Há sinais de que a economia começa a se movimentar, com novos investimentos, mas, se o governo de Michel Temer for afetado pela Lava Jato, tudo vai por água abaixo

Michel Temer: ruim com ele e pior sem ele. Sem o presidente, caem por terra as reformas Trabalhista e da Previdência. Sem elas, sobretudo a segunda, o Estado brasileiro se tornará inviável nos próximos anos

A crise econômica é uma espécie de dor: quando se instala, durante um longo tempo, fica-se com a sensação de que não mais acabará. Mesmo quando a crise está arrefecendo, sobra um certo rescaldo negativo. Mesmo quando a recuperação começa, a tendência é que os indivíduos permaneçam comentando que a vida não é como antes. Quando se está desempregado, especialmente se não se consegue um trabalho há vários meses, é mesmo difícil aceitar que alguma mudança positiva esteja ocorrendo. O leitor deste Editorial, supostamente panglossiano (o texto), certamente dirá, com uma pergunta irônica: “Que tal andar cerca de um quilômetro na Avenida 85, entre os setores Sul, Marista e Bueno, para verificar a quantidade de lojas fechadas?” De fato, uma das artérias-símbolo de Goiás se tornou um cemitério de lojas. Há galerias fechadas, sem viv’alma para informar sobre os comerciantes que, um dia, ali venderam seus produtos. As placas de “aluga-se”, de tão antigas, estão descoloridas ou, algumas, caídas.

Pode-se falar em recuperação da economia? De maneira ampla, não. O que se deve sugerir, para não en­ga­nar o leitor, é que a economia começa a se movimentar; há sinais de recuperação — ainda que tênues. Curiosamente, talvez dados a cautela habitual do presidente Michel Temer e o realismo do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o governo se apresenta de modo realista, comemorando a ligeira recuperação, mas sem vangloriar-se. Neste momento, escudar-se em publicidade para inflar dados, com o objetivo de se obter ganhos políticos, não é salutar. Em 2017, a economia voltará a crescer, é fato, mas os números não serão altamente positivos. O mais provável é que, em 2018, o cres­cimento seja maior e espraiado pela economia (quer dizer, não localizado tão-somente em algumas atividades).

Os economistas afiançam que estão entrando mais capitais no país, mesmo com a relativa redução dos juros — especialistas indicam que, dada a estabilidade da inflação, a Selic pode cair ainda mais, talvez para 8 ou 9% —, o que sugere mais confiança nas ações do governo. Os capitais, depreende-se, não são apenas especulativos. São, também, capitais para investimentos — o que mostra certo grau de confiança na expansão da economia patropi.

Na semana passada, a imprensa divulgou que a Fnac, rede de livrarias e eletroeletrônicos, estaria saindo do Brasil. A base da informação era o balanço do grupo francês, que apontava “descontinuidade” de ações no país. Logo depois da re­percussão negativa, a Fnac apresentou outra versão: não sairá da terra de Machado de Assis e Fernanda Montenegro. O que está buscando é um sócio capitalizado para investir no negócio. O que se comenta no mercado, apesar do suposto recuo, é que a Fnac quer, na verdade, repassar o negócio adiante. Porém, se confirmar que vai sair, estará sublinhando que o negócio é ruim. Se não é bom, quem vai comprá-lo?

Leu-se, faz pouco tempo, que a Livraria Cultura, tida como a mais charmosa do país, ao lado da Livraria da Vila, está em crise. Cogitou-se, até, de fusão com a Livraria Saraiva.

Henrique Meirelles: o engenheiro que presidiu o BankBoston e o Banco Central é o fiador da recuperação econômica; tornou-se uma espécie de primeiro-ministro

Mas as notícias não são todas ruins. O jornal “Valor” e a revista “Exame”, para mencionar os mais importantes veículos de jornalismo econômico do país, publicam, com frequência, informações positivas. Na edição de 10 de fevereiro do “Valor”, a repórter Cibelle Bouças, na matéria “Renner vai investir R$ 500 milhões em 2017 e abrir entre 60 e 65 lojas”, indica que há boas notícias em determinados setores da economia. “A varejista de moda Ren­ner encerrou o ano de 2016 com crescimento em seu lucro líquido de 8% em relação ao ano anterior, para R$ 625,1 milhões.” Para 2017, a cúpula do grupo, apesar de falar em “otimismo cauteloso”, não desistirá de investir. “A varejista também prevê colocar em operação, a partir de junho, a Realize Crédito, Financiamento e Investimento.” Em suma, a empresa aposta na recuperação, ainda que relativa, da economia. A economia não vai melhorar muito, mas, conclui-se, não vai piorar.

