A propaganda eleitoral do peemedebista-chefe falava de um Estado e de um político que eram ficções criadas por sua imaginação ressentida. Paradoxalmente, tornou o tucano-chefe ainda mais forte eleitoralmente

Marconi Perillo, governador de Goiás pela quarta vez: o tucano-chefe, com uma vontade férrea e apostando em planejamento, enfrentou as maiores adversidades e soube fazer o gestor recuperar o político; a política nacional o espera
Marconi Perillo, governador de Goiás pela quarta vez: o tucano-chefe, com uma vontade férrea e apostando em planejamento, enfrentou as maiores adversidades e soube fazer o gestor recuperar o político; a política nacional o espera | Fernando Leite/Jornal Opção

Por que o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), foi reeleito no domingo, 26, depois de vencer uma série de adversidades e enfrentar um candidato experimentado, Iris Rezende (PMDB)? Aos 51 anos, ele vai governar o Estado pela quarta vez.

São várias as causas da vitória de Marconi Perillo. Uma delas é que as oposições fizeram uma campanha crítica, até pesada, mas não apreenderam o tucano real. Sabe-se que, quando se critica um político mas não se compreende a essência de seu sucesso, a crítica se torna uma espécie de vitamina do crescimento para este político. Numa guerra, e a política é uma batalha, ainda que as armas não sejam mísseis, fuzis e metralhadoras, é preciso mapear o rival cuidadosamente. Só depois de compreendê-lo bem, examinando com lupa suas virtudes e vulnerabilidades, é que se promove um ataque maciço. As oposições — leia-se Iris Rezende, Vanderlan Cardoso (PSB) e Antônio Gomide (PT) — não conseguiram mapear o tucano. Antes, ficaram na periferia, não do que ele é, mas do que aparenta ser para o senso comum. Não dissociaram, filosófica e politicamente, essência de aparência.

Ao não entenderem Marconi Perillo, ao não interpretá-lo corretamente, as oposições atacaram um alvo que se movia com rapidez, em ziguezagues e, obviamente, não conseguiram acertá-lo. O tucano-chefe criticado não era exatamente aquele visto pela sociedade, pelos eleitores. O governador é uma espécie de ser mutante, dos que mudam velozmente, em geral ancorado em planejamento e pesquisas que interpretam a realidade com alta fidelidade, e, quando as oposições pareciam entendê-lo, para cristalizar uma crítica — para que esta fosse assimilada pela sociedade —, ele já se tornara outro. A sociedade, na compreensão do que é efetivamente o fenômeno tucano, sempre esteve à frente das oposições.

O preconceito é um sistema de defesa do homem, uma espécie de instinto. Porém, se o político prende-se tão-somente ao preconceito, não indo além, conceituando e definindo de modo abrangente aquilo que quer criticar ou está criticando, não conseguirá entender os fenômenos. Há outro problema: um “conceito” sobre um político, se formulado com base apenas em preconceitos e equívocos — muitas vezes derivados da raiva, do ódio, do ressentimento, e não da racionalidade —, além de não conseguir explicá-lo, não se torna vital para combatê-lo. Numa de suas publicidades, uma das mais equivocadas — e é de duvidar que tenha sido “elaborada” por um publicitário profissional —, Iris Rezende disse que Marconi Perillo convidava os goianos para viver num Estado de papel, em um Goiás de propaganda. Dizer isto sobre um dos Estados que mais crescem no país — inclusive devido, em parte, ao Fomentar, um incentivo fiscal criado por Iris Rezende, em meados da década de 1980 — é brincar com a inteligência das pessoas (acrescente-se que os dados sobre o crescimento do PIB goiano são do IBGE, uma instituição, seriíssima, do governo federal). Menosprezar os dados do Ideb que apontam o ensino médio de Goiás como o melhor do País é menosprezar professores e alunos (ressalte-se que os dados são do governo federal — petista, por sinal).

