Doutor em ciência política duvida de chance da terceira via no Brasil
10 maio 2014 às 13h39
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Cesar Romero Jacob sugere que a disputa se dará entre Dilma Rousseff e Aécio Neves. Carlos Pereira diz que fragmentação não prejudica o sistema político brasileiro e sugere que a presidente dê mais poder aos seus aliados, antes que seja tarde
O “Estadão” publicou duas entrevistas que merecem ser comentadas. O texto “Terceira via não tem base territorial, afirma professor” (domingo, 4) contém a entrevista do cientista político Cesar Romero Jacob, da PUC do Rio de Janeiro. A segunda entrevista — “‘O sistema de coalizão deu certo’, diz professor” (edição de 9 de março) — é com Carlos Pereira, mestre da Escola de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas e coautor do livro “Making Brazil Work: Checking the President in a Multiparty System”.
Nas eleições deste ano, há uma terceira via aparentemente forte. Dilma Rousseff (PT), por ser presidente da República, é a candidata da primeira via, assim como Aécio Neves, que terá uma estrutura formidável e o apoio dos governadores de duas das principais locomotivas do país, São Paulo e Minas Gerais, é o nome da segunda via. A terceira via é Eduardo Campos, do PSB. Campos tem como vice Marina Silva, mais popular e mais conhecida do que o ex-governador de Pernambuco. A união entre Campos e Marina Silva é curiosa e estranha. Curiosa porque tem-se a impressão de que o PSB tem dois candidatos a presidente, mas nenhum vice. Estranho porque Marina Silva não se apresenta como filiada ao PSB, e sim ao Rede Sustentabilidade, o partido que é meio fantasma, porque não legal, e meio real, porque funciona como tal. No PSB age como uma tendência petista — pressionando e definindo alianças; em Goiás, vetou a composição do pré-candidato a governador do partido, Vanderlan Vieira Cardoso, com o deputado federal Ronaldo Caiado (DEM) e impôs o procurador da Advocacia Geral da União Aguimar Jesuíno como candidato a senador. Em Goiás, ao menos no momento, fica-se com a impressão de que há uma primeira via descolada, o governador Marconi Perillo, do PSDB, e três nomes que disputam o “direito” de se apresentar como segunda e terceira vias. Como segundo colocado nas pesquisas de intenção de voto, Vanderlan Cardoso deveria ser mencionado como o nome da segunda via. Porém, dada a estrutura política e financeira que articulou, a tendência — repita-se: tendência — é que Júnior Friboi, pré-candidato do PMDB, se torne, a médio prazo, entre julho e agosto, a segunda via. O que possivelmente empurrará Vanderlan para a disputa da terceira via com o pré-candidato do PT, Antônio Gomide. Aos que vão se apresentar como terceira via — nos planos nacional e local — cabe examinar com atenção as ideias do doutor em ciência política Cesar Jacob.
“Pela série histórica, o que constatamos é que todos os terceiros colocados ao longo das eleições pós-ditadura não resistiram à eleição seguinte. Esses terceiros colocados não se constituem em candidatura suficientemente sólida sobre o território. Além disso, a disputa presidencial está condicionada pela força do PSDB e do PT em São Paulo, que tem um terço do PIB e um quarto do eleitorado. Quem não tem voto em São Paulo não tem futuro eleitoral”, afirma Cesar Jacob. Observe-se que Cesar Jacob está discutindo a política nacional. Mas, guardadas as proporções, sua tese é aplicável a Goiás. De 2010, quando disputou como candidato apoiado pelo então governador Alcides Rodrigues, para 2014, quando se apresenta para sua segunda disputa governamental, Vanderlan perdeu fôlego. Sua estrutura atual, em termos de aliados significativos e de recursos financeiros, é muito menor do que a de quatro anos atrás. Não se pode dizer que Vanderlan é fraco, pois, sem Iris Rezende no páreo, é o segundo colocado nas pesquisas de intenção de voto. No entanto, a falta de estrutura — o socialista não tem políticos decisivos sequer para recebê-lo nas suas visitas ao interior; tanto que evangélicos da Assembleia de Deus são destacados para fazer número nas recepções — tende a atrapalhá-lo. Ao PT de Gomide também falta estrutura adequada no interior. O PT permanece como partido das grandes cidades, tanto que tem os prefeitos de Goiânia, Paulo Garcia, e de Anápolis, João Gomes. Para uma candidatura majoritária às vezes a falta de estrutura política pesa mais do que a falta de uma estrutura financeira adequada ou ampla. No caso específico de Vanderlan, mas não de Gomide, a estrutura financeira de Friboi está solapando sua base político-eleitoral. Os prefeitos do PSB — a maioria desfiliou-se — declararam, desde o início, apoio a Friboi. Porque, em 2012, Friboi contribuiu no financiamento de suas campanhas.
