Pesquisa Ipec — Quem será a alternativa a Lula e Bolsonaro: Caiado, Tarcísio, Zema, Tebet ou Ciro?
25 março 2023 às 11h03
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A eleição para presidente da República será realizada daqui a três anos e seis meses, em 4 de outubro de 2026. Não resta dúvida de que, primeiro, é preciso discutir a eleição de 2024 — que está mais próxima. Porém, por qual motivo já se está fazendo pesquisas, ainda que nem sempre de intenção de voto? O que determina isto é a disputa de 2022, cujo resultado refletiu uma polarização extrema entre direita, com Jair Bolsonaro, do PL, e esquerda, com Lula da Silva, do PT.
Deu-se na disputa do ano passado quase um empate técnico, por assim dizer. O que “desempatou” a peleja foi a força de Lula da Silva no Nordeste. Sem os Estados mais pobres do país, o petista teria perdido para Bolsonaro, que ganhou no Sul, nos Estados mais ricos.
Com três meses de governo de Lula da Silva, o clima de polarização continua. A quem interessa isto? Exatamente ao presidente e ao ex-presidente. Um clama pelo outro. Porque, no fundo, se consideram capazes de derrotar o outro no pleito de 2026.
Muito da atual polarização se deve a Lula da Silva, que, no lugar de se comportar como presidente, está se portando — permanece no palanque — como se ainda fosse candidato e militante. Fica-se com a impressão de que planeja fazer uma grande vingança, tanto contra aqueles que o colocaram na cadeia, em razão da Operação Lava Jato, quanto contra os agentes do bolsonarismo, incluindo alguns militares.
Lula da Silva é um homem de 77 anos e, por isso, parece ter pressa em fazer um bom governo e, ao mesmo tempo, em se vingar. Mas talvez a melhor “vingança” contra seus adversários — parece que estão sendo tratados como “inimigos” — seja, não persegui-los (deixando-os à mercê do Ministério Público e da Justiça), e sim fazer um governo eficiente, que retome o crescimento da economia e, ao mesmo tempo, contribuia para a redução da pobreza.
A direita parece não acreditar, mas a preocupação de Lula da Silva e de sua equipe com o social é genuína. O governo petista vai operar, possivelmente, para reduzir a pobreza. E é provável que, aos poucos, crie medidas mais amplas de inclusão (na área de educação, por exemplo), indo além da mera assistência social.
Se reduzir a pobreza, Lula da Silva vai conquistar o apoio de amplos setores da sociedade e, com isso, pode até mesmo isolar a extrema direita. O combate à direita radical, via discurso e divulgação de dossiês, tem seu apelo popular, de caráter midiático. Mas não é isto que vai fortalecer Lula da Silva. O que vai consolidar o governo petista é a retomada do crescimento econômico, o controle da inflação e o investimento em redução da pobreza.
Se o governo Lula da Silva se tornar um ás do discurso, mas sem resultados convincentes, o que se terá, quem sabe, é a ressurreição da direita bolsonarista.
Nota-se que está em curso uma operação para tornar Bolsonaro inelegível — há inclusive a possibilidade de que seja preso. Os dossiês contra o ex-presidente e seus familiares certamente serão, daqui para frente, explosivos. O ex-presidente reluta em voltar ao país exatamente porque teme o que ainda vai ser divulgado, e não tanto o que já se divulgou.
Se Bolsonaro estiver fora do processo, o quadro na centro-direita ficará ainda mais aberto. Sua mulher, Michelle Bolsonaro, teria condições de substitui-lo, acrescentando certa suavidade à direita? Talvez sim. Talvez não. O mais é provável é que não. Se sobram simpatia e beleza, falta a Michelle conteúdo e experiência política mínimos. Resistir a ataques brutais, ao vasculhamento da vida privada, e debater com profissionais da política não são tarefas fáceis. Sem contar que tudo que for levantado contra Bolsonaro vai respingar na ex-primeira-dama. Se ele for preso, por exemplo, a plataforma de sua mulher, se candidata, será libertá-lo?
Porém, tendo substância ou não, Michelle, que o público tenderá a chamar de “Bolsonara”, pode se tornar uma player política. Mas teria condições de agregar toda a direita anti-PT e anti-Lula, ou apenas a militância bolsonarista? É muito difícil que agregue a direita liberal, que tende a apostar num candidato mais consistente em termos políticos e econômicos.