Ao sugerir que o Hospital de Urgências de Goiânia 2, da região Noroeste, era apenas uma “casca”, Vanderlan Cardoso jogou contra si mesmo. O Hugo 2, além de inteiramente construído, já está sendo aparelhado. Talvez o líder do PSB não saiba, por conhecer pouco os assuntos da capital — sua Paságarda é mesmo Senador Canedo —, mas a construção do hospital valorizou os imóveis e os negócios da região Noroeste. A região, que parecia não associada aos núcleos básicos da cidade, agora está integrada por uma obra pública, um hospital. A crítica errada é, portanto, um tiro no pé. Embora seja um empresário atilado — muito mais empresário do que político (tanto que não se preocupa em ter uma imagem mais empática com os indivíduos, não tem, por exemplo, a alegria esfuziante de Lula da Silva e Marconi Perillo) —, o líder do PSB não percebeu o alcance de que algumas obras — como o Hugo 2, as duplicações das rodovias que saem de Goiânia em direção ao interior, a recuperação do Autódromo Internacional de Goiânia e viadutos em pontos estratégicos — contribuíram para aumentar o capital eleitoral de Marconi Perillo na capital.

Ronaldo Caiado (senador eleito), Vanderlan Cardoso (empresário), Antônio Gomide (ex-prefeito de Anápolis), Maguito Vilela (prefeito de Aparecida de Goiânia) e Daniel Vilela (deputado federal eleito): são cinco políticos consistentes que poderão disputar o governo de Goiás em 2018, mas terão de mudar o discurso a respeito de Marconi Perillo. Se repetirem Iris Rezende, vão “ajudar “ o candidato do tucano | Fotos: Fernando Leite/Jornal Opção
Ronaldo Caiado (senador eleito), Vanderlan Cardoso (empresário), Antônio Gomide (ex-prefeito de Anápolis), Maguito Vilela (prefeito de Aparecida de Goiânia) e Daniel Vilela (deputado federal eleito): são cinco políticos consistentes que poderão disputar o governo de Goiás em 2018, mas terão de mudar o discurso a respeito de Marconi Perillo. Se repetirem Iris Rezende, vão “ajudar “ o candidato do tucano | Fotos: Fernando Leite/Jornal Opção

Mas uma coisa é certa: a sociedade observou com mais atenção as ideias de Vanderlan Cardoso do que as de Iris Rezende. Porque pareciam ter — e têm — mais consistência. Se é assim, por que não optou pelo candidato do PSB? Porque não conseguiu se apresentar como a alternativa capaz de derrotar Marconi Perillo e, sobretudo, Iris Rezende, colocando-se entre Vanderlan Cardoso e Antônio Gomide, impediu a ascensão do “novo”. Apesar de ser um homem voltado para o passado, o peemedebista tem história, recall, de administrador eficiente. Trata-se de um estadista. Vanderlan Cardoso e Antônio Gomide talvez tenham sido vistos como políticos para o futuro, não para o presente. Há políticos que pertencem ao passado, caso de Iris Rezende; há políticos que pertencem ao pre­sente, caso de Marconi Perillo, e há po­líticos que dizem respeito ao futuro, casos de Vanderlan Cardoso e Antônio Gomide. Significa que se darão bem, politicamente, no futuro? Não necessariamente, porque o futuro é imprevisível. Pode ser que 2018, por exemplo, seja de Thiago Peixoto (PSD), de Giuseppe Vecci (PSDB), de José Eliton (PP), de Jayme Rincon (PSDB), de Virmondes Cruvinel Filho (PSD), de Daniel Vilela (PMDB), de Maguito Vilela (PMDB), de Adriana Accorsi (PT), de Alexandre Baldy (PSDB), de Humberto Aidar (PT), de Júnior Friboi (PMDB).

Noutras de suas críticas, Iris Rezende disse que os Centros de Recuperação para Dependentes Químicos (Credeqs) não saíram do papel. O credeq de Aparecida de Goiânia está pronto e, se tivesse consultado o prefeito do município, o peemedebista Maguito Vilela, o chefe supremo do PMDB não teria dito o que disse. O credeq está sendo equipado e breve estará funcionando. A obra é aprovada por Maguito Vilela, aliado do peemedebista-chefe.

