O trabalho do marketing é essencial para dar visibilidade estética e assim tornar o produto, no caso, o político, mais palatável. No entanto, não consegue tirar, modificar e colocar uma nova personalidade política

O que vier a partir de agora, de Iris Rezende e Ronaldo Caiado, é puro produto de marketing; um produto que, no cerne de sua essência, não os representa de verdade | Fotos: Fernando Leite/Jornal Opção
O que vier a partir de agora, de Iris Rezende e Ronaldo Caiado, é puro produto de marketing; um produto que, no cerne de sua essência, não os representa de verdade | Fotos: Fernando Leite/Jornal Opção

Nas eleições de outubro, se forem tomadas todas as coligações formadas Brasil afora, Iris Rezende (PMDB) e Ronaldo Caiado (DEM) certamente comporão uma das dobradinhas de candidatos ao governo e ao Senado mais experientes do País. Juntos, somam quase um século dedicado à vida pública. Têm tino político, faro aguçado e sabem fazer o jogo como poucos — a prova é que, mesmo esperando o último momento para se confirmar como candidato, o peemedebista conseguiu agregar mais seis partidos (DEM, SDD, PCdoB, PTN, PPL e PRTB).

Exatamente por isso que se esperava deles mais perspicácia para entender o que é o Estado de Goiás hoje. Ambos, Caiado e Iris, têm origem no meio agrário. Mais: eles são também grandes produtores rurais. O deputado do DEM é, mais do que isso, um líder de sua classe: foi presidente da União De­mocrática Ruralista (UDR) em seu auge, candidato na primeira eleição presidencial após o retorno da democracia ao País para dar visibilidade à pauta de sua categoria e forte defensor do agronegócio nos muitos embates do Congresso, como o do Código Florestal, o da reforma agrária e o da demarcação de terras. Além, é claro, de ser um médico bem sucedido.

Iris Rezende, por sua vez, além de carregar em seu currículo político o rótulo de bom administrador e personalidade carismática, tem em si a marca do “levantar cedo”, do mutirão, das caminhadas, do contato direto com os eleitores, da fala simples e direcionada à população. Essas são estratégias de marketing político um tanto instintivas, que durante muito tempo deram certo e firmaram a imagem do ex-governador, ex-prefeito de Goiânia, ex-senador e ex-ministro (por duas vezes) como um ícone da história do Estado.

Rivais durante décadas, Iris e Caiado agora estão juntos por uma questão de sobrevivência eleitoral. São de forças historicamente antagônicas e a união exótica causará reflexos no dia a dia eleitoral dos municípios. Em várias localidades — algumas delas cidades importantes —, existe uma animosidade antiga e que é maior do que possa apaziguar qualquer acordo de cúpula. Nelas, PMDB e DEM cultivam um maniqueísmo desde os tempos em que seus militantes levantavam bandeiras do PSD e da UDN, respectivamente. Um lado sempre se achou “do bem” e viu o outro lado como “do mal”. E nada mudou substancialmente para que isso deixasse de ser visto nos tempos atuais.

No entanto, o que antes poderia causar estranheza, agora, não tem mais volta. A chapa majoritária com Iris Rezende para o governo e Ronaldo Caiado ao Senado já faz parte dos registros da Justiça Eleitoral da campanha de 2014 e, portanto, da história de Goiás.

E é por isso, que ela, a aliança, desses dois grandes políticos de nosso Estado precisa ser analisada com mais profundidade, e sem paixão política.

Iris e Caiado estão colocando em prática o que já dizia Otto von Bismarck, unificador da Alemanha, sobre a política: “a arte do possível”. No entanto, o que os dois líderes não avaliaram, apesar de serem conhecedores disso, “a arte do possível” pode ser visto como a arte da conveniência.

O que aqui está sendo analisando é a história de dois líderes políticos com, no mínimo, 40 anos de estrada. Estrada essa, que fez a história de Goiás, talvez a mais interessante, porque era composta por homens de pensamentos e ideias que não se curvavam como bambus em beneficio de um ou de outro. E sim de um pensamento, de um ideal, de um agrupamento político. Era viver ou morrer.

Assim, que Iris e Caiado definiram por caminharem juntos no embate eleitoral de 2014, naquele primeiro discurso proferido no escritório do peemedebista e nos seguintes, veio a público quem são, como pensam, como agem esses dois grandes políticos. Ficou evidente que ambos possuem um objetivo comum — ganhar a eleição —, mas também ficou, claramente, estampado ao público que será às custas de um trabalho de convencimento em cima de um Estado que eles não conhecem mais. Melhor, conhecem, já que estão vivendo o dia a dia, mas não o entendem, o que pode ser pior.

