O que mais “incomoda” em Ronaldo Caiado é sua decência pessoal
29 setembro 2024 às 00h00
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Como um historiador e um jornalista consciencioso avaliam um personagem histórico, como Abraham Lincoln, Franklin D. Roosevelt, Lyndon Johnson (sua política de amparo aos negros foi mais bem-sucedida do que a de John Kennedy), Konrad Adenauer, Charles de Gaulle, Winston Churchill, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Ernesto Geisel e Lula da Silva (sua história e sua estatura são maiores do que o fato de que havia corrupção nos seus dois primeiros governos)?
O pesquisador equilibrado, que não faz julgamentos morais apressados, sabe que um personagem histórico deve ser examinado pela média, não pelos extremos (frise-se que quem avalia pelos extremos acaba por não ter nem mesmo amigos). Pelo menos é o que deve ocorrer com os citados acima.
Getúlio Vargas e a legislação trabalhista
Mas o que dizer de Adolf Hitler, Ióssif Stálin e Mao Tsé-tung? Devem ser avaliados não pela média, e sim pelos extremos. Porque, extremados, foram ditadores totalitários e sanguinários. Mas democratas e mesmo ditadores (autoritários, mas não totalitários) como Getúlio Vargas e Ernesto Geisel devem ser avaliados pela média.
Getúlio Vargas se tornou presidente da República por meio de um golpe de Estado, conhecido pela historiografia como “Revolução de 1930”. Em 1937, articulou o golpe de Estado, que constituiu o Estado Novo, e expurgou a democracia e mandou perseguir e prender os democratas que não aceitavam ficar calados.
Se Getúlio Vargas era um ditador, então por que merece uma análise equilibrada? Não se trata de perdoá-lo — a avaliação histórica não perdoa ninguém. O que possibilita ao político gaúcho figurar na galeria dos grandes personagens da história patropi é que contribuiu, como estadista que de fato era, para fortalecer a economia do país e, num processo de modernização que contrariou capitalistas retardatários, criou uma legislação trabalhista para beneficiar os trabalhadores (operação que acabou por favorecer o próprio capitalismo tardio).
Dizia-se que o governo de Getúlio Vargas era um “mar de lama” — crítica que o jornalista Carlos Lacerda ecoava por todo o país. De fato, havia corrupção no governo do político de São Borja, mas muito menos do que dizia a oposição. Sobretudo, o presidente não era venal.
Geisel “matou” a ditadura que ajudou a criar
Como examinar Ernesto Geisel, o general-presidente, com relativo equilíbrio? A ditadura que contribuiu para constituir, desde 1964, foi nefasta para o país. Houve crescimento econômico, é certo, mas não há nada que justifique a eliminação da democracia.
Porém, ainda que tenha sido ditador, Ernesto Geisel merece figurar na galeria dos grandes presidentes (o que não é o caso de Emilio Garrastazu Médici, em cujo governo houve crescimento econômico chinês, mas a ditadura foi a mais cruenta do período militar). Por quê? Porque, ao lado do general Golbery do Couto e Silva, soube perceber que a ditadura precisava acabar, para não inviabilizar o país no concerto internacional. Seu estadismo figura aí: na inteligência de “matar” a ditadura para não “matar” o país.
Até a escolha de seu sucessor, João Figueiredo, parecia errada, mas revelou-se certeira. Apesar de não ser um estadista — era um “político limitado” —, o general soube enquadrar a linha dura e garantiu a redemocratização. Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva queriam isto: a derrota da ditadura civil-militar. Sabiam que, se não tinha luzes intelectuais, “Figueira” tinha ascendência sobre a tropa.
Juscelino Kubitschek: desconcentrar o desenvolvimento
Ao lado de Getúlio Vargas e Lula da Silva, Juscelino Kubitschek talvez tenha sido o presidente brasileiro mais execrado da história. Com a morte do líder gaúcho, se um presidente moderado não tivesse assumido, o país teria vivido, possivelmente, uma sucessão de micros e macros golpes.
Com seu jeitão mineiro, sempre conciliador e paciente, Juscelino Kubitschek colaborou para o fortalecimento da democracia — ao agregar contrários no interior de seu governo — e para “segurar” os movimentos golpistas, que são quase endêmicos, considerando a quantidade de golpes (1889, 1930, 1937, 1945, 1964) e quase-golpes (1954, 1956, 2023) que abalaram e abalam o país.
Ao convocar os arquitetos Lucio Costa e Oscar Niemeyer, Juscelino Kubitschek queria construir uma cidade bonita no Centro-Oeste, deixando uma marca? A beleza arquitetônica — espécie de coroamento da Semana de Arte Moderna de 1922 — era um símbolo da modernização empreendida pelo presidente. Um símbolo da diferença. Mas não só.
Ao edificar Brasília no território de Goiás, no Centro-Oeste do país, Juscelino Kubitschek — cercado de intelectuais de primeira linha — estava dizendo que a “forma” e o “conteúdo” de seu governo eram diferentes.
Brasília era uma espécie de enclave, ou seja, uma prova de que o governo de JK operava para desconcentrar o desenvolvimento do país. A capital nacional, no Centro-Oeste, era um poderoso incentivo ao desenvolvimento da região e, também, do Norte. São Paulo e Rio de Janeiro, espécies de “países” na frágil federação chamada Brasil, não queriam Brasília. Porque sabiam que “perderiam”, em parte, recursos federais que, ao longo do tempo, bancaram suas expansões econômicas. Por isso, seus políticos e mesmo jornalistas, coonestados, atacaram o presidente.