Iuri Pitta, repórter do “Estadão”, quer saber se Marina Silva, a diva do messianismo político-religioso, transfere votos para Campos. “Até agora, transferência de votos efetiva só ocorreu com Brizola para Lula em 1989. (…) O problema da Marina é que em 2010 houve uma confluência de eleitores diversos para ela”, afirma Cesar Jacob. Eleitores que não queriam o tucano José Serra e a petista Dilma Rousseff votaram em Marina Silva. Não eram, necessariamente, eleitores convictos de que tinha um projeto mais apropriado para o desenvolvimento e o crescimento do país. No caso de Goiás, se Alcides Rodrigues, como governador, e Jorcelino Braga, como uma espécie de primeiro-ministro, contribuíram para aumentar a musculatura de Vanderlan, em 2010, com quem o socialista conta em 2014? Com quase ninguém. “O problema da terceira via é que não há candidaturas com base política, ideológica e territorial semelhante de uma eleição para outra”, constata Cesar Jacob. O cientista político está tratando, naturalmente, da política nacional. Mas o referencial serve para Goiás, um Estado com dimensão de país. A base de Vanderlan, no lugar de aumentar, decaiu. Nem se fala ideologicamente, porque migrou da direita para a esquerda, mas permanece um político de direita sob camuflagem de esquerda. A esquerda tende a ficar com Gomide. Parte do Partido Comunista do Brasil, a dirigida pela deputada Isaura Lemos, deve marcar presença no palanque dolarizado de Friboi.
Todos falam que o eleitor quer mudança. “Se querem mudança de governo com governo, é um problema para Dilma, porque as pessoas estão insatisfeitas, e para os outros candidatos, que não conseguem capitalizar esse desejo de mudança. O êxito de uma campanha se define por três segmentos importantes, do ponto de vista geográfico: um discurso para a classe média escolarizada, que são os formadores de opinião; o apoio das máquinas que atuam nas periferias metropolitanas; e o das oligarquias nos grotões. Há uma insatisfação difusa no País, mas ninguém consegue captar esse sentimento. Há um outro ponto. Dilma não tem a paciência que FHC e Lula têm para conversar com políticos. Ela não convida a bancada de um Estado do Nordeste para viajar com a presidente. Isso durante certo tempo rendeu uma certa simpatia na opinião pública, ela não fazia concessões aos políticos, mas ela precisa dos políticos na campanha, a estrutura nas pontas”, disserta Cesar Jacob. No caso específico de Goiás, Marconi faz um percurso inverso de Dilma. A presidente começou melhor e está caindo. Marconi começou pior e está melhorando seus índices nas pesquisas. É possível dizer que o gestor está recuperando o político. A população aprovou sua decisão de cuidar mais da gestão do que da operação política. Mas agora, com a gestão em ordem, com trabalho (obras) para exibir ao eleitor, com a popularidade em alta (inclusive em Goiânia; o prefeito Paulo Garcia tem sido seu cabo eleitoral indireto, ao fazer uma administração altamente questionada pela população) e com a rejeição em baixa (ainda alta, mas caindo ou, pelo menos, estabilizando), o hábil operador político ressurgiu. O tucano-chefe está conversando com os políticos e aparando arestas. Sua tese, exposta aos aliados, é que precisa obter “votos novos”, quer dizer, pretende atrair eleitores que tradicionalmente não votam nele, ou anulam o voto. Uma aliança com Ronaldo Caiado — muito difícil, quase mas não impossível — atrairia voto novo, isto se o democrata transferir votos para Marconi, o que precisa ser aferido.
