Paul Krugman diz que crise da China pode não afetar EUA. Mas afeta o Brasil e Goiás
03 setembro 2023 às 00h01
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O Ocidente às vezes trata o sucesso econômico da China — segunda maior potência global — como uma espécie de acidente. Por que os caminhos do país que agasalha 1,4 bilhão de habitantes são diferentes dos sendeiros das nações capitalistas típicas, como Estados Unidos, Japão, Alemanha e Inglaterra.
Na China, o Estado é mais forte do que o mercado. No entanto, o mercado também é sólido. Só que, diferentemente do que ocorre nos quatro países citados acima, é controlado e monitorado pelo Estado. Quer dizer, pelo Partido Comunista Chinês.
A China conseguiu combinar forte interferência estatal com mercado poderoso — e não apenas com empresas chinesas. Pode-se sugerir que o capitalismo salvou o comunismo no país de Xi Jinping. Mas é um capitalismo (ou socialismo) híbrido: o mercado existe, é atuante, mas o Estado é onipresente, onipotente e onisciente. Tinha tudo para dar errado. Mas deu certo.
Então, quando se vai avaliar a China, todo cuidado é pouco. Não basta dizer que se trata de uma ditadura, o que é fato. É preciso admitir que se trata de um caso de sucesso. De grande sucesso. Tanto que surpreendeu o capitalismo e seus ideólogos. Se a União Soviética naufragou, porque não permitiu que o mercado irrigasse o crescimento de sua economia, tolhendo as forças individuais, a China, pós-Mao Tsé-tung deu-se bem, reinventando sua economia. Talvez seja possível indicar que há um novo modo de produção — o socialismo-capitalista — não suficientemente descrito pelos economistas.
Diz-se que a China está chafurdando numa crise de dimensões imprevistas, sobretudo no mercado imobiliário, que, a rigor, envolve bancos — enfim, toda a economia. Pode-se postular que se terá um quebra-quebra? Dada a capacidade financeira do país, às suas poderosas reservas (em dólar, diga-se), a resposta talvez deva ser um rotundo “não”.
Há uma torcida para que a crise da China seja maior, sobretudo nas economias ditas liberais? Talvez sim. Os chineses estão ampliando sua presença em todo o mundo, inclusive em países pequenos tanto da América do Sul quanto da América Central. Sua moeda, ainda não forte quanto o dólar e o euro, começa a ser aceita em outros países, como na Argentina.
A capacidade da China de se reinventar, mesmo sendo uma ditadura — o que, claro, é imperdoável —, é imensa. Por isso, a crise atual pode abalar o país, mas certamente não o derrubará. Num artigo traduzido e publicado no “Estadão”, sob o título de “Como lidar com o evidente declínio da China?”, Bret Stephens assinala: “O maior desafio que a República Popular nos apresentará na próxima década decorrerá não de sua ascensão, mas de seu declínio”.
Previsões que tratam da China, sobretudo quando em termos de “próxima década”, às vezes são alarmistas. Bret Stephens estaria misturando “desejo” e “realidade”? É possível. Porém a crise, que aponta, é uma realidade. Mas não há indícios, ao contrário do que sugere o crítico, de que se trata de uma crise de “queda” do sistema de socialismo de mercado. Entretanto, o crítico é “esperançoso”, ao apontar o paradoxo de Tocqueville: “A ideia de que revoluções ocorrem quando expectativas crescentes são frustradas por uma piora abrupta nas condições sociais e econômicas”.
Bret Stephens é, claro, muito bem-informado, mas não divulga que, nos últimos anos, a miséria caiu na China. O grau de satisfação com a nova realidade é alto. Há insatisfações, é natural, mas isto não sugere que surgirá, de repente, um movimento para a derrubada do governo ou então por uma liberalização do comunismo, ao estilo do que fez Deng Xiao-ping — um grande avanço em relação a Mao Tsé-tung, um político que, na área de economia, era reacionário.
Certo, Xi Jinping está centralizando mais poder em suas mãos, quiçá temendo, no futuro, o surgimento de um Mikhail Gorbachev chinês, que, tal como o soviético, promova uma glasnost e uma perestroika, que, longe de levar o país adiante, em termos de economia, talvez leve a uma debacle econômica e, sobretudo, política.
Análise de Paul Krugman sobre crise na China
Prêmio Nobel de Economia, Paul Krugman publicou um artigo no “New York Times”, traduzido pelo “Estadão” e publicado com o título de “Quão assustadora é a crise da China?” A pergunta, feita por um economista do mais alto gabarito, sugere dúvida, embora o texto contenha determinadas certezas.
Krugman sugere que a atual crise da China — que envolve o setor imobiliário, mas não apenas ele — é “muito parecida” com a crise global de 2008 (muito acentuada, por exemplo, nos Estados Unidos, onde bancos foram fechados e o sistema imobiliário entrou em parafuso).
A dívida chinesa — interna — é insustentável? Krugman diz que é muito difícil responder à questão… nem as autoridades da China saberiam explicá-la, para além de uma possível “propaganda”.
