Joaquim Levy planeja um Estado necessário para sustentar a retomada do crescimento econômico
29 novembro 2014 às 10h02
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O que importa não é o conflito entre desenvolvimentistas e monetaristas, mas se o Brasil vai continuar crescendo, ampliando sua infraestrutura, gerando empregos e mantendo sua política de inclusão social. O País não expande se continuar gastando muito e, sobretudo, mal
Políticos verdadeiros nunca saem do palanque. Porque este é o oxigênio deles. Comenta-se, no mercado persa da política, que o engenheiro Joaquim Levy, doutor em economia pela ortodoxa Universidade de Chicago, a meca dos monetaristas, assumirá o Ministério da Fazenda, no próximo governo de Dilma Rousseff, com dois principais objetivos. Um, tido como fundamental, seria promover um ajuste fiscal severo entre 2015 e 2017, com a intenção de reorganizar as contas do governo e, com isso, retomar o crescimento econômico. O segundo decorreria do seguinte: em 2014, Dilma Rousseff foi reeleita, apesar do crescimento praticamente negativo da economia, mas a disputa foi a mais acirrada que o PT enfrentou, depois de sua primeira vitória, em 2002. Lula da Silva, patrono de Joaquim Levy, é uma raposa política e já se disse disposto a disputar a Presidência da República, pela sexta vez, em 2018. Mas não gostaria de disputar, contra Aécio Neves, Marconi Perillo ou Geraldo Alckmin, os três do PSDB, em circunstâncias parecidas (ou piores) com as de 2014. Daí a presença de um operador especializado em “limpeza”, em reordenar as finanças públicas e incentivar, com regras claras e confiáveis, a expansão do mercado. Isto procede ou é ficção política?
Há quem duvide da capacidade de Lula da Silva como formulador de longo prazo, não tanto de política, mas de economia. Porém, quem convive com o ex-presidente garante que, embora não tenha conhecimentos técnicos sofisticados, aprendeu, e bem, o que funciona e o que não funciona num governo. Com os adeptos do “palavrório”, os chamados desenvolvimentistas (vistos com certo preconceito), o ex-presidente não mantém relação estreita. Ouve-os, mas sem prestar muita atenção ao que dizem, porque não acredita que suas ideias deem resultados positivos para a economia. Daí manter conversas mais sólidas com os chamados ortodoxos ou monetaristas — como Henrique Meirelles, um de seus principais conselheiros em economia, Luiz Carlos Trabuco, do Bradesco, e Joaquim Levy, ex-Bradesco.
O conflito entre desenvolvimentistas e monetaristas é antigo, mas está, em parte, superado pelos próprios governos do PT, que uniram os dois ramos, às vezes com a predominância de um, mas sobretudo com as duas correntes sempre presentes. Na verdade, não há mais desenvolvimentistas inteiramente puros, que não aceitam algumas teses dos monetaristas, como um ajuste fiscal mais rígido, e os monetaristas brasileiros, mesmo quando formados em Chicago, se tornaram mais maleáveis, ao se aproximarem da socialdemocracia proposta pelo PT de Lula da Silva e Dilma Rousseff e, antes, pelo PSDB de Fernando Henrique Cardoso.
Desenvolvimentistas e monetaristas sabem, quando experientes, que um Estado que gasta muito e, sobretudo, mal — sacrificando a sociedade —, não é produtivo. Um Estado enxuto é mais útil à sociedade, entendem as duas correntes. Um Estado mais “pesado” dificulta até mesmo a aplicação de algumas ideias mais caras aos desenvolvimentistas, que é, claro, uma aposta mais forte no desenvolvimento, na distribuição das benesses do crescimento econômico. Por seu turno, os monetaristas (os menos ortodoxos) também percebem que o Estado, sendo um instrumento da sociedade e não de classe, não deve exclusivamente servir ao mercado. Os governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff conduziram políticas liberais paralelamente a políticas não liberais, especialmente no campo dos programas sociais.
Retomando Lula da Silva e 2018. Em sã consciência, nenhum economista sério traça um plano de curto, médio e longo prazo pensando exclusivamente em sucessão presidencial. A realidade não pode ser submetida a um projeto partidário ou pessoal. A realidade é refratária a este tipo de ajuste de caráter mais privado do que público. É possível, portanto, que Joaquim Levy até queira ajudar seu patrono a voltar ao poder. Porém, como técnico experimentado mas sem a miopia de alguns técnicos, sabe que, se quer recuperar o País e forçar a retomada do crescimento econômico, precisa tomar medidas que, até impopulares — cortar gastos não agrada a ninguém, muitas vezes nem mesmo àqueles que o defendem —, não agradarão, num primeiro momento, sobretudo aos políticos. Ajustes são dolorosos, por isso, no próprio governo de Dilma Rousseff, já começam a chamar o futuro ministro da Fazenda de “Joaquim Mãos de Tesoura”.
