O que The Economist escreve sobre Lula serve muito mais para a omissa e fragilizada Europa

05 julho 2025 às 21h01

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Armas nucleares da Rússia mantêm Europa letárgica
Mais importante revista da Inglaterra, “The Economist” publicou um texto editorializado, “Por que Lula deixou de ser ‘o cara’ no exterior para ser visto por muitos como hostil ao Ocidente”, e provocou “n” debates no Brasil.
O artigo tem relevância, mas não se fez, ao menos no país de Machado de Assis e Adélia Prado, uma pergunta crucial: “Economist”, ao falar de Lula e do Brasil, estaria, num processo a ser examinado por um psicanalista, falando, de maneira indireta, da Europa?
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, invadiu a Ucrânia — está destruindo o país de Nikolai Gógol e Liev Trótski —, e a Europa, fora as bravatas habituais, nada faz para conter o novo czar.
Putin não teme a Europa, que o teme. Sob a batuta da ex-chanceler Angela Merkel, a Alemanha tratou o russo como uma espécie de czar confiável e moderno. Equivocou-se. Com um arsenal poderoso de armas nucleares, o príncipe do KGB e da FSB fez a Europa da Alemanha, da Inglaterra, da França e da Itália, os países da região mais poderosos, ajoelhar-se aos seus pés.
As palavras da Europa — que não era hostil à Rússia do ex-diretor do KGB — são, sabem Putin, apenas palavras. Não há energia no interior delas. Tanto que a Ucrânia permanece sob ataque, com uma Europa inerte. Ressalve-se: fornece algum apoio. Mas o que o país de Volodymyr Zelensky precisa mesmo é de apoio militar sólido — que não virá.

Só dois países têm condições de barrar, pela diplomacia ou pela força das armas, a Rússia — a China e os Estados Unidos. O primeiro é aliado de Putin. O segundo sabe morder, com o máximo de força, mas prefere ladrar nas noites, digamos, brancas.
Do que acusar a fragilizada Europa, continente de falas belas e nada frutíferas? No mínimo, de omissão. Se tivesse o poder da Alemanha e da Inglaterra, a Polônia teria coragem de reagir? Talvez. Mas a questão chave é: armas nucleares.
Por que, exatamente, a Rússia se tornou tão simpática à Europa, notadamente à Alemanha? Porque vende gás, petróleo e alimentos para os europeus. Por isso, o Ocidente, do qual a Europa faz parte, não é — ou não era — hostil ao governo de Putin.
Não se trata de defender Lula da Silva e seu governo, que realmente não vão muito bem. Mas de refletir sobre como funciona a mente colonizada. Afinal, se saiu na “Economist” — de fato, excelente —, é “verdade”? O Brasil permanece como uma colônia. A “verdade de fora”, ainda que não seja verdade, sempre supera a “verdade de dentro”.
2
A distorção dos fatos sobre o ataque americano no Irã
“Economist” começa seu texto dizendo que, quando os Estados Unidos atacaram instalações nucleares do Irã, o governo patropi condenou, de maneira veemente, a ação americana. O Ministério das Relações Exteriores enfatizou que o governo do presidente Donald Trump violou a “soberania do Irã” e o “direito internacional”.
A revista frisa que a linguagem forte “colocou o Brasil em desacordo com todas as outras democracias ocidentais, que apoiaram os ataques ou expressaram preocupação”. Quais democracias?
A França, uma das casas da democracia na Europa, apoiou integralmente o ataque? A rigor, não. A ONU ficou ao lado do ataque? Também não. As democracias ocidentais, ao contrário do que sugere “Economist”, optaram por defender a paz e a vida das pessoas. A histeria pró-americana ficou na conta do chanceler alemão Friedrich Merz (cujo país matou 6 milhões de judeus e, por isso, se tornou aliado incondicional de Israel).
O governo de Lula da Silva exacerbou? Em parte, sim. Poderia, por exemplo, ter condenado o programa nuclear do Irã. Há quem defenda que o país dos aiatolás tem o direito de produzir armas nucleares como contraponto a Israel. Trata-se de um equívoco.
Porque, mesmo tendo armas nucleares, Israel nunca as usou em nenhuma de suas guerras no Oriente Médico. O Irã, cujo maior “inimigo” é o país de Benjamin Netanyahu, hesitaria, se as tivesse, em usá-las? É provável que não.
