Senador tucano diz que “a não especificação de conteúdos sujeitos a indisponibilização pode abrir brecha contra a liberdade de imprensa sempre que uma notícia for reputada como desfavorável”

artigo_jose maria e silva.qxdNenhuma potência econômica e política abdica de serviços eficientes de espionagem. Devido às denúncias do WikiLeaks e, sobretudo, à revelação dos arquivos da NSA pelo americano Edward Snowden, as agências de espionagem, em especial as dos Estados Unidos e da Inglaterra, foram e estão sendo acossadas pelo menos por duas potências, Alemanha e Brasil, que se sentem prejudicadas. O país de Barack Obama mantém-se como player dominante no cenário internacional, mas suas intervenções armadas, fazendo milhares de vítimas e criando e ampliando crises em várias partes do mundo, são cada vez mais criticadas. Por isso, em larga medida, o governo democrata ampliou a atuação de suas agências de inteligência. Com informações mais precisas, como no caso da morte de Osama bin Laden, no Paquistão, as operações ditas “cirúrgicas” se tornam mais eficientes e menos dispendiosas. Primeiro, fica-se sabendo precisamente qual é o alvo, onde está localizado e como atingi-lo — o que contribui para reduzir o número de vítimas, como na caçada a Bin Laden. Segundo, operações com menor movimentação de tropas e uso de armamentos oneram menos o Erário. Nenhum Estado poderoso, como os Estados Unidos, vai deixar de articular interferências físicas, quando avaliar que são imprescindíveis. Mas sempre que possível vai se utilizar a inteligência — cuja base são os variados tipos e métodos de espionagem — para resolver e, até, evitar problemas. A internet vai continuar sendo espionada, com ou sem ordens judiciais, e apesar de os governos informarem, publicamente e de maneira enfática, que aceitarão determinados controles. Tudo pro forma. A espionagem correrá solta, porque, se não correr, não será espionagem. Uma das “leis” da espionagem é não ter regras. Aqueles que querem proteger suas informações devem criptografá-las e, mesmo assim, correrão riscos de tê-las decodificadas. A história de uma internet realmente livre é pura retórica. Mas isto não quer dizer que se deve aceitar passivamente que governos, como os da União Soviética — um dos mais invasivos e, ao mesmo tempo, restritos —, dos Estados Unidos e da Inglaterra, controlem as informações da web.

O Brasil e a Alemanha estão reagindo duramente ao controle americano e britânico da internet, mas não se sabe se há resultados efetivos, possivelmente não há. As agências de espionagem, para não serem flagradas, certamente se tornarão cada vez mais sofisticadas. Mas sanções e pressões internacionais podem, se não impedir, ao menos reduzir o controle das informações na internet.

Na semana passada, o Senado brasileiro aprovou o projeto do Marco Civil da Internet, a chamada “Constituição” da rede. Na edição de quarta-feira, 23, a “Folha de S. Paulo” sintetizou os três principais pontos do projeto. Sobre neutralidade: “Operadoras podem apenas vender pacotes que limitem a quantidade de dados acessados e a velocidade da conexão, mas não podem discriminar conteúdo por tipo (vídeo, imagem, texto) nem por origem (sites de notícias, redes sociais, blogs), privilegiando o acesso ou derrubando a velocidade de conexão a um determinado serviço”.

Sobre privacidade: “O registro dos serviços prestados deve ser armazenado tanto por operadoras (durante um ano) como por sites (seis meses). As informações devem ser sigilosas e só podem ser disponibilizadas mediante pedido da Justiça”.

Sobre ofensas na rede: “Um site não tem responsabilidade sobre o que usuários publicam nem pode ser punido por isso, exceto se descumprir ordem judicial para retirada de conteúdo. Em caso de conteúdo com nudez, porém, o site fica obrigado a removê-lo a pedido da pessoa envolvida, independentemente de determinação judicial”.

No artigo “Marco Civil é bom, mas poderia ser melhor” (“Folha de S. Paulo”, quarta-feira, 23), o senador Aloysio Nunes Ferreira, do PSDB de São Paulo, depois de criticar a pressa por sua aprovação, sob pressão do governo da presidente Dilma Rousseff, faz alguns reparos que são tanto de interesse da sociedade quanto dos meios de comunicação. O líder do PSDB no Senado diz que uma questão “delicada é a punição a provedores de aplicação caso não tomem providências, após ordem judicial específica, para ‘tornar indisponível’ conteúdo apontado como infringente. O uso da expressão ‘tornar indisponível’, aliado à ideia imprecisa do interesse da coletividade, pode ser um instrumento de censura, contrariando o propósito da lei. E pode resultar em uma avalanche de ações em juizados especiais, porque o texto atrai para esse foro simplificado a competência para processar essas causas”.

O senador tucano acrescenta que “a não especificação de conteúdos sujeitos a indisponibilização pode abrir brecha contra a liberdade de imprensa sempre que uma notícia for reputada como desfavorável”.

Num momento em que a impressa crítica é acossada por centenas de processos — não raro de políticos mal intencionados e, eventualmente, corruptos — e com a indústria da indenização cada vez mais azeitada, o Marco Civil da Internet, que é valioso e necessário, pode se tornar mais um instrumento daqueles que, no lugar de esclarecer, querem turvar a realidade e impedir a investigação ampla dos fatos. Mas exageros, porque existem, devem mesmo ser coibidos e penalizados judicialmente.

Neutralidade da rede

A NETMundial, encontro de representantes de 97 países, terminou na quinta-feira, 24, em São Paulo. A discussão básica foi sobre a governança da internet, no fundo uma tentativa de reduzir o controle das agências de espionagem americana, inglesa e, embora menos citadas, russa e chinesa. O documento elaborado no encontro sugere que a governança da web terá a participação de governos, setor privado, sociedade civil, usuários e comunidades técnica e acadêmica e explicita que a rede deverá ter uma administração aberta, participativa, transparente, fiscalizável, equilibrada e inclusiva. O que os países querem é uma internet “livre e justa”.

Não houve, porém, acordo sobre a “neutralidade da rede” e o tema ficou fora do do­cumento, dada a posição contrária dos Estados Unidos e União Europeia, que se opuseram ao Brasil.

A presidente Dilma Rousseff recuou num ponto. Ela afirma que o governo não vai mais tentar obrigar as empresas de internet a criarem infraestrutura de data center no Brasil.