Há críticos de Joaquim Levy, mesmo antes de sua posse, em janeiro, em todas as esferas. Petistas mais radicais sugerem que não tem preocupação social, o que talvez seja improvável. O economista não é adversário dos programas sociais; ele é contrário é ao gasto malfeito e que prejudique o Estado e, daí, a sociedade. Tucanos, dos quais o economista seria aliado, dado seu liberalismo — não custa lembrar que o nome do partido de Aécio Neves é, por extenso, Partido da Social Democracia Brasileira —, passaram a dizer que se trata de uma escolha neoliberal. No caso, entre o País, a necessidade de crescer com qualidade, e o rótulo, quase sempre redutor e impreciso — Joaquim Levy também trabalhou com o ex-presidente Lula da Silva —, deve se escolher o primeiro, é claro. Se Dilma Rousseff incorpora ideias tucanas — que nem tucanas são —, e se elas são positivas para o país, louve-se a presidente por optar por aquilo que é melhor e pode funcionar. Se a presidente está rompendo com ela mesma — Guido Mantega, o ministro que derreteu, não tinha tanta autonomia assim; nenhum ministro tem (todos podem ser demitidos; a presidente, não) —, em busca de um caminho mais adequado para o País se recompor, no lugar de execrá-la, convém apoiá-la.
Numa série de artigos, antes de ser indicado para o Ministério da Fazenda, Joaquim Levy definiu o que se precisa fazer para recuperar a economia de um país como o Brasil. Em texto para a revista “Investidor Institucional”, o “chicago-boy” (nem tão garoto assim), escreveu: “O importante é definir uma estratégia que o mercado entenda. Quando o presidente Lula começou a governar, estabeleceu-se que não haveria ‘pacotes’ e que os objetivos seriam definidos, anunciados e implementados de forma muito clara. Acho que isso foi um dos fatores do sucesso do seu mandato”. O economista resume tudo numa palavra: credibilidade.
No artigo “Sob a luz do sol — Uma agenda para o Brasil”, Joaquim Levy escreveu a respeito das contas públicas: “A meta do superávit primário deve ser perseguida sem artifícios e com transparência, mantendo-se o objetivo de reduzir a dívida pública bruta ao longo do tempo. (…) Há que articular as metas para a dívida pública com maior disciplina no gasto público, estabelecendo uma trajetória para o gasto público, notadamente o gasto corrente, ainda que indicativa”.
Fala-se muito em corte de gastos, mas é um assunto do qual gosta-se mais de falar do que de tornar realidade. Joaquim Levy percebe-o como algo fundamental. “Menos gastos do governo ajuda a fazer os juros caírem, desestimulando o excesso de entradas de capital e modulando o câmbio. Se a política monetária usa metas de inflação, isso é apenas uma questão operacional que não elimina o papel-chave da capacidade do governo de reduzir seus gastos correntes, inclusive os mais rígidos, nos ajustes de câmbio. O complicado é quando se considera que dá pra fazer isso enquanto se ampliam os gastos públicos, a não ser que haja um fortíssimo choque de produtividade na economia — com um substancial salto de eficiência e conhecimento e muito menos burocracia e mais liberdade para as pessoas tomarem riscos”, escreveu Joaquim Levy num artigo, “O câmbio que agrada”, para a “Folha de S. Paulo”.
A recuperação da produtividade, frisa Joaquim Levy, é fundamental. Para tanto, é preciso: “Tratamento similar a grupos economicamente semelhantes; privilegiar políticas sociais focalizadas na escolha dos grupos beneficiados, e não no consumo de bens específicos; benefícios e incentivos podem ser concedidos a grupos selecionados, desde que transparentes no orçamento público e acompanhados de metas claras e verificáveis de desempenho e avaliação dos resultados; as políticas públicas devem ser avaliadas independentemente do Poder Executivo; procedimentos e regras dos processos de aprovação e acompanhamento dos investimentos em infraestrutura devem ser reformulados de modo a serem previsíveis, com regras, alçadas e procedimento bem definidos”. A turma mais radical do PT, e até economistas como Luiz Gonzaga Belluzzo, está de olho exatamente neste ponto. Há uma crença de que, para favorecer o mercado financeiro, do qual é oriundo, Joaquim Levy vai cortar recursos para investimentos sociais e, mesmo, para investimentos em infraestrutura. Primeiro, quem manda é a presidente Dilma Rousseff. Segundo, o economista sabe que investimentos em infraestrutura, se aplicados com correção e em obras certas, são o mapa da mina para o país crescer. O apelido recente de Joaquim Levy é “Mãos de Tesoura”, mas ele pretende atacar mais aquilo que, improdutivo, devora as estranhas do Estado.