Por mais que se possa criticar Israel, o país é democrático. O Irã não é. Seu governo é autoritário e brutal (as mulheres são tratadas como cidadãs de segunda classe).
3
Relações comerciais exigem realismo absoluto
De acordo com “Economist”, como pertence ao Brics, o Brasil, sob Lula da Silva, está se tornando, cada vez mais, “hostil ao Ocidente”.
Para reforçar sua tese, a revista ouviu, aparentemente sem um contexto mais amplo de sua fala, o respeitável pesquisador brasileiro Matias Spektor, da Fundação Getúlio Vargas. Sua fala: “Quanto mais a China transforma os Brics em um instrumento de sua política externa, e quanto mais a Rússia usa o grupo para legitimar sua guerra na Ucrânia, mais difícil será para o Brasil continuar dizendo que não é não-alinhado”.
As relações comerciais dependem não de bom-mocismo — de jogar para a plateia —, e sim de realismo absoluto.
A Europa figura entre os maiores compradores de automóveis elétricos fabricados pela China. Por que, sendo o país de Xi Jinping uma ditadura — comunista —, a Europa não se comporta de maneira hostil e não se recusa a comprar seus produtos? O país asiático, o segundo mais rico do mundo, é um mercado em expansão e não se fecha aos produtos dos capitalistas europeus. Suas reservas cambiais — em dólares e euros — são extraordinárias.
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Não é inócuo discutir vacinas e meio ambiente
Entre os dias 6 e 7 de julho, dirigentes dos 11 países do Brics vão se reunir, no Rio de Janeiro, para sua cúpula anual.
“Economist” fez um comentário que não se discutiu no Brasil: diplomatas do país estão concentrando a pauta “em temas inócuos — cooperação em vacinas e saúde; transição para a energia verde; e status de nação mais favorecida como base para o comércio internacional”.
Os temas são inócuos? Ninguém acha que sim, exceto “Economist”. A rigor, são cruciais.
De acordo com “Economist”, sem revelar a origem da informação, os diplomatas brasileiros “querem evitar as conversas sobre um assunto que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, odeia: um esforço liderado pelos Brichs para fazer comércio internacional em moedas locais, em vez do dólar”.
Por que os países devem permanecer subordinados ao dólar — quer dizer, aos Estados Unidos —, a publicação britânica não explica.
5
Lula se deu bem com Bush. O problema é Trump
Lula da Silva governa o país há dois anos e seis meses. Neste período, curto, fez alguma declaração peremptória contra os Estados Unidos, segundo parceiro comercial do Brasil? Nenhuma que tenha atrapalhado a parceira entre as duas nacões.
Ao assumir o governo dos Estados Unidos, Donald Trump fez declarações intempestivas contra vários países, como China e Canadá. Ameaçou vários países, inclusive o Brasil, com taxações que nem mesmo os capitalistas americanos consideram razoáveis.
Ainda assim, ante um Donald Trump hostil, “Economist” diz: Lula “não fez nenhum esforço para estreitar laços com os Estados Unidos desde que Trump assumiu o cargo em janeiro”.
O que a publicação não diz é que Lula da Silva não arrombou portas abertas. Pelo contrário, encontrou-as fechadas, dado o alinhamento de Donald Trump com a família do ex-presidente Jair Bolsonaro. A hostilidade é, no caso, mais americana do que brasileira.
Como dizem os advogados, vamos ao mérito da questão. Lula da Silva, como presidente, tomou alguma medida para atrapalhar as relações comerciais e diplomáticas do Brasil com os Estados Unidos? Nenhuma.
O país de Donald Trump continua como segundo maior parceiro comercial do país dos escritores Lêda Selma, Hélverton Baiano e Solemar Oliveira. Vale lembrar que o líder brasileiro manteve relações cordiais com George W. Bush, um republicano de direita. (Leia sobre o assunto no Jornal Opção: https://tinyurl.com/343ruhbm.)
Então, o problema talvez não seja Lula da Silva, e sim Donald Trump. Porque não havia problema algum com George W. Bush.
Lula corteja a China? Na verdade, todo o mundo corteja. Há mais empresas americanas do que empresas brasileiras na China. O capitalismo e o socialismo de mercado da China são pragmáticos e cada vez menos ideológicos quando se trata de estabelecer negócios.