Cesar Jacob diz que, se quiser ter alguma viabilidade eleitoral, Aécio Neves precisa convencer o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e José Serra a engajarem-se de fato na sua campanha. Há um contencioso histórico entre São Paulo e Minas Gerais, que acabou gerando a Revolução de 1930. A disputa continua. José Serra, se pudesse, vetaria o nome de Aécio Neves. Como São Paulo é praticamente um país, com mais de 30% do PIB, com um população gigante — maior do que a de vários países —, os políticos do Estado dão pouco importância ao país, exceto quando têm um candidato a presidente. Em geral, a disputa local, pelo governo de um Estado que no fundo é um país, é mais importante do que a nacional. Portanto, como anota Cesar Jacob, “Aécio passa a ter grandes chances se ele conseguir fazer os tucanos paulistas colocarem a máquina para trabalhar por sua candidatura. Ele certamente ganhará em Minas, e, se conseguir fazer Alckmin e Serra virarem a página da mágoa, e daí o papel de FHC como padrinho, isso pode fazer grande diferença”.
Os dados recentes das pesquisas indicam que a disputa presidencial irá para o segundo turno, possivelmente entre Dilma e Aécio (tanto que Campos, percebendo o descolamento do mineiro, começou a dizer que é diferente dele, reposicionando-se como menos tucano e mais “marineiro”). “Eleição dificilmente se ganha no primeiro turno porque os restantes dos 30 partidos não têm interesse que PT e PSDB ganhem rapidamente. Você vai ter muita gente botando suas máquinas para trabalhar no outro sentido”, declara Cesar Jacob.
Coalizão acertada
A entrevista de Carlos Pereira à repórter Isadora Peron é quase que inteiramente heterodoxa, pois, no geral, diverge tanto da interpretação acadêmica quando do senso comum das ruas a respeito do sistema político brasileiro.
O sistema político brasileiro multipartidário é visto, no geral, como amplamente imperfeito e responsável por crises frequentes. A fragmentação partidária seria responsável, em larga medida, pelo fisiologismo e por contrafações como o mensalão. Carlos Pereira não contesta a existência de fisiologismo, mas contrapõe uma tese positiva: “A combinação do multipartidarismo com um presidente forte, aliado a várias estruturas de controle, que são capazes de dizer não a esse presidente, gerou condições para o funcionamento desse modelo institucional. O jogo se tornou previsível. O calendário eleitoral é respeitado. Você tem perdedores que se submetem aos resultados. Não há virada de mesa”.
A repórter sugere que o sistema político contribui para a concentração de poderes nas mãos do presidente da República, seja ele do PT, do PSDB ou de outro partido. Carlos Pereira diverge: “Hoje, o Legislativo tem instrumentos eficientes para constranger o presidente. Nós temos um Judiciário independente, que tem sido capaz de estabelecer limites, haja vista o julgamento do mensalão. Esse é um exemplo claro de como as instituições de controle no Brasil estão funcionando de maneira adequada. O Brasil é o único país no mundo que conseguiu impor perdas judiciais a uma elite política, no caso o PT, ao mesmo tempo em que esse partido ainda estava no poder. Em nenhum outro lugar isso aconteceu”. Sugerimos que se releia a última frase do pós-doutor em ciência política pela Universidade de Oxford.