Passados mais de 60 anos, como a história avalia Juscelino Kubitschek? Como um político que colaborou para modernizar o país. Era corrupto, como dizia Carlos Lacerda (este trabalhou pela ditadura, que, como Saturno, o devorou)? Tudo indica que não. No seu livro de memórias, publicado na forma de entrevista, Ernesto Geisel indica que a ditadura se equivocou por tratá-lo como venal.
Portanto, avaliando pela média, Juscelino Kubitschek merece figurar na galeria dos grandes. Com o acréscimo de que, à diferença de Getúlio Vargas, era democrata.
Caiado: ataque tenta torná-lo igual a outros políticos
A lembrança de políticos globais e nacionais tem a ver como parte da imprensa está avaliando o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, do União Brasil, neste momento.
De início, fica a pergunta que a imprensa não tem procurado responder: pode um amigo ser responsável pelos atos de outro? A seguir, é preciso inquirir: há alguma coisa na conduta de Ronaldo Caiado que permita sugerir ligação, quiçá ilícita, com o cantor mineiro Gusttavo Lima? Nada. Nenhum indício.
Por que, de repente, o alvoroço para conectar o gestor goiano com quem pode ter cometido ilegalidades?
Não há inocentes na política e no jornalismo (inocente é aquele que realmente acredita em jornalismo inteiramente isento e imparcial, sem entender que a mídia faz parte do jogo dos poderes). Portanto, os “ataques” a Ronaldo Caiado não têm a ver com acasos e jornalismo “independente” (uma ficção). Na verdade, quem está escrevendo sobre o governador, tentando conectá-lo com ações de outras pessoas, sabe, mais do que os leitores, que ele nada tem a ver com apostas em jogos e outras ilegalidades.
Se sabe que Ronaldo Caiado nada tem a ver com apostas, por que a insistência da imprensa em mencioná-lo como “amigo” de quem pode ter cometido ilícitos? Difícil de responder? Não. Até fácil demais.
Ao se apresentar como candidato a presidente da República, Ronaldo Caiado começou a incomodar figuras coroadas da República — do presidente Lula da Silva ao ex-presidente Jair Bolsonaro, para citar apenas os mais proeminentes.
O nome de Ronaldo Caiado como possível candidato a presidente começa a se espalhar pelo país e, sobretudo, de maneira positiva. Então, não seria a hora de manchar o que ele tem de melhor: um nome limpo? É o que parece.
Jornalistas, políticos e empresários dizem que o segredo do sucesso de Ronaldo Caiado como governador é ter acertado ao criar uma política de segurança pública eficiente. Estão certos, ao menos em parte. Porque a política de segurança de seu governo é aplaudida em Goiás e, cada vez mais, no país.
Há também a rede de proteção social criada por Ronaldo Caiado e pela primeira-dama Gracinha Caiado. Tal sistema, que é assistencial e inclusivo, transforma o gestor goiano, de liberal, num governante cada vez mais próximo da moderna socialdemocracia europeia. Há avanços imensos na educação, como prova o primeiro lugar no Ideb. A saúde melhorou de maneira geométrica. O social, como se disse, é uma rede que, ao mesmo tempo que alimenta, inclui. A mera assistência, por mais que seja vital, acaba por ser excludente.
Goiás é um Estado grande, em termos geográficos — maior do que Israel, Cuba, Portugal e Coreia do Sul juntos —, e repete o desenvolvimento desigual do país (aquele que Juscelino Kubitschek tentou combater com Brasília e a BR-153, a Belém-Brasília).
Com sua competente equipe — executivos de larga visão, como Adriano Rocha Lima, César Moura e Pedro Sales —, Ronaldo Caiado operou, em cinco anos e nove meses, para desconcentrar o desenvolvimento de Goiás. Tanto que se tornou popular em todo o Estado, como no Entorno de Brasília (a ex-cidadela do Nem-Nem — nem de Goiás nem de Brasília) e do Nordeste goiano. Trata-se de uma política de longo prazo, pois não depende tão-somente de ações do governo do Estado. É preciso que a iniciativa privada seja despertada para a necessidade de um desenvolvimento mais amplo e integrado de todas as regiões.
Com o governo ajustado, sem criar entraves para a iniciativa privada, Goiás cresce, em termos econômicos, mais do que o país.
Mas parece que há algo que “incomoda” em Ronaldo Caiado, inclusive entre os que defendem que políticos devem ser honestos. O que, exatamente?
Num país em que a corrupção tira nota 10, o diferencial decisivo de Ronaldo Caiado nem é o acerto na segurança nem os demais atributos de seu governo.
Na verdade, o fato de ser decente — de fazer aquilo que prega — é o maior diferencial de Ronaldo Caiado. É por isso que querem contaminá-lo. Ou seja, querem torná-lo “igual” a outros políticos — como Lula da Silva e Jair Bolsonaro — para facilitar o combate político e prejudicá-lo em termos eleitorais.
Noutras palavras, estão fabricando dossiês, com reportagens e fotografias, com o objetivo de desgastar a imagem de um político que é honesto. Políticos, com o apoio da imprensa — com seu jornalismo declaratório, no limite da datilografia, com escassa reflexão —, estão antecipando 2026 (e, claro, a tentativa de criar desgastes fictícios tem a ver com a disputa eleitoral de 2024, que reformata as bases para 2026). Não há, insistamos, inocência no jornalismo e nem no meio político. Tramas e narrativas estão na ordem do dia. Ronaldo Caiado é vítima disso. Mas quem fica “menor” não é o governante goiano, e sim quem o ataca.