6
O momento em que revista desdiz o que disse
Ao mesmo tempo em que diz que Lula da Silva distancia o Brasil do Ocidente, “Economist”, de maneira contraditória, afirma: “Talvez a tática mais sensata de Lula tenha sido a tentativa de tirar proveito da perda de confiança do mundo nos Estados Unidos como parceiro comercial. Ele aproximou da Europa e expandiu os laços comerciais. Em março, visitou o Japão, que importa a maior parte de sua carne bovina dos Estados Unidos, para promover a carne brasileira como um substituto. Seus ministros têm se reunido com burocratas chineses para discutir maneiras de aumentar as importações agrícolas brasileiras, provavelmente em detrimento das americanas”.
O que efetivamente disse “Economist” acima? Exatamente o que desdisse antes. Ou seja, o Brasil não está se isolando. Na verdade, está agindo de maneira pragmática. O realismo é típico de quem, apostando na economia, está deixando a ideologia de lado.
7
União Soviética salvou Ocidente do nazismo
Não há a menor dúvida de que, ao lado do nazismo, o comunismo é uma das maiores tragédias do século 20 e da história. Juntas, a União Soviética e a China mataram cerca de 100 milhões de pessoas.
Em 1939, a União Soviética de Ióssif Stálin aliou-se a Alemanha nazista e assinaram um tratado de não agressão. A aliança levou Adolf Hitler a se tornar confiante e a invadir a Polônia, no início de setembro de 1939. O ato dos comunistas é, claramente, condenável.
Porém, em 1941, a Alemanha atacou a União Soviética. O primeiro-ministro da Inglaterra, Winston Churchill, comemorou o ataque, porque, mesmo considerando Stálin como demônio, sabia que se tornaria um grande aliado. Até para puxar a guerra para outro front, reduzindo a pressão sobre a Grã-Bretanha.
Dois países foram decisivos para desequilibrar a guerra a favor dos Aliados — a União Soviética de Stálin e os Estados Unidos de Franklin Delano Roosevelt.
Os Estados Unidos entraram na Segunda Guerra Mundial, em 1941, com recursos formidáveis. A União Soviética, além de ter seus recursos, entrou na batalha com um exército formidável.
A derrota da Alemanha de Hitler começou no front soviético, quando começou a ser empurrada para trás e a perder tanto homens quanto tanques. Os soldados e oficiais do Exército Vermelho foram decisivos para o nazista não assenhorar-se da Europa e, em seguida, do mundo.
Sem a União Soviética, a Inglaterra e os Estados Unidos teriam derrotado a Alemanha? Talvez. Mas o custo em vidas — de ingleses e americanos — e em recursos financeiros teria sido muito maior. Morreram mais (cerca de 20 milhões) — muito mais — soviéticos do que ingleses, americanos e franceses juntos.
Eis um paradoxo: a democracia ocidental deve muito a um ditador, Stálin, a sua defesa e sobrevivência contra o nazismo. O notável Churchill, que era anticomunista, percebeu isto como poucos.
Então, ao participar das comemorações do fim da Segunda Guerra Mundial, em Moscou, Lula não cometeu um erro (ressalve-se que “Economist” talvez esteja falando mais do momento, que não seria adequado, dada o massacre na Ucrânia). O primeiro-ministro da Inglaterra, Keir Starmer, e até Donald Trump deveriam ter feito o mesmo. Porque devem muito mais à Rússia (uma República da União Soviética) do que o Brasil.
“Ele [Lula] aproveitou a viagem para tentar convencer Vladimir Putin de que o Brasil deveria mediar o fim da guerra da Ucrânia. Nem Putin, e nem ninguém, ouviu”, frisa “Economist”. Lula da Silva fez exatamente o que a revista assinala? Não se sabe. Mas, se o czar do KGB não ouve nem o xerifão do mundo, Donald Trump, por que iria ouvir o brasileiro? Ele só ouve a China, seu principal parceiro estratégico.
De fato, Lula da Silva deveria condenar a guerra contra a Ucrânia com (mais) veemência. A Rússia, assim como Israel na Faixa de Gaza, está cometendo crimes contra a Humanidade.
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Lula da Silva, Javier Milei, Tico e Teco
“Lula não fala com seu colega argentino, Javier Milei, por causa de diferenças ideológicas.” Não seria mais justo formular assim: “Lula da Silva e Javier Milei não se falam em razão de diferenças ideológicas?”
Milei, de direita, é mais radical do que Lula da Silva, de esquerda. Mas, por uma questão de realismo, de interesse do empresariado e produtores rurais, os dois países terão de, a partir de certo momento, congraçarem-se.