Na mesma edição do “Valor E­conômico”, a reportagem “Merck investe mais R$ 100 milhões em expansão no Brasil”, do jornalista André Ramalho, explica que a em­pre­sa alemã, das áreas farmacêutica e química, “está confiante no crescimento do mercado brasileiro”. O jor­nal anota que, “depois de in­vestir R$ 165 milhões na ampliação e modernização da fábrica de medicamentos de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, a multinacional anunciou investimentos de mais R$ 100 milhões até 2020. A fábrica passará a produzir até 2,7 bilhões de comprimidos por ano, o que representa um aumento de cerca de 60%”.

O diretor de operação da área de Biopharma da Merck, Simon Sturge, revelou que, “fundamentalmente, essa ampliação é para abastecer o mercado brasileiro, que está crescendo muito rápido”. Mas também vai exportar para países da América Latina. “O Brasil está entre os seis países mais estratégicos para a empresa”, frisa Sturge. O executivo relatou ao “Valor” que a empresa pretende trazer para o Brasil o medicamento de imunoterapia Avelumabe (“para o tratamento de carcinoma de células de Merkel”) e o medicamento oral para esclerose múltipla Cladribina.

A “Exame” que está nas bancas contém uma reportagem, “A busca continua”, na qual a jornalista Naiara Bertão informa que três fundos reuniram “quase 2 bilhões de reais para encontrar os ‘unicórnios’ brasileiros”. Unicórnios são “empresas de tecnologia que valem mais de 1 bilhão de dólares”. “Fundos de menor porte captaram mais 500 milhões de reais.” Há, portanto, capital para empreendedores. Os negócios precisam ser tão-somente confiáveis, quer dizer, lucrativos e estáveis.

Na edição de sexta-feira, 3, a manchete do “Valor” assinala: “Expansão global já ajuda o Brasil via commodities”. O repórter Sergio Lamucci escreve: “O crescimento mais forte e sincronizado das maiores economias do mundo, fenômeno que não ocorria desde a crise de 2008, está impulsionando os preços das commodities e beneficiando o Brasil. Em 12 meses até fevereiro, o índice de termos de troca — a relação entre preços de exportação e de importação — subiu 8,2%. (…) A alta das commodities, além de engordar o saldo comercial — superávit de US$ 51 bilhões também em 12 meses até fevereiro —, valoriza o real e melhora a arrecadação de tributos, uma boa notícia para os Estados”.

Na mesma edição, a reportagem “Goiás colhe a safra da recuperação”, de Cristiano Zaia, anota que o Estado “vai produzir 21,1 milhões de toneladas de grãos de soja e milho. Será a safra da recuperação, 20,5% maior que a anterior. (…) Pelos cálculos do Ministério da Agricultura, o valor bruto da produção de soja chegará a US$ 12,4 bilhões em Goiás em 2017, mesmo nível de 2016. Mas o do milho poderá aumentar quase 70%, para R$ 6,4 bilhões”. O produtor Vilmar de Oliveira Filho, de Rio Verde, comemora: “Está colhendo 63 sacas de soja por hectare, bem mais do que as 50 da safra anterior”. As chuvas ajudaram. A chamada “âncora verde” tem contribuído para que a crise em Goiás — que não é uma ilha — seja menos sentida do que em Estados como Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Rio de Janeiro, a rigor, muito mais ricos, porém de economias menos estáveis.

Se há o início de uma recuperação, em parte decorrente das medidas tomadas pelo governo de Mi­chel Temer e Henrique Meirelles, es­pécie de primeiro-ministro — no presidencialismo-parlamentarismo à brasileira é a economia e não a política que determina os passos —, como a contenção dos gastos públicos, o quadro pode ser comparado a uma louça. A estabilidade econômica está apenas no começo — e difere da estabilidade sólida dos governos de Itamar Franco e de seu “primeiro-ministro” Fernando Henri­que Cardoso —, portanto é frágil, e a instabilidade institucional, se a La­va Jato levar Michel Temer de roldão, como “parceiro de jornada” da ex-presidente Dilma Rousseff, e é mesmo muito difícil (talvez impossível) dissociá-los, porque não havia duas campanhas eleitorais em 2014, a economia será abalada e, doravante, a recuperação será ainda mais difícil.

A realpolitik sugere que ruim com Michel Temer mas muito pior sem o presidente peemedebista. Os que se fiarem exclusivamente no debate ideológico por certo assistirão, de camarote, a economia do país soçobrar. Sem o veterano líder, certamente caem por terra as reformas Trabalhista e da Previdên­cia. Sem elas, sobretudo sem a segun­da, o Estado brasileiro se tornará inviável nos próximos anos. O presidente não é excelente, mas o país precisa mais dele do que ele precisa do país. No momento, ao menos.