Ao tomar a palavra durante a convenção, em seu próprio discurso, Iris Rezende mais uma vez se aprisiona no passado: lançando-se como pretendente ao comando de uma unidade federativa com crescimento econômico em alta e que ocupa uma posição ascendente no ranking do PIB brasileiro — e, sendo assim, com o imenso desafio de fazer a necessária transição da fase agroindustrial para uma base tecnológica e se adequar à velocidade do conhecimento, da informação e dos acontecimentos dos tempos atuais—, o peemedebista defende que é preciso ter um governante “que madrugue”, que seja “tocador de obras”, que convoque “mutirões” para “acudir” a população quando o Estado estiver em dificuldades.

Basta refletir de forma rápida para chegar a uma conclusão simples, até simplória: quem gere um Estado brasileiro hoje — não importa se Rio Grande do Sul ou do Norte, não importa se São Paulo ou Roraima — não pode pensar que deva “madrugar”. É algo muito mais amplo que está em jogo: a era da globalização não permite mais à gestão que “durma”; é preciso estar focado 24 horas naquilo que pode servir ou desservir a administração. Enquanto os goianos — ou paraenses, ou mineiros, ou bolivianos, ou suecos — dormem, no Japão, na Índia ou na China (especialmente na China) ocorrem fatos que afetarão seu sono nos próximos anos, ou imediatamente assim que acordarem.

É preciso, então, que o governante não pense mais que acordar cedo seja uma vantagem: o governador ideal para Goiás não pode mais dormir. Obviamente, isso tem de ser entendido no sentido amplo — é preciso que o governo seja despersonalizado e, pelo conjunto de sua equipe, esteja sintonizado em tempo real com o que ocorre no mundo inteiro.

Ser um gestor “madrugador”, portanto, não é mais nenhuma vantagem, pelo contrário. Como não parece ser produtivo, já na segunda década do século 21, evocar mutirões como política de governo. O termo “mutirão” tem um caro e arraigado valor para Iris. E é compreensível: Iris tem uma verve saudosista, é um remanescente dos tempos românticos da política, dos discursos veementes em palanques, das caminhadas volumosas, do corpo a corpo. Isso hoje compõe um aspecto menor do todo que é uma campanha eleitoral. Só que falar em mutirão remete a trabalho manual, enquanto estamos em 2014 e a população exige propostas para qualificação e capacitação com foco no mundo digital. Não só o jovem, mas toda a classe econômica ativa precisa encontrar ferramentas para alcançar seu lugar em um mercado de trabalho com uma exigência crescente para o preenchimento de suas vagas. Só que precisa de computadores e não de enxadas como instrumentos.

Por sua vez, como médico, deputado e produtor rural, Ronaldo Caiado tem contato com o que há de mais moderno no mundo do agronegócio e da medicina. Sabe tanto dos incrementos tecnológicos disponíveis (a parte técnica) quanto dos gargalos que travam o crescimento do setor (o desafio político). Por isso mesmo, não poderia combinar com seu perfil — ainda que em clima de convenção — comparar os adversários governistas (muitos deles de sua base até recentemente) a “frangos de granja” e emendar com a comparação do seu agora companheiro Iris Rezende a um “galo velho” e de “carne dura”.

Falta para Iris e Caiado entenderem o Estado de Goiás de hoje, onde a maior parte de sua base produtiva é composta por jovens empreendedores, homens e mulheres na plenitude de suas atividades profissionais. Aqui, a catira vale como lembrança, e não mais como identidade regional. “Colocar a cadeira no passeio” como exemplo de segurança social, exaltar o Crisa e o Dergo como exemplo de gestão pública, ou tratar aliados e adversários como se estivessem em um poleiro ou, ainda pior, como se estivéssemos assistindo a uma briga de galos _trechos que compuseram os últimos discursos de Iris Rezende e Ronaldo Caiado _ certamente, levou o goiano a apavorante sensação de assistir a um filme que teria como título “De Volta para o Passado”, só que em Goiás.

O que vier, a partir de agora, no discurso de Iris e Caiado é puro produto de marketing. Serão dois produtos expostos ao consumo ou não do eleitor, que, na verdade, na plenitude de suas essências não são eles de verdade. Tanto que os dois resistiram até o último momento para fechar e anunciar a aliança entre PMDB e DEM. O que só aconteceu quando os dois estavam morrendo à mingua em seus projetos políticos, individuais, e não para o coletivo, no caso para o Estado de Goiás.

Dessa forma, pelos rastros deixados no discurso, ressoa mais forte ainda a desconfiança sobre o sentido de “renovação” alardeado por uma chapa cujo tempo de atuação no mundo da vida pública já passa dos cem anos. Ninguém, nem o mais competente de todos os profissionais do marketing político consegue romper a barreira da essência do indivíduo, daquilo que o torna, verdadeiramente, único.

Somente querer derrotar o governador Marconi Perillo (PSDB), carregado ainda de uma obsessão nefasta, não irá levar nenhum dos que pleiteiam ao cargo de governo ao êxito. É preciso entender, viver e ser o que de fato é o Estado de Goiás hoje para traçar os nossos próximos 50 anos, no mínimo.