“Economist” acerta quando critica a aliança espúria entre Lula da Silva e Nicolás Maduro, da Venezuela (omite-se ao não citar a relação com a ditadura de Cuba). “A relação só azedou depois que Maduro roubou abertamente outra eleição no ano passado.”
A revista poderia ter acrescentado um equívoco do presidente brasileiro: não agir, de maneira mais firme, para receber o dinheiro dos “financiamentos” — aparentemente, vão se tornar doações — que fez à Venezuela, Cuba e outros países. No caso, faltou realismo e sobrou “amizade ideológica”.
“Lula parece não estar disposto ou não ser capaz de reunir as nações latino-americanas para apresentar uma frente unida contra as deportações de imigrantes e a guerra tarifária de Trump”, afirma “Economist”.
Quais países latino-americanos foram atingidos pelo tafiçaco de Trump? Há, no caso, quem defender?
Por graves e lamentáveis que sejam as deportações, trata-se de um assunto interno dos Estados Unidos. “Economist”, que sugere que Lula da Silva se mantenha em bons termos com Trump, ao mesmo tempo postula que o brasileiro tem de brigar com o americano? Qual dos esquilos mentais da publicação da Velha Albion está certo: o Tico ou o Teco?
9
Governo de Lula está “fortalecendo” a direita
“Economist” sustenta que, além da “fraqueza no cenário mundial”, Lula da Silva está se tornando cada vez mais impopular.
As pesquisas confirmam o que aponta a revista: a popularidade de Lula da Silva e de seu governo estão em queda. O que por sinal fortalece tanto a direita conservadora, a de Jair Bolsonaro, quanto a direita liberal, a do governador de Goiás, Ronaldo Caiado — talvez, ao lado do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, o líder da direita mais qualificado do país.
A direita tem condições de derrotar Lula da Silva e qualquer outro postulante da esquerda. Mas o petista-chefe é uma raposa que não deve ser subestimado. Sob sua liderança, o PT venceu cinco eleições para presidente da República. Só que, no momento, o líder petista está mesmo fragilizado… ante uma direita cada vez mais encorpada.
A eleição será disputada daqui a um ano e três meses. Há tempo para Lula da Silva melhorar sua popularidade. Mas não será nada fácil, sobretudo porque, se a direita se unir, tende a sair na frente, o que lhe abre expectativa de poder. A tendência, observando a partir dos dados de hoje, é que a direita bolsonarista faça o próximo presidente da República.
Frise-se que os pré-candidatos da direita — Tarcísio de Freitas (Republicanos), Ronaldo Caiado (União Brasil), Ratinho Júnior (PSD) e Romeu Zema (Novo) — são mais moderados do que o bolsonarismo. Tarcísio de Freitas, visto como candidato de Jair Bolsonaro, tem sido criticado por bolsonaristas mais radicais, como o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro.
Há quem pense que Jair Bolsonaro é um néscio político. Não é. Ele está montando uma operação para eleger o máximo de senadores. Por que, com maioria no Senato, pode conquistar o impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal, como Alexandre de Moraes? Sim, por certo. Mas o líder do PL quer também, talvez sobretudo, “controlar” o próximo presidente da República, mesmo que seja um aliado como Tarcísio de Freitas.
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Trump “aprova” o déficit comercial do Brasil
No fim de seu texto, “Economist” apresenta informações interessantes.
Trump “não falou nada sobre o Brasil desde que assumiu o cargo em janeiro. Em parte, isso se deve ao fato de o Brasil se beneficiar de algo que nenhuma outra grande economia emergente possui: um enorme déficit comercial com os Estados Unidos, que chega a 30 bilhões de dólares por ano”.
Entretanto, acrescenta a revista: o “silêncio” de Trump “também pode indicar que o Brasil, um país distante e geopoliticamente inerte, simplesmente não importa muito quando se trata de questões de guerra na Ucrânia ou no Oriente Médio. Lula deveria parar de fingir que o Brasil é importante nesses temas, e se concentrar em assuntos mais próximos de casa”.
O final do texto de “Economist” quase contradiz o que disse antes. A revista cobra mais presença do Brasil, menos “hostilidade” ao Ocidente — e aí acaba atribuindo importância à nação de Graciliano Ramos e Clarice Lispector — e, depois, conclui que deve se afastar dos grandes temas globais, concentrando-se na América do Sul.
Será que a publicação europeia faz jornalismo pelo método confuso e se percebe como uma rainha colonial?