Iris Rezende: o peemedebista-chefe tem lugar garantido na galeria histórica dos grandes políticos e gestores de Goiás. Mas deixou se ser contemporâneo dos goianos atuais, fala  para eleitores que só existem em sua imaginação passadista e se tornou pouco realista | Fernando Leite/Jornal Opção
Iris Rezende: o peemedebista-chefe tem lugar garantido na galeria histórica dos grandes políticos e gestores de Goiás. Mas deixou se ser contemporâneo dos goianos atuais, fala para eleitores que só existem em sua imaginação passadista e se tornou pouco realista | Fernando Leite/Jornal Opção

Iris Rezende é um homem sério, um político de história respeitável e um gestor competente. Porém, fica-se com a impressão de que, talvez pela idade ou descompromisso de mostrar a realidade como é, apresentou críticas infundadas sobre realizações do governo. Passadas as eleições, políticos moderados do PMDB, como o ex-senador Mauro Miranda (leitor perspicaz de Montaigne) e Maguito Vilela — que deu ao peemedebista uma vitória mais elástica, proporcionalmente, do que a que ele obteve em Goiânia, sua principal base eleitoral —, deveriam levá-lo para verificar a qualidade da restauração e ampliação (como duplicações) das rodovias e dos serviços prestados pelo Centro de Readaptação e Reabilitação (Crer), pelos hospital de urgências (de Goiânia e Anápolis), pelo Hospital Materno-Infantil, do Hospital Geral de Goiânia e pelo Hospital de Doenças Tropicais. Mauro Miranda e Maguito Vilela deveriam levá-lo — se a deputada Iris Araújo permitir — para conhecer o credeq de Aparecida de Goiânia, tanto o edifício quanto a ideia basilar do programa. Os dois políticos também poderão apresentá-lo aos milhares de jovens que se formaram graças à Bolsa Universitária (um dos poucos programas sociais do País com portas de entrada e de saída). O Estado que Iris Rezende geriu, na primeira metade da década de 1990, não é mais o mesmo. Mudou muito. Resta saber se o peemedebista acompanhou esta mudança. Parece que ficou à margem.

Se Iris Rezende não está de olho em Goiás, travado possivelmente por um rancor desmedido contra Marconi Perillo, o Brasil está de olho no Estado. Quando assumiu a Presidência da República, em 2003, Lula da Silva criou o Fome Zero, um fracasso monumental. Em seguida, entrou em contato com o governador Marconi Perillo e pediu informações detalhadas sobre o Renda Cidadã, programa social criado pelo tucanato goiano. Nascia, sob inspiração de uma política formulada no Cerrado, o Bolsa Família. Lula da Silva admitiu isto em entrevista gravada.

O Prouni, um programa importante criado pelo governo do PT, é claramente inspirado na Bolsa Universitária do governo do tucanato de Goiás. O Centro de Readaptação e Reabilitação (Crer) é recomendado como modelo para os Estados pelo Ministério da Saúde. O governo da presidente Dilma Rousseff poderia, por exemplo, recomendar o Hospital Sarah Kubitschek, de Brasília, mas optou pelo modelo criado pelo governador Marconi Perillo, que é tido como eficaz e de menor custo. Vários Estados e o governo federal estão de olho no credeq. Avalia-se que a iniciativa, inspirada nos melhores centros de tratamento do País e do mundo, é ousada. Portanto, se funcionar bem, Goiás será, mais uma vez, modelo em duas áreas complexas — saúde pública e social. O consumo de drogas, notadamente sua expansão, é um fenômeno contemporâneo (social e, até, cultural) e não pode ser visto tão-somente como um problema de polícia. Neste sentido, Goiás, mais uma vez, sai na frente e apresenta, não apenas redes hospitalares de tratamento, e sim um verdadeiro programa de saúde pública. O credeq não é o edifício em si, a “casca”, como sugeriram Vanderlan Cardoso e Iris Rezende. Sobretudo, é um sistema para tratar e recuperar para a sociedade aqueles que usam drogas, como cocaína e crack. A maioria dos usuários brasileiros não tem condições de se tratar em clínicas particulares — muito caras (entre 3 mil e 12 mil reais mensais) — e o credeq, se funcionar da maneira como foi planejado, será fundamental para atender aqueles que querem mas não podem se tratar.