Quanto à taxa de juros, Joaquim Levy, num artigo para a revista “Investidor Internacional”, anotou: “A subida recente da Selic é positiva na medida em que sinaliza o compromisso com a estabilidade de preços. Ela aumenta a rentabilidade das carteiras de duração mais curta, sem prejudicar o longo prazo das carteiras institucionais. Mas o que realmente vai fazer a diferença é um conjunto de políticas que permita os juros baixarem de maneira persistente e segura, tornando os investimentos de longo prazo cada vez mais atraentes. Esse é um trabalho… fundamental para o Brasil”. É provável que até um desenvolvimentista aprove isto.
Ao falar do próximo governo de Dilma Rousseff, na revista “Investidor Institucional”, Joaquim Levy assinala: “O menor crescimento da China deve exigir mais de nós. Além disso, a urgência para destravarmos a infraestrutura aumentou, até pelo cenário global em que a produtividade será mais importante”. O economista acrescenta que “o desafio para o Brasil é” seu “baixo nível de poupança que acaba demandando tanto dos fundos de pensão”. É preciso aumentar a poupança interna.
Como toque final, fica uma questão, quiçá menor. Quando o Bradesco vai mais ou menos, e dificilmente é menos, Joaquim Levy fatura 1 milhão de reais por ano. Quando vai muito bem, o que ocorre quase sempre, o economista recebe anualmente 3 milhões de reais. Por que um economista deste porte, um ás do mercado financeiro, troca 3 milhões da banca por 312 mil de reais do governo federal? (Um ministro ganha 26 mil reais por mês.) Uns, talvez idealistas, dizem que se trata de “espírito público elevado”. Outros, mais pragmáticos, sugerem que o currículo de um executivo, depois que passa pelo Ministério da Fazenda, fica “recheado” e, portanto, mais cobiçado pelo mercado financeiro e pelas chamadas empresas produtivas. O que importa mesmo, porém, não é quanto ganha ou quanto vai ganhar, e sim se, com sua política econômica, Joaquim Levy vai arrancar o País da crise, de um crescimento inferior a 1%, para levá-lo a outro patamar. O resto é assunto para conversa em bares e salas de estar em dia de chuva.
Agora, Joaquim Levy não é mágico. Sozinho, mesmo com autonomia, não arranca o Brasil da recessão (ou quase recessão). O País precisa “arrancar” junto, inclusive fazendo os sacrifícios necessários. Todos dizem que 2015 será muito duro, mas o que todos estão fazendo, neste momento, para que seja menos duro? O governador de Goiás, Marconi Perillo, está cortando na própria carne, enfrentando desgaste político com sua base, mas começou um processo de enxugamento da máquina. O trabalho que Joaquim Levy se propõe a fazer, com extremo rigor, já começou a ser feito no Cerrado.
Tripé econômico
O economista Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real, diz que, com Joaquim Levy, tende-se a retomar o tripé macroeconômico que prevê meta de inflação, câmbio flutuante e superávit primário. “O problema é que o tripé é manco, porque baseado em uma taxa de juros extremamente elevada e que tinha como consequência taxa de câmbio sobrevalorizada. A parte fiscal nunca foi suficientemente forte, dependemos muito da parte monetária e da parte cambial, para sustentar [o combate à] a inflação. Espero que seja o restabelecimento do tripé, solidamente baseado numa situação de consolidação fiscal”. (“Valor Econômico”, quinta-feira, 27)
Austericídio do ajuste fiscal
O economista Pedro Rossi publicou um artigo, na “Folha de S. Paulo” (quinta-feira, 27), com o título de “Contração fiscal em 2011; austericídio em 2015? O professor do Instituto de Economia da Unicamp assinala: “Um forte ajuste [fiscal] em 2015 pode se mostrar um erro. O cenário hoje é de desaceleração e uma contração fiscal pode conduzir à recessão. (…) Em vez de uma forte contração, o Brasil precisa reorientar o regime fiscal e, sobretudo, ampliar o investimento público. O reequilíbrio das contas públicas virá com o crescimento”.
Crescimento e desigualdade
Na sua passagem pelo Brasil, o economista francês Thomas Piketty, autor do best seller mundial “O Capital no Século XX1”, disse que o crescimento econômico não reduz, automaticamente, as desigualdades sociais. Camilla Veras Mota, repórter do “Valor Econômico”, sintetizou a palestra do economista francês, no auditório da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo na quarta-feira, 26: “Um sistema tributário progressivo, que incida sobre as grandes riquezas, e a igualdade de oportunidades de acesso à educação são mais decisivos para reverter a trajetória de aumento da concentração da renda observada entre os 20 países mais ricos desde a década de 80. O economista avaliou como ‘preocupante’ o descompasso entre o ritmo de avanço da reda real das grandes riquezas — entre 6% e 7% ao ano em termos reais, de acordo com dados retirados de rankings da revista ‘Forbes’ — e da renda do trabalho, entre 1% e 2% ano ano. Para ele, a desconcentração de renda não passa necessariamente pelo crescimento econômico. Políticas ativas de redução da desigualdade, que priorizem o acesso universal a uma educação de qualidade, um sistema tributário progressivo e o desenvolvimento do mercado de trabalho, conseguem desempenhar melhor esse papel”.