Mulheres da Assembleia Legislativa merecem respeito do deputado Amauri Ribeiro
16 fevereiro 2019 às 17h51
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O parlamentar pode ser criticado, mas também merece respeito. O uso do chapéu e sua fala caipira não são motivos para chacota
Não se deve ridicularizar o deputado estadual Amauri Ribeiro, do PRP, porque usa chapéu — inclusive em recintos fechados — e por sua fala acaipirada. O ex-prefeito de Piracanjuba já explicou o motivo de usá-lo. Além da afirmação de sua identidade-estilo, seria uma proteção contra fotofobia. Sua linguagem até pode ser caipira, mas não é muito diferente da de muitos brasileiros. Na posse, porque colocou sua mulher no colo — havia cedido a cadeira para uma senhora idosa —, parte da imprensa fez um carnaval desnecessário e provinciano.
O mais apropriado é avaliar uma pessoa pela média, não pelos extremos — como a fala caipira e o chapéu. Se uma pessoa usa boné, sobretudo se desses modernos, alguém o critica? Não. Como o Brasil está cada vez mais urbanizado, o chapéu é visto como um sinal de que quem o usa é da “roça”. Há na “crítica” uma rejeição aos homens do campo? Talvez não. Porque os homens do campo são tão modernos quanto os da cidade. O campo bucólico e atrasado não é mais dominante. A fala caipira, firmada, como no caso do parlamentar, é um sinal de que mantém sua identidade, portanto não quer destruí-la.
Numa entrevista recente à repórter Bruna Aidar, de “O Popular”, Amauri Ribeiro, mesmo com seu falar macarrônico, disse coisas que são relevantes e que precisam ser levadas a sério. De nada adianta dizer uma coisa em público, para conquistar eleitores, e fazer outra coisa em privado. O parlamentar sublinhou que é preciso moralizar o setor público, começando pelo Legislativo, sua nova casa de trabalho. A moralização resulta em mais recursos para beneficiar a sociedade. Do ponto de vista de probidade, tudo indica que não há nada contra o ex-prefeito. Noutras palavras, o que prega, com sua fala, parece que coaduna com o que faz, a sua ação.
Cabe à imprensa, portanto, tratá-lo com o respeito devido e observar a seriedade do que está dizendo. Aos poucos, dado o regimento interno, ele será enquadrado pela Assembleia. Mas oxalá não seja contaminado pelas forças imperecíveis da acomodação e permaneça crítico dos possíveis desmandos. Em determinados locais, onde se serve ao poder — aos poderosos —, às vezes é mesmo necessário alguém que diga a verdade de maneira desabrida, doa a quem doer.
Mas a verdade, o detergente da vida, pode ser dita sem violência e com civilidade. Não se pede que Amauri Ribeiro deixe de falar a verdade e denuncie equívocos e roubalheiras. O que se sugere é que o faça de maneira civilizada, sem ataques generalizados e, eventualmente, não comprováveis.
Ascensão das mulheres incomoda certos homens
Na entrevista à repórter Bruna Aidar, Amauri Ribeiro mostrou-se inteiramente desrespeitoso com as mulheres que trabalham na Assembleia. Acusações, sabe o parlamentar, têm de sair do genérico para o particular, nominando os autores dos malfeitos.
Amauri Ribeiro falou em “casa de mulheres” na Assembleia, o que levou as pessoas a depreenderem que lá há “prostitutas”. Se o deputado tem informações precisas, com o dinheiro público sendo usado para bancar supostas “namoradas” de parlamentares, então que nomeie as mulheres e os políticos. Não se pode falar a respeito de determinados assuntos por ouvir dizer, sem provas cabais.
Mesmo tendo um promotor de justiça aposentado em seu gabinete, Amauri Ribeiro acusou, de maneira grave, e sem apresentar evidências. A Justiça, por exemplo, não aceita como prova a história do “ouvir dizer”. Mesmo que o acusador seja um deputado.
Além do preconceito contra as mulheres em geral, repetindo velhos e resistentes clichês que não aceitam o sucesso delas, há o fato de que as mulheres que trabalham — sim, trabalham — na Assembleia são sérias. Não há nada que as desabone. Ao anunciar que vai processar a repórter Fabiana Pulcineli, porque disse que ele falou em “prostitutas” — na verdade, é a única palavra que acrescentou, porque a fala do parlamentar é de uma brutalidade inaudita —, o deputado sugere que “não” entendeu sua própria fala? Na verdade, quem merece ser processado não é a jornalista, e sim o parlamentar.
As mulheres, por mais que estejam ocupando espaço no mercado, licitamente, são vítimas de comentários desairosos do arcaico machismo patropi. Fica-se com a impressão de que a ascensão das mulheres, ocupando cargos decisivos — e, em geral, por concurso público —, está assustando os homens. Talvez a violência, tanto verbal quanto física, resulte da incompreensão de que o avanço delas, numa sociedade tecnológica em que a força física não é mais uma necessidade absoluta, é incontornável.
Para rebaixar as mulheres, formula-se piadinhas frequentes. Se a mulher está numa posição chave e é firme, cobrando o cumprimento de metas, é logo apodada de “histérica” e “maluca”. Se um homem faz o mesmo, é tido como “competente”, “exigente” e “macho”. Mas as “defesas” masculinas — das quais até homens modernos eventualmente compartilham, não se sabe se pela vetusta solidariedade masculina — é, insistamos, falta de entendimento do que está ocorrendo no mundo. A velocidade das mudanças parece assustar mais os homens do que as mulheres, que se adaptam, de maneira inteligente e criativa, aos novos tempos.