Candidato precisa se “diferenciar”
Na semana passada, uma pesquisa do Ipec mostrou que 57% dos eleitores brasileiros querem novas lideranças políticas, ou seja, uma terceira via para 2026. Noutras palavras, não querem nem Lula da Silva nem Bolsonaro. A pesquisa não especulou sobre isto, mas também é provável que, se não surgir uma nova força, consistente e com relativa experiência em termos de gestão, os eleitores e concentrem, mais uma vez, nas duas figuras (onipresentes nas disputas de 2018, quando Bolsonaro ganhou de Fernando Haddad, e de 2022, quando Lula da Silva venceu Bolsonaro).
A pesquisa do Ipec sugere que os eleitores brasileiros planejam se livrar da polarização — querem ir além de Lula da Silva, da esquerda, e de Bolsonaro, da direita.
De acordo com o Ipec, 39% dos eleitores concordam que o país precisa escapar da polarização. Já 18% postulam que concordam em parte. Somando, o resultado é de 57%. Os que discordam total ou parcialmente são 27%. Não concordam nem discordam são 5%.
Há um dado interessante: os eleitores evangélicos (59%) também querem uma alternativa a Lula da Silva e Bolsonaro. Assim como os eleitores católicos (57%). Se a pesquisa estiver correta, a influência do bolsonarismo entre os evangélicos caiu.
Na disputa de 2022, com um clima altamente polarizado, os candidatos da terceira via, como Simone Tebet e Ciro Gomes, obtiveram votações inexpressivas. Os eleitores queriam alguém para derrotar Lula da Silva e Bolsonaro — daí o clima de Fla x Flu, sem possibilidade de um nome da terceira via disputar de igual para igual com os nomes consolidados da esquerda e da direita.
Os repórteres Bianca Gomes e Nicolas Iory, de “O Globo”, ouviram um comentário perspicaz da cientista política Mayra Goulart, da Universidade Federal do Rio de Janeiro: “Vários pesquisadores já constaram que ninguém gosta de votar em quem não tem chances de ganhar. E, além disso, os candidatos talvez não tenham se diferenciado o suficiente”. A pesquisa mostra que há espaço para uma terceira via, à direita e à esquerda, mas não diz quais são as alternativas reais. Mas este será o principal desafio: “se diferenciar”.
O que significa “se diferenciar”? A professora-doutora da UFRJ não expande o que apenas sugere, deixando espaço para o leitor fazer suas próprias análises.
No espectro da esquerda, há sucessores para Lula da Silva, como sugere Mayra Goulart? Apesar da pesquisa, tudo indica que não. O PT não apoiará, certamente, nem Ciro Gomes, do PDT, nem Simone Tebet, do MDB. Qual será sua aposta em 2026? O mais provável é que, se estiver com saúde, o candidato será mesmo Lula da Silva, que terá, na época, 81 anos. Uma hipótese é o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que, se o país voltar a crescer, pode se cacifar. Há também a possibilidade de algum petista do Nordeste — como Camilo Santana, do Ceará, e Rui Costa, da Bahia — se cacifar. O (quase) certo mesmo é que o candidato consistente da esquerda será filiado ao PT — um partido hegemonista, que não abre espaço para aliados em disputas eleitorais majoritárias.
Uma direita diferente de Bolsonaro
O quadro está mais aberto na direita. Se Bolsonaro for candidato, há o risco de, mais uma vez, polarização. Porque, apesar do que assinala a pesquisa, só não haverá polarização entre Lula da Silva e o ex-presidente se um pré-candidato da direita deslanchar. Ou seja, “se se diferenciar” de Bolsonaro.
“Se diferenciar” significa várias coisas. O candidato da direita — ou melhor, da centro-direita (é preciso buscar votos para além da direita) — precisa ser diferente de Bolsonaro em várias questões.
Primeiro, na linguagem. Aquele que planeja ser uma alternativa a Bolsonaro precisa apresentar uma linguagem mais moderada, portanto menos radical, e, sobretudo, civilizada. O ex-presidente aferrou-se a um palavreado bárbaro — raivoso — que contribuiu para aumentar sua rejeição.
Segundo, precisa ter um discurso para as mulheres — que rejeitaram amplamente Bolsonaro. Não um discurso qualquer, e sim uma mensagem verdadeira e agregadora.
