Para responder sem pensar muito: quem era o presidente da Câmara dos Deputados quando Fernando Collor de Mello sofreu impeachment? E quem foram os nomeados para o Supremo Tribunal Federal (STF) durante o governo de Fernando Henrique Cardoso?

Enquanto o leitor, que certamente já pensou muito, tenta puxar as lembranças pela memória ou pede ajuda ao Google, é preciso alertar – mais do que uma espécie de “quiz” o qual apenas uma minoria teria êxito em respondê-lo, o ponto onde quer chegar a abertura deste Editorial talvez já seja possa ser mais bem entendido com estas perguntas: quem era o presidente da mesma Câmara quando Dilma Rousseff sofreu impeachment? E quem foi o único ministro nomeado para o STF por Michel Temer?

Sobre as duas últimas questões, as respostas estão mais frescas na cabeça. Mas talvez não somente pela conveniência de uma temporalidade mais recente. Claro que, na dificuldade de ter na ponta da língua as respostas às arguições do primeiro parágrafo, isso também conta – faz mais de 20 anos que os fatos aconteceram.

Entretanto, o ponto-chave é: os nomes dos personagens do Legislativo e do Judiciário estão cada vez mais presentes na rotina dos Poderes e, consequentemente, no dia a dia da população. Por isso, também, as pessoas vão se lembrar muito mais das respostas à segunda parte do “quiz”: Eduardo Cunha, o carrasco do mandato de Dilma em 2016; e, claro, de Alexandre de Moraes, o pupilo de Temer hoje mais conhecido como “Xandão”.

O fato é que o Poder Executivo vem há tempos deixando de ter a hegemonia de outros tempos. Isso fica mais claro quando se percebe como vem perdendo sua influência sobre o trabalho do Legislativo, em todas as esferas. No caso do governo federal, isso fica mais claro ao se observar, por exemplo, o que se desenrola em relação às medidas provisórias (MPs) nos últimos anos.

Até tempos atrás, um artifício costumeiro do chefe do governo de ocasião era controlar a agenda dos parlamentares pelo uso recorrente das MPs. Elas tinham a função de trancar a pauta da Câmara dos Deputados caso, 45 dias depois de publicadas, não fossem levadas a votação. Em 2015, porém, esse instrumento teve seu poder diminuído por uma decisão do STF: tornou-se necessária uma comissão de análise formada por 15 deputados e 15 senadores, para, depois de aceito, ser lido no plenário da Câmara. Só a partir daí, poderia trancar a pauta.

Na prática, isso causou a redução da quantidade de projetos aprovados com origem no Executivo. Enquanto em 2012, o governo havia sido autor de 43 das 76 proposições aprovadas, em 2021, o Executivo enviou 42 das 127 aprovadas. Apesar de parecer apenas uma dança de números, o fato é que a aprovação caiu de mais da metade para menos de um terço do total.

O volume de MPs que perderam eficácia também aumentou. Se, em 2012, 39 MPs enviadas pelo Planalto, só 3 (8%) deixavam de ter validade, em 2021, esse número alcançou 44%, já que 29 de 66 MPs caducaram.

Um sintoma da maior influência do Congresso sobre as pautas do poder é a alteração das estratégias do lobby nos corredores de Brasília. Consultores elegantes e muito bem pagos trafegam com suas maletas pretas estão cada vez mais no prédio do Legislativo e admitem que hoje é lá o principal foco do trabalho.

Se tudo já estava caminhando nesse rumo já há algum tempo, um fator que catalisou a força da Câmara dos Deputados na relação com o Executivo foi a criação das chamadas emendas de relator no governo de Jair Bolsonaro (PL). Ainda que o STF tenha limitado seu uso em dezembro do ano passado, a negociação já escalou para outro nível e dele dificilmente retrocederá.

Quem pensa que a guerra política envolve apenas os eleitos não tem acompanhado com a leitura correta o que ocorre no Brasil desde o mensalão

Com isso, o presidente da Câmara, Arthur Lira (pP-AL) exerce o papel de líder de uma espécie de sindicato mais poderoso do País. Está, em última análise, a condução das barganhas para aprovação ou não dos projetos encaminhados pelo Palácio do Planalto. Jazem no passado os governos, fossem quais fossem, tinha maiorias estáveis para votar mesmo os projetos mais polêmicos.

Quem pensa que a guerra política envolve apenas os eleitos não tem acompanhado com a leitura correta o que ocorre no Brasil desde o mensalão ou, pelo menos, desde o avanço da Operação Lava Jato. Mesmo sem o crivo do voto popular, os nomeados do Judiciário também exercem cada vez mais força ativa no território do poder. Tanto que são cada vez mais acusados – erroneamente, diga-se – de tomarem o papel do Congresso e legislarem por conta própria.

A questão é que pautas que mofam nos arquivos do Senado e da Câmara acabam desencadeando ações na esfera judicial e chegando ao STF. Foi assim, por exemplo, com a criminalização da homofobia e está sendo assim com a descriminalização do porte de pequena quantidade de maconha, que foi paralisado por pedido de vistas do ministro André Mendonça.

Como atualmente a maioria do Supremo é composta de ministros progressistas, pautas como essas estão tendo sucesso. A questão é que, no prédio vizinho, há uma maioria de conservadores no exercício dos mandatos. Por essas e outras que, na quinta-feira, 14, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), anunciou que a Casa apresentará projeto de emenda à Constituição (PEC) para criminalizar o simples porte de qualquer droga e em qualquer quantidade. É clara a medição de forças com o caso em julgamento pela Corte ao lado.

Ainda no Congresso, mas na outra cúpula, o Centrão é quem guia os rumos dos sucessos e fracassos dos governos. Diante de toda a costura que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) precisa construir, é quase um equívoco dizer que a esquerda assumiu o poder.  Pode-se dizer que foi eleito, sim, um presidente de centro-esquerda – até o mais fanático petista sabe que Lula não é nada radical na ideologia –, mas a divisão do bolo deixa uma fatia bem modesta para o nicho de origem mais assentada nos preceitos marxistas e afins. No Brasil de hoje, então, vale ainda mais a frase célebre de autor controverso: “O poder é como o violino, toma-se com a esquerda e toca-se com a direita”. E como fica o Executivo, diante disso tudo? Dizendo em um tom mais irreverente, fica sem poder se descuidar, senão perde até o violino. Em um País presidencialista, não é possível dizer nunca que o ocupante da principal cadeira do Planalto será coadjuvante. Ainda que a discussão do semipresidencialismo esteja na primeira gaveta de Lira, o protagonismo de quem veste a faixa republicana não deixa de mostrar seu brilho. O que estão aparecendo, cada vez mais, são outras estrelas para dividirem o mesmo céu de Brasília.