Aquilo que o Brasil viu e às vezes copiou ou copia, portanto aquilo que os goianos vivem no dia a dia, não apareceu na propaganda das oposições. A impressão que se tinha, observando suas campanhas na televisão e os debates, era que Goiás é um deserto de homens (empresários, médicos, advogados, políticos, engenheiros, professores, sociólogos, historiadores), ideias e obras. Porém, o quadro irreal exibido pelas oposições, notadamente por Iris Rezende, não era e não é o quadro real visto pela sociedade, pelos eleitores. A crítica, em descompasso com a realidade, não pôde ser assimilada pelo eleitorado. A maioria dos eleitores — exatos 1.750.977, ou 57,44% — optou por Marconi Perillo, enquanto 1.297.592, ou 42,56%, ficaram com Iris Rezende. O tucano ficou à frente com quase meio milhão de votos.

Mídia isenta? Conta outra

As oposições não costumam fazer autocríticas verdadeiras, porque não querem assumir possíveis equívocos e que adotaram eventualmente táticas de marketing equivocadas. Para que façam campanhas mais inteligentes e perspicazes, seria necessária uma autocrítica mais contundente, até impiedosa (para além do homem cordial). Entretanto, no lugar de examinar as falhas de suas campanhas, os oposicionistas tendem a apresentar obviedades autocomplacentes. Uns dizem que a campanha de Marconi Perillo tinha mais recursos financeiros. Mas será que não percebem que, ao dizerem isto, estão subestimando a capacidade intelectiva dos eleitores? Os eleitores estão cada vez mais autônomos e votam naqueles candidatos que avaliam que são melhores para eles e para o Estado no qual vivem.

Os eleitores não foram (nem podem ser) mesmerizados. Costuma-se afiançar que o tucano-chefe, sendo governador, tem o controle da mídia. Não é bem assim. Aliás, ex-governadores, como Iris Rezende, e ex-prefeitos, como Vanderlan Cardoso e Antônio Gomide, estão sugerindo que, quando no poder, controlaram a imprensa? Em Goiás e no Tocantins, a maior unidade de comunicação do Centro-Oeste, o Grupo Jaime Câmara, atuou, com rigor, basicamente “contra” dois candidatos — Marconi Perillo e Marcelo Miranda (PMDB) — e a favor de Iris Rezende e Sandoval Cardoso (Pros). Passadas as eleições, é provável que o tucano goiano e o peemedebista tocantinense nem queiram falar sobre o assunto, até para não melindrar empresários poderosos, com ligações com a TV Globo. Mas basta observar que o GJC foi mais incisivo contra os dois.

Alegar jornalismo independente — o que é isto, exatamente, não se explicitou — é não entender, quem sabe fingir não entender, como funcionam as reais “regras” do mercado capitalista. A GJC não é uma empresa de filantropia. A editora de “O Popular”, Cileide Alves — uma profissional íntegra, mas não neutra (ninguém, em sã consciência, é de fato neutro; e não há problema algum em não ser neutro) —, escreveu uma dissertação de mestrado sobre Iris Rezende e está ou estava escrevendo sua biografia. É natural a simpatia e a sintonia — que às vezes levam à entropia e à miopia — entre a jornalista e seu ídolo político.

A principal analista política de “O Popular”, logo depois da vitória maiúscula de Marconi Perillo — 14% de vantagem, quase meio milhão de votos (praticamente o eleitorado de Aparecida de Goiânia e Anápolis) —, no lugar de comentá-la, optou por destacar, numa rede social, que Iris Rezende havia ganhado em Goiânia. Noutras palavras, Goiás não existe, é uma ficção — apenas Goiânia deve ser considerada.

O empresário Júnior Friboi, do grupo JBS-Friboi, era pré-candidato do PMDB e Iris Rezende usou uma reportagem de “O Popular” para detoná-lo. Teria sido por acaso? Espera-se que sim, quer dizer, que tenha sido jornalismo. Mas não resta a menor dúvida de que o único beneficiado pela reportagem foi Iris Rezende. Naquele momento, Friboi tinha o apoio da maioria dos peemedebistas.

