FCDF: Arcabouço Fiscal pode “quebrar” o governo de Brasília e gerar caos no Planalto

11 junho 2023 às 00h00

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O Fundo Constitucional do Distrito Federal, com recursos do governo federal, é crucial para manter Brasília. No momento, estão discutindo no Congresso a redução do FCDF. Seguindo projeto de um deputado da Bahia, Cláudio Cajado (pP), a Câmara aprovou sua diminuição. Agora, o projeto está no Senado, onde certamente não será aprovado (fala-se, óbvio, da parte que se refere ao Fundo). E, se aprovado, pode ser vetado pelo presidente Lula da Silva. É esta questão que será discutida no Editorial, mas antes é preciso debater uma questão que não está posta.
O FCDF beneficia, como o nome indica, o Distrito Federal. Mas Brasília, se é um bem, também causa certos males às cidades do Entorno do Distrito Federal. O inchaço populacional de municípios da região — como Luziânia, Valparaíso de Goiás e Águas Lindas — decorre da proximidade com a capital nacional. As pessoas são atraídas para Brasília, onde os imóveis, assim como os aluguéis, são caros, acima das posses dos chegantes. Resta a estes buscarem habitações no chamado Entorno do DF ou Entorno de Brasília.

Com suas cidades com uma população crescente — e nem sempre verificada com o rigor necessário pelo IBGE (talvez porque muitas pessoas das cidades trabalham em Brasília) —, os custos com educação e saúde só aumentam. As verbas para bancar os dois setores quase sempre são insuficientes.
O FCDF é para o custeio de educação, saúde e segurança pública de Brasília. Porém, se o Entorno praticamente faz parte do Distrito Federal, sobretudo ao “absorver” problemas da capital, por que não incluir ao menos as cidades mais próximas nos benefícios do Fundo?
Para ser justo, e contribuir para um desenvolvimento mais equilibrado da região, o Fundo deveria beneficiar Brasília e cidades como Valparaíso, Cidade Ocidental, Águas Lindas, Luziânia, Planaltina, entre outras.
O FCDF precisa ser mantido, mas é preciso introduzir a mudança que o Editorial está sugerindo. O presidente Lula da Silva, que é preocupado com a questão social, deveria fazer uma visita às cidades do Entorno de Brasília — começando pelo distrito Ingá, em Luziânia —, acompanhado pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa (que, ao nominar Brasília de “ilha da fantasia”, ecoando preconceito antigo, parece não saber que, a 45 minutos do Palácio do Planalto, na capital, fica a maior favela do Brasil, a Sol Nascente). O governo de Goiás cuida do Entorno, mas os governos federal e do DF pouco fazem pela região.

Arcabouço Fiscal pode inviabilizar Brasília
Na proposta do Arcabouço Fiscal, aprovada na Câmara dos Deputados e agora à disposição do Senado, o deputado Cláudio Cajado (da terra de Rui Costa, que deputados chamam de “Ruim Desgosta”), colocaram um jabuti: uma redução gigante dos recursos do FCDF, que hoje mantém Brasília em boas condições na saúde, educação e saúde.
A PL 92/2023, que viabiliza o Arcabouço Fiscal, contém um artigo, o 14, que muda radicalmente o FCDF. “O item em questão altera o cálculo do Fundo Constitucional, que é corrigido anualmente pela variação da receita corrente líquida (RCL) da União. A proposta aprovada na Câmara pretende corrigir o repasse a partir de 2025, de acordo com a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e ganho real primário do Poder Executivo, limitado a 2,5%. Com isso, o crescimento real do fundo que, até o momento, era em média 10,71% ao ano, passaria a ser de 5,76%”, assinala reportagem de Pablo Giovanni e Mila Ferreira, do “Correio Braziliense”, baseada em relatório divulgado pela Secretaria de Planejamento do DF.
De acordo com o governo do DF, as perdas podem chegar a 87,8 bilhões de reais em dez anos. Documento entregue pelo governo de Ibaneis Rocha ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e ao relator do Arcabouço Fiscal, Omar Aziz, informa: “Mais de 80% dos recursos do FCDF não são destinados para despesas ordinárias que estejam sujeitas à discricionariedade de gestores, e, sim, um repasse de receitas constitucionais para o ente da Federação do Distrito Federal. Dessa forma, a atualização do Fundo Constitucional do Distrito Federal não deveria estar sujeita a teto limitado pela presente proposição, pois tal efeito acabaria por prejudicar significativamente a consecução de políticas públicas por esta Unidade da Federação”.