Terceiro, tem de aceitar que o papel da Imprensa é apontar equívocos e sugerir outros rumos. Bolsonaro perseguiu jornalistas — notadamente mulheres — e empresas de comunicação (como a TV Globo) e se deu mal.
Quarto, deve falar para todo o país, e ter discursos específicos para as regiões. Aquele que não souber falar aos nordestinos dificilmente conseguirá derrotar um candidato que, no governo, priorizou o social.
Quinto, o postulante — ou postulantes — terá de apresentar um discurso consistente e, portanto, crível para o mercado. O mercado esteve próximo de Bolsonaro, mas foi se distanciando. Porque o mercado tem contato com o mundo, precisa de vários países para colocar seus produtos e atrair capitais, e o mundo se distanciou do ex-presidente, tornando-o e o país praticamente párias globais. Os produtores rurais apoiaram Bolsonaro, em larga medida, mas, a médio prazo, acabariam perdendo. Mas bancos e empresários em geral se distanciaram do integrante do PL.
Sexto, o candidato da direita, ou da centro-direita, tem de apresentar um projeto para o social, equivalente ou superior ao do PT. A grande diferença entre um candidato alternativo e Bolsonaro pode ser exatamente no campo social. Porque, se não pensar no social, dificilmente um postulante da direita terá condições de enfrentar Lula da Silva de igual para igual. Uma direita que tenha um discurso avançado para o social, em termos de assistência, e inclusão pode ser a diferença. O governo Lula da Silva — que só tem três meses — vai investir no social. Porém, se se circunscrever à Bolsa Família, à assistência — que é vital —, estará fazendo mais do mesmo. O governo precisa de programas que sejam mais amplos. A questão não é apenas dar dinheiro para os pobres comerem e continuarem pobres. A chave de um governo humanista é reduzir a pobreza, e cada vez mais.
Há candidatos da centro-direita capazes de apresentar um discurso melhor do que o de Bolsonaro — que era ruim — e do que o de Lula da Silva, que não é ruim, sobretudo no campo social?
O governador de São Paulo, o bolsonarista light Tarcísio de Freitas, desistiria de disputar a reeleição para uma aventura nacional, para a qual não está devidamente preparado? Talvez não. Mas ele tem um discurso mais moderado do que o de Bolsonaro — o que pode conquistar eleitores da direita e do centro. Mas quem o conhece de perto afirma que vai deixar seu nome circular como presidenciável — só se fortalece ao ser cogitado — mas vai disputar a reeleição no Estado mais rico do país, que, a rigor, é um verdadeiro país.
Do ponto de vista administrativo, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (partido Novo), vai bem. Mas não é um liberal que se preocupe tanto com o social. Está de olho mais no mercado. Não é radical, mas, quando fala, comete uma série de equívocos que denotam não apenas provincianismo (costuma falar “eu ouvo”), mas sobretudo alheamento das coisas do país e até de Minas Gerais (não sabia, por exemplo, quem é a maior poeta mineira viva, Adélia Prado). Mas fundamental é que não tem um discurso para o pós-Bolsonaro e para o pós-Lula.
O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (do partido União Brasil), pode ser o diferencial e precisa ser considerado pela mídia do país como uma alternativa. Trata-se de um político liberal, porém, quando pensa e atua no social, está mais próximo dos keynesianos e, inclusive, dos petistas. O gestor está constituindo uma ampla rede de proteção social no Estado — tanto no campo da assistência (pagamento de aluguel para pobres, casas populares etc.) quanto no da inclusão (a educação para os pobres e a classes média melhorou de maneira exponencial). Projeta-se uma maneira de desenvolver as regiões do Estado de maneira mais ampla, o que, se é uma aposta econômica, também é social.
Diferentemente de Bolsonaro, o médico Ronaldo Caiado, especializado na França, é um apóstolo da ciência, seu discurso é moderado e, em termos políticos, é agregador. Ele agrada a direita e ao centro. E é um político de matiz nacional, pois foi deputado federal e senador durante anos. Sua imagem — de político e de gestor — é positiva. Trata-se de um administrador e político decente — o que é reconhecido inclusive pelas oposições.
O fato é que quem não está consolidado nacionalmente precisa se colocar agora, para chamar a atenção do país tanto para suas ideias quanto para suas realizações. Não pode esperar 2026. O futuro começa agora, e não naquele ano.