A editora e a repórter-analista teriam dado um golpe “de Estado” e estariam mandando integralmente no jornal, sem consultar o supostamente inexperiente publisher Cristiano Câmara? (Ao menos dois editores de “O Popular” costumam dizer, em encontros com políticos e jornalistas, que ele pode até entender de administração, mas entende muito pouco de jornalismo.) Não se sabe. Até onde se sabe, o GJC não é uma cooperativa de jornalistas. É uma empresa, e com linha editorial definida pelos proprietários, como em quaisquer outras publicações nacionais e internacionais. Se o GJC é diferente, se a liberdade da redação é integral, inclusive para definir quais candidatos apoiar, os departamentos ou faculdades de Jornalismo da USP, da URFJ, da UFG, da Unicamp, da UnB e de Columbia deveriam estudá-lo com atenção. Seria um caso único no mundo. Talvez seja um modelo a exportar. A “Folha de S. Paulo”, “O Globo”, “O Estado de S. Paulo”, “Correio Braziliense”, “Veja”, “The Guardian”, “New York Times”, “Washington Post”, “Le Monde”, “El País”, “Público” e “Clarín” vão importá-lo? Quem sabe. Mas até hoje não o fizeram. Todos apreciam a celebrada “objetividade”, mas certamente temem discutir a igualmente famosa palavra “neutralidade”. A “CartaCapital” apoiou a presidente Dilma Rousseff. Está errada? A revista é gerida por uma empresa privada e pode, sim, apoiar quem quiser — inclusive sem apresentar, embora apresente, explicações. Este Editorial está a falar mal do GJC? Não, pois respeita a qualidade de seus produtos e a seriedade como são conduzidos. O que se está dizendo é que, se tem paixão política por um candidato, deve assumi-la, não precisa usar palavras — palavras, palavras, palavras, diria Shakespeare — candentes para anunciar uma suposta “neutralidade” e “imparcialidade”. Até onde se sabe, Cileide Alves, Fabiana Pulcineli e Bruno Rocha Lima — apontado como o trio antimarconista da redação — não acreditam em Curupira e mula sem cabeça. São iluministas, provavelmente, talvez da linhagem de Groucho Marx.

Populismo e responsabilidade

Deixando a mídia de lado, voltemos a examinar Marconi Perillo. O político tem defeitos e virtudes. Porém, para os eleitores, prevaleceram as virtudes, apesar de que as oposições exacerbaram os possíveis defeitos. Curiosamente, parecem confundir autoridade com autoritarismo, noutro equívoco do marketing. Quem fala em ditadura em Goiás não sabe o que é de fato uma ditadura e está apenas “brincando”, a sério, com a palavra. Houve uma tentativa de ampliar os defeitos, mas não funcionou.

O caso Cachoeira foi forjado para criar uma CPI com dois objetivos: vingança pessoal e vingança política. Primeiro, o PT queria destruir o DEM, seu principal adversário no campo ideológico. No momento da invenção do caso Cachoeira — cadê os casos Cachoeira do Rio de Janeiro, onde impera, de fato, o jogo do bicho, a contravenção? Cadê a CPI para investigar por qual razão o peemedebista Maguito Vilela, quando governador, colocou Carlos Cachoeira para gerir a Gerplan, sucedânea da Loteria do Estado de Goiás? —, Demóstenes Torres, então senador, era a cara do DEM, o oposicionista-mor, o político que supostamente travava as ações do governo Dilma Rousseff no Congresso Nacional e municiava a imprensa com denúncias. A vingança, no caso, era política: o objetivo era destruir o DEM, acabar com sua imagem de partido que combatia os malfeitos, e seu principal apóstolo, Demóstenes Torres (os petistas nunca moveram uma palha contra Renan Calheiros, Jader Barbalho, Romero Jucá e José Sarney. Alguém duvida que Demóstenes Torres é “frango de granja” perto dos cavalheiros arrolados?). O PT jogou com rara habilidade e destruiu, de uma tacada, tanto o DEM quanto o senador democrata. Hoje, o DEM é um partido nanico que deve fundir-se com o PSDB, provavelmente antes de setembro de 2015.

A vingança pessoal, articulada mais por prepostos de Lula da Silva do que por aliados da presidente Dilma Rousseff, era contra Marconi Perillo. Quando o governador goiano contou que havia avisado Lula da Silva — este era presidente da República — da existência do mensalão, o petista ficou uma fera e jurou vingança. A invenção do caso Cachoeira, longe de ser uma pauta em defesa da honestidade na política, era um instrumento de uma vendetta pessoal.