A persistência da piada, que às vezes é mais do que uma piada, e a violência física são sintomas de um comportamento que parece entranhado em alguns homens. Tanto que, ao falar das mulheres, que estariam à disposição de alguns deputados, a crítica é feita às mulheres, não aos homens. A barbaridade das palavras é dirigida às mulheres. Porque, para determinados homens, as mulheres são mais “objetos” do que seres com identidade.
Na Assembleia, há advogadas, jornalistas, taquígrafas, secretárias trabalhando seriamente. Portanto, o deputado, como qualquer outra pessoa, tem de respeitá-las.
No lugar de reafirmar o que disse e processar jornalista — mulher, por sinal —, Amauri Ribeiro deveria fazer o certo: pedir desculpas a todas as mulheres que trabalham na Assembleia Legislativa. Apesar da brutalidade do ato, um pedido de desculpas, longe de diminuir a masculinidade do deputado, reforça que se trata de uma pessoa séria. Não adianta falar em “limpar” o Legislativo — por meio de uma moralização global — se, no meio do caminho, começa-se com um equívoco e uma violência extremada contra as pessoas, notadamente as mulheres.
Apesar do discurso chucro e destemperado, Amauri Ribeiro de fato parece ser uma pessoa íntegra. O que lhe falta não é “trava” na língua, e sim pensar no outro com respeito e cordialidade. Mudar o mundo de maneira mais amena, com certa doçura, pode contribuir para melhorar todas as pessoas. Mudanças projetadas com violência — e a violência começa com palavras, que são ações engatilhadas — não criam sociedades civilizadas, tolerantes, respeitosas. Os fins não justificam os meios, mas os meios podem corromper os fins.
Os deputados — homens e mulheres — deveriam fazer uma sessão de desagravo às mulheres. As mulheres da Assembleia — algumas trabalham lá há quase 30 anos (são avós, são mães, são filhas e são esposas) — merecem isto. Todas as mulheres, indiretamente atingidas, merecem isto.
Ao final deste Editorial, uma heresia para os machistas renitentes: as prostitutas, deputado Amauri Ribeiro, merecem respeito. Por sinal, quais são os homens que frequentam a estância MM e o Real Privê? Alguns deles, no dia a dia, eventualmente adotam discursos moralistas, mas não deixam de frequentar as duas casas.
Poemas
Abaixo, o Jornal Opção publica um poema de João Cabral de Melo Neto, chamado “Graciliano Ramos” (o autor de “S. Bernardo”, um livro belo e, ainda assim, terrível — sabem os homens e, sobretudo, as mulheres), de 1961. Vale a pena lê-lo nestes tempos radicalizados e, estranhamente, violentos. O jornal publica também o célebre poema “À Espera dos Bárbaros”, do poeta grego Konstantinos Kaváfis. O poema foi traduzido por Haroldo de Campos.
“Graciliano Ramos”
João Cabral de Melo Neto
Falo somente com o que falo:
com as mesmas vinte palavras
girando ao redor do sol
que as limpa do que não é faca:
de toda uma crosta viscosa,
resto de janta abaianada,
que fica na lâmina e cega
seu gosto da cicatriz clara.
Falo somente do que falo:
do seco e de suas paisagens,
Nordestes, debaixo de um sol
ali do mais quente vinagre:
que reduz tudo ao espinhaço,
cresta o simplesmente folhagem,
folha prolixa, folharada,
onde possa esconder-se na fraude.
Falo somente por quem falo:
por quem existe nesses climas
condicionados pelo sol,
pelo gavião e outras rapinas:
e onde estão os solos inertes
de tantas condições caatinga
em que só cabe cultivar
o que é sinônimo da míngua.
Falo somente para quem falo:
quem padece sono de morto
e precisa um despertador
acre, como o sol sobre o olho:
que é quando o sol é estridente,
a contrapelo, imperioso,
e bate nas pálpebras como
se bate numa porta a socos.
À espera dos bárbaros
Poema de Konstantinos Kaváfis
– Que esperamos reunidos na ágora?
É que hoje os bárbaros chegam.
– Por que tanta abulia no Senado?
Por que assentam os Senadores? Por que não ditam normas?
Porque os bárbaros chegam hoje.
Que normas vão editar os Senadores?
Quando chegarem, os bárbaros ditarão as normas.
– Por que o Autocrátor levantou-se tão cedo
e está sentado frente à Porta Nobre da cidade
posto em seu trono, portanto insígnias e coroa?
Porque os bárbaros chegam hoje.
E o Autocrátor espera receber
o seu chefe. Mais do que isto, predispôs
para ele o dom de um pergaminho. Ali
fez inscrever profusos títulos e nomes sonoros.
– Por que nossos dois cônsules e os pretores saíram
esta manhã com togas rubras, com finos bordados de agulha?
Por que essas braçadeiras que portam, pesadas de ametistas,
e os anéis dactílicos lampejando reflexos de esmeralda?
Por que ostentam hoje os cetros preciosos,
esplêndido lavor de cinzel, amálgama de ouro e prata?
Porque os bárbaros chegam hoje,
e toda essa parafernália deslumbra os bárbaros.
– Por que nossos bravos tributos não acodem
como sempre, a blasonar seu verbo, a perorar seus temas?
Porque os bárbaros chegam hoje,
e eles desprezam a oratória e a logorreia.
– Por que de repente essa angústia,
esse atropelo? (Todos os rostos de súbito sérios!)
Por que rápidas se esvaziam ruas e praças
e os antes reunidos retornam atônitos às casas?
Porque a noite chegou e os bárbaros não vieram.
E pessoas recém-vindas da zona fronteiriça
murmuram que não há mais bárbaros.
E nós, como vamos passar sem os bárbaros?
Essa gente não rimava conosco, mas já era uma solução.