“Se a China realmente passa por uma crise em estilo 2008, esta crise transbordará de alguma maneira importante para o restante do mundo? E a resposta é bastante clara: não. Por maior que seja a economia chinesa, os Estados Unidos estão poucos expostos financeiramente ou comercialmente aos problemas da China”, assinala Krugman.
(Krugman não discute o Brasil de Lula da Silva. Mas fica a pergunta: se a China é o maior parceiro comercial do país tropical, no caso de uma crise grave, que reduza ainda mais o seu crescimento, o que acontecerá com a economia patropi? Talvez seja fortemente atingida. Alguns municípios goianos — como Rio Verde, no Sudoeste do Estado — dependem, em larga escala, da nação oriental. Certamente, os chineses não deixarão de comprar produtos brasileiros, como soja e carnes, mas poderão reduzir as aquisições — o que poderá abalar a economia da terra das grandes prosadoras Clarice Lispector e Lygia Fagundes Telles e das grandes poeta Sônia Elizabeth e Lêda Selma. A impressão que se tem é que Krugman universaliza a “boa” situação dos Estados Unidos, cuja economia é muito superior a qualquer outra.)
“A crise de 2008”, pontua Krugman, “foi ocasionada pelo estouro de uma enorme bolha imobiliária transatlântica. Os efeitos da bolha estourada foram amplificados por perturbações financeiras, especialmente o colapso dos ditos ‘shadow banks’ — instituições que agiam clandestinamente como bancos, criando riscos de corridas a bancos mas prescindindo amplamente de regulamentações e das redes de segurança fornecidas a bancos convencionais”.
Para Krugman, o setor imobiliário da China é “mais inchado que o dos países ocidentais antes de 2008. A China também tem um enorme e altamente atribulado setor de shadow-banking; além de problemas peculiares, como dívidas enormes de governos locais”.
Mas há uma boa notícia para a China, na avaliação de Krugman: a dívida chinesa “é, essencialmente, de dinheiro que a China deve para si mesma”. O economista pergunta: “O governo da China tem competência suficiente para gerir o tipo de reestruturação financeira que sua economia precisa? As autoridades chinesas têm determinação suficiente ou clareza intelectual para fazer o que é necessário ser feito?”
A segunda questão é a que mais preocupa Krugman (o economista não estaria repisando velhos preconceitos contra os chineses e sua capacidade intelectual?)
“A China precisa substituir o investimento imobiliário insustentável por maior demanda de consumo. Mas alguns relatos sugerem que autoridades chinesas mais graduadas continuam suspeitas em relação a gastos de consumo ‘supérfluos’ e também resistem à ideia de ‘dar poder para os indivíduos tomarem mais decisões a respeito da maneira que eles gastam seu dinheiro’. E não é nada tranquilizador o fato de as autoridades chinesas estarem respondendo à possível crise pressionando os bancos para emprestar mais, basicamente continuando a política que levou a China à situação em que ela se encontra”, assinala Krugman.
Mas e se a receita do economista americano for conveniente para o capitalismo americano e de outros países, mas não para a China, que, a rigor, não é capitalista, ao menos no sentido tradicional?
A crise chinesa, se alargada, atingirá o Ocidente ou ao menos os Estados Unidos? Krugman acredita que não: “A exposição dos Estados Unidos a uma possível crise chinesa” seria “surpreendentemente pequena”.
“Quanto os Estados Unidos têm investido na China? O investimento direto — que envolve controle — na China e em Hong Kong é de aproximadamente 215 bilhões de dólares. Investimento em carteira — basicamente ações e obrigações — estão na casa de pouco mais de 300 bilhões. (…) Um total de 515 bilhões de dólares”, anota Krugman. Não é um investimento grande para uma economia como a americana.
Krugman frisa que a economia chinesa, gigante, atraiu pouco investimento americano, porque, “dadas as arbitrariedades das políticas chinesas, muitos possíveis investidores temem a possibilidade da China se tornar uma armadilha de baratas: você consegue entrar, mas pode não conseguir sair” (vale ressaltar que Nike e Apple estão na China, alegremente, aproveitando tanto a mão de obra quanto as matérias primas baratas — o que o Nobel de Economia não diz).
A China compra pouco dos Estados Unidos — “apenas cerca de 150 bilhões de dólares em 2022, menos de 1% do PIB” do país de Joe Biden.
O que Krugman está sugerindo, portanto, é que “uma crise chinesa não surtiria muito efeito direto na demanda por produtos americanos. O efeito seria maior em países que vendem mais para a China, como a Alemanha e Japão, e algo poderia ricochetear nos Estados Unidos por meio das vendas a esses países. Mas o efeito geral ainda seria pequeno”. (O texto do economista saiu num jornal brasileiro, mas não há referência ao Brasil, país que, certamente, perderá com uma possível grande crise da China. O país vende soja, minérios e carnes para os asiáticos.)
Krugman conclui que a crise será da China, e não do mundo. Mas é possível que ele esteja enganado, ao menos parcialmente. Uma crise da China, se de grandes proporções, sobretudo se abalar seus parceiros — que também são parceiros dos Estados Unidos —, pode afetar todo o mundo, inclusive o país do poeta William Carlos Williams.