No entanto, apesar do jogo pesado dos aliados de Lula — muitos deles envolvidos tanto com Carlos Cachoeira quanto com Fernando Cavendish, dono da Delta Construções —, Marconi Perillo sobreviveu. Poderia ter se tornado um novo Iris Rezende — uma pessoa magoada —, mas optou por outro caminho. No lugar de fazer mais política, decidiu focar mais na administração pública. As oposições acreditavam que iria “sangrar” em praça pública até a eleição de outubro de 2014. Mas, com rara capacidade de se reinventar, o tucano-chefe voltou-se para a gestão, colocou as contas em ordem, obteve recursos federais — acrescente-se que o governo de Goiás terá de pagá-los, portanto não se trata de dádiva da presidente Dilma Rousseff (que, de fato, é muito mais republicana do que Lula da Silva) — e construiu dezenas de obras em todo o Estado. Inicialmente, a sociedade passou a apoiar apenas o gestor, admitindo que Marconi Perillo de fato trabalhava. O político não era muito bem avaliado. Pouco a pouco, as duas imagens, a do gestor e a do político, foram se juntando e, no lugar de “sangrar”, Marconi Perillo foi reeleito governador, surpreendendo talvez não a sociedade, e sim os políticos que ainda viam no tucano de 2014 o político que “sangrava” em 2011. Deixando de entender que ele havia mudado e, sobretudo, que sua conexão com a sociedade havia se modificado de maneira ampla.

Na campanha deste ano, no lugar de aderir ao populismo de Iris Rezende — que prometeu coisas (como dobrar o efetivo policial, e não investir em mais Inteligência) que poderiam quebrar o Estado, se efetivamente fossem levadas à prática —, Marconi Perillo mostrou-se um político responsável, e a sociedade o entendeu. Focado, com percepção precisa do que deve ser feito, apresentou propostas que podem de fato levar a resultados úteis para os indivíduos. Do ponto de vista estritamente pessoal, o tucano surpreende até seus adversários. Sua determinação e sua capacidade de trabalho, além de saber agregar as várias correntes partidárias e da sociedade, são fenômenos raramente examinados pela imprensa. Em busca de fatores objetivos, a mídia às vezes esquece que fatores ditos subjetivos, como a vontade individual — como o fato de levantar cedo e dormir tarde, mas trabalhando de verdade, sem perder tempo com questiúnculas —, são importantes, às vezes mais importantes, do que fatores objetivos. Não adianta ter dinheiro em caixa se o gestor não tem competência, coragem e agilidade para enfrentar a ferocidade pantagruélica da burocracia estatal e arrancar as obras do papel.

O Jornal Opção insiste num aspecto igualmente pouco examinado pela imprensa: Marconi Perillo, ao contrário de Iris Rezende e até de candidatos mais novos do que o peemedebista-chefe, é contemporâneo dos goianos atuais. Ele fala para o presente e, daí, para o futuro. Sua fala é perfeitamente assimilada pelos indivíduos. Iris Rezende fala para um goiano improvável. Quer um exemplo? O ex-prefeito de Goiânia jamais se entusiasmaria em atrair o cantor e compositor Paul McCartney para um espetáculo em Goiânia. Por quê? Não podemos apontar com certeza absoluta, mas possivelmente Iris Rezende nunca ouviu a música do músico inglês. Certamente não sabe de sua importância musical e histórica. É provável que Iris Rezende não saiba entabular um diálogo sobre a importância da Bossa Nova (João Gilberto) e Chico Buarque e Caetano Veloso para a música brasileira. Rock? Nem pensar. É só uma palavra com quatro letras.

O peemedebista, em definitivo, não é um político contemporâneo dos goianos atuais. Ficou para trás. Porém, aos 80 anos, permanece um homem de história respeitável. A história reserva-lhe um espaço dos mais nobres. Marconi Perillo, hoje com 51 anos, terminado o governo em 2018, daqui a quatro anos, certamente ganhará mais espaço na política nacional. Aliás, mesmo como governador, deve mergulhar mais fundo nos assuntos do País. Ao lado de Aécio Neves, é um dos poucos nomes que o PSDB tem para disputas nacionais. Nenhum partido despreza ou subestima um político cosmopolita que se elegeu governador quatro vezes. Em Goiás, pelo menos, as oposições o subestimaram e, por isso, vão ficar 20 anos fora do poder.