O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), depois de uma conversa com o presidente do Senado, afirma que a tendência é que o artigo 14 seja retirado. Se não for, há a possibilidade de o presidente Lula da Silva vetá-lo. O senador Izalci Lucas, PSDB do DF, depois de uma conversa com o presidente Lula da Silva, disse que “não existe nenhuma determinação do Planalto em mexer com o Fundo Constitucional do Distrito Federal”.
Ibaneis Rocha frisa que, mesmo com o apoio financeiro do FCDF, a segurança pública de Brasília passa por dificuldades, dada a falta de recursos. “Há 10 anos, tínhamos no DF cerca de 18 mil policiais. Hoje, só temos 9,5 mil”, assinala.
“Sem o Fundo Constitucional, vamos retroagir a uma época em que o governante vivia com pires na mão”, sublinha Ibaneis Rocha. O governador enfatiza que “Brasília não tem possibilidade de industrialização”. Há alguns anos, quando era governador do DF, José Roberto Arruda chegou a pensar num projeto para incentivar a industrialização do Entorno, em parceria com o governo de Goiás. Porque Brasília também ganharia, direta ou indiretamente. O atual governador poderia recuperar tal projeto, em vez de pensar exclusivamente na capital federal.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (pP), sinalizou positivamente aos políticos de Brasília. O parlamentar disse que, se o Senado derrubar o artigo 14, a Câmara não vai questionar a decisão, que será mantida.
Presidida pelo senador goiano Vanderlan Cardoso, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado começa a examinar a proposta do Arcabouço Fiscal na terça-feira, 13. É óbvio que a prioridade do Senado não é a questão de Brasília, com seu Fundo. Mas a bancada do DF postula que, no encontro, o FCDF possa ser discutindo — o que é pouco provável. No primeiro dia, a tendência é que as questões de fundo sejam expostas, e não as ditas secundárias, como o problema que envolve a capital nacional.
O que acontecerá se o Fundo for amputado, de maneira drástica, com o governo de Brasília? Ibaneis Rocha é peremptório: não há como manter a estrutura atual com menos recursos (na verdade, a capital estaria precisando de mais verbas). Então, no caso de redução dos valores do FCDF, o governo de Brasília terá de cortar despesas, diminuir salários de servidores (uma missão praticamente impossível) e reduzir concursos públicos. “Eu acho que toda a nação vai entender a necessidade da nossa capital, que abriga as embaixadas, Congresso Nacional, todos os poderes da República, e que a gente trata isso aqui com muito carinho”, anota o gestor do DF.
A senadora Leila Barros, do PDT do DF, disse ao “Correio Braziliense”: “Os parlamentares e a sociedade, de um modo geral, têm que entender que o fundo é um mecanismo de financiamento fundamental para a manutenção das nossas forças de segurança, além do orçamento da saúde e educação do DF. Estamos falando de um lugar que foi construído para ser uma cidade administrativa, e assim ela cumpre o seu papel de cuidar e abraçar todas as instituições. Só que ela vai além. O DF cresceu, tem suas dificuldades e é onde entra o FCDF, que vem ajudar nesse orçamento. A bancada do DF vai ter um grande desafio, nos próximos dias, que é conversar com líderes e representantes do governo, para trabalhar no convencimento e entendimento do impacto das perdas para a capital do país”.
Ilha da fantasia: Rui Costa ecoa UDN de Lacerda

Ao chamar Brasília de “ilha da fantasia” — uma cidade onde vivem mais de 3 milhões de pessoas —, o ministro Rui Costa dos Santos, conhecido como “Maquiavel do Pelourinho”, ecoou, de alguma maneira, o velho discurso da UDN (já disseram que o PT é a “UDN de macacão”) contra a construção da capital.
Em meados da década de 1950, a UDN, por meio de Carlos Lacerda e outros, fez uma campanha dura contra a construção de Brasília, atacando, com palavras violentas, o presidente Juscelino Kubitschek.
Agora, Rui Costa sugere que a capital deveria ter ficado no Rio de Janeiro ou ter sido transferida para São Paulo ou Bahia. O argumento é que a cidade não teria “povo”, ou seja, o ministro nefelibata só percebe o Plano Piloto (que, aliás, também tem povo). Brasília, como se disse acima, tem a maior favela do Brasil e tudo indica que o ex-governador da Bahia nunca foi lá. E fica a poucos quilômetros do Palácio do Planalto.
Ao construir Brasília, a ideia de JK era descentralizar o desenvolvimento do país. Era tornar o Brasil menos desigual. E isto parece incomodar Rui Costa, que, por sinal, chegou a pedir desculpas. Protocolares, por certo.