Tribunal de Contas da União. As ruas gritaram, mas muitos não ouviram e continuam com as mesmas práticas. Em 5 de outubro, daqui a cinco meses e 22 dias, gritarão mais uma vez, agora por intermédio do voto — que pode surpreender os incautos e, até, os cautos.
Políticos que não entenderem que a sociedade está mais seletiva e que prefere votar num candidato que apresente um projeto de governo pragmático e avançado certamente serão derrotados. Políticos que acreditam que seu principal ativo é ter dinheiro — como parece ser o caso de Júnior Friboi — possivelmente terão dificuldades na campanha. Muitas dificuldades. Não se pode dizer que o empresário está comprando votos, mas a imagem pública que se cristaliza é que está comprando apoios. Insistamos que se trata de imagem, porque não há provas, evidências, portanto, para não cometer injustiça, não se deve desqualificar o peemedebista. Dinheiro em excesso, sugerindo abuso do poder econômico, despolitiza a política e, mais uma vez, choca as ruas. Digamos que Friboi não tivesse dinheiro, supostamente muito dinheiro, alguns de seus principais “aliados” estariam mesmerizados pela figura do empresário-mecenas? Talvez não.
O PMDB corre o risco de, na campanha, passar a ser visto pelo eleitor como o partido que se vendeu por 30 moedas. Se esta ideia cristalizar-se, de maneira incontornável, o partido pode ter uma de suas derrotas mais acachapantes. Líderes sérios e experimentados, como Maguito Vilela e Pedro Chaves, devem alertar Friboi sobre o que está ocorrendo. Friboi, aliás, pode ser, mais do que agente, uma vítima do processo político goiano.
Orientado pelo publicitário Duda Mendonça — o marqueteiro, sugere o jornalista e pesquisador Elio Gaspari, é um desenvolvimento da linhagem dos astrólogos —, Friboi será capaz de entender que a campanha deste ano se dará sob a hegemonia das ideias e dos projetos, e não da estrutura e do dinheiro? É possível.
Tapetão e tucanato
O denuncismo pode-se tornar veneno para os que denunciam por denunciar. Os malfeitos devem ser expostos, mas com precisão. Na campanha deste ano, as oposições certamente vão atacar o governador Marconi Perillo com extrema volúpia, porque seu grupo está no poder há quase 16 anos. Mas não se nota esforço algum do oposicionismo para entender o político tucano. Só se combate com eficiência quando se entende, com precisão, o que se está combatendo. Nota-se, algumas vezes, talvez até muitas vezes, que o Marconi apresentado pelas oposições não é o Marconi real, e sim uma caricatura, uma mistura ensimesmada de deus e demônio.
Nota-se, especialmente em setores petistas, um “desejo” de retirar Marconi do páreo, mas não pelas regras institucionais, das urnas, e sim pelo tapetão. Volta e meia um petista inquire, maliciosamente: “Mas será que Marconi vai mesmo disputar a reeleição?” ou “E se aparecer alguma denúncia pesada?”. Ora, o tucano deve ser batido nas urnas, pelas regras do jogo democrático. Arrancaram o peemedebista Marcelo Miranda da política do Tocantins e, com isto, o transformaram numa espécie de vítima. Agora, o Estado clama por seu nome para administrar o Estado. Lá, um peemedebista se tornou vítima do tapetão. Espera-se que, em Goiás, não ocorra o mesmo.