A repórter faz uma pergunta pertinente: “Se o presidencialismo de coalizão deu certo, por que Dilma enfrenta tantas dificuldades?” A resposta de Carlos Pereira: “A Dilma é má gerente [o pesquisador não está sugerindo que é má gestora — em termos administrativos]. O PT tem sido um péssimo gerente da sua coalizão. Ele tem construído coalizões pós-eleitorais muito amplas, com muitos partidos, muito heterogêneos do ponto de vista ideológico, e, ao mesmo tempo, tem preferido concentrar poder no próprio PT. Eu argumento no livro que, quanto maior for a coalizão, quanto mais diversa ideologicamente ela é e quanto menos poder é compartilhado, mais dificuldade de gerir a coalizão o presidente vai ter”.
O cientista político dá razão às críticas do PMDB, que assegura que a presidente abre espaço no governo, mas controla ou restringe o poder de ação de seus indicados. “A presidente trata mal seus parceiros, não leva em consideração seus pesos políticos no Congresso, privilegia fundamentalmente seu próprio partido. Isso incentiva defecções. Se o PSB tivesse sido melhor tratado, optaria por uma estratégia mais conservadora e de maior alinhamento com o governo do PT”, diz Carlos Pereira. Sua tese é precisa: o PSB de Eduardo Campos queria, ao menos no início, uma composição com Lula da Silva, possivelmente indicando o vice-presidente (o que o PMDB não aceitaria). Curiosamente, parte do PT reclama que tem menos espaço no governo do que os demais partidos, esquecendo, propositadamente, que as torneiras estão nas mãos da presidente e do ministro da Fazenda, Guido Mantega, ambos do PT.
Para alguns, Dilma Rousseff está em queda livre, por isso o movimento “Volta, Lula!”. Carlos Pereira avalia que há escapatória para a petista. “Para que o PT continue na Presidência é fundamental abrir mão do poder e compartilhá-lo com os seus aliados. Existe uma teoria, criada por William Gamson, que virou uma lei na montagem das coalizões. Ela defende a perfeita proporcionalidade do peso político da sigla no Congresso e o peso político dentro do governo. E, dado que essa lei não é seguida pelos governos do PT, é normal que desbalanços surjam”, assinala o cientista político. “Todos os parceiros do PT são sub-representados hoje. O único partido sobre-recompensado é o PT. Isso acontece porque o PT é um partido muito plural, que tem muitas facções internas, e é difícil você acomodar todas essas correntes. Então, é mais fácil para o PT ser desproporcional com aliados externos do que com internos. Por isso, o partido tentou identificar formas heterodoxas de recompensas. Para mim, o esquema do mensalão foi isso: uma forma alternativa de recompensa de aliados externos.” O excesso de poder às correntes do PT resulta que, em grande parte dos escândalos, há petistas envolvidos com integrantes de outros partidos ou do próprio partido.
A assepsia de Dilma Rousseff, mantendo políticos a distância, supostamente para não se contaminar — como se isto fosse possível na vida e na política —, pode prejudicá-la eleitoralmente. “Ao não comprometer parceiros agora, Dilma pode ter de pagar um preço maior depois, podendo, inclusive, colocar em risco a reeleição. Agora, ela tem uma janela de oportunidade gigantesca. Ela pode, por exemplo, dar mais poder ao PMDB e comprometer o partido até o pescoço. Num cenário de instabilidade econômica, onde ela provavelmente vai concorrer com adversários fortes, Dilma não pode sofrer oposição dos seus próprios aliados. A decisão mais correta seria abrir mão de poder agora para se garantir no poder amanhã”, avalia Carlos Pereira.
A repórter pergunta: “É preciso deixar o PMDB mais contente?” Carlos Pereira corrige e amplia: “Não só o PMDB, mas todos os aliados. Todos estão sendo sub-recompensados. Governar em uma coalizão pressupõe levar em consideração o peso político dos aliados. Se não levar isso em conta, cria-se uma progressiva insatisfação na base”.
A diferença entre a mineira Dilma Rousseff e o goiano Marconi Perillo é que este tem mais experiência política. O tucano governa com uma frente política ampla, mas contemplada no governo, e sem perder a autoridade. Ele dialoga com todas as correntes, inclusive com as oposicionistas, sem deixar grandes arestas, exceto as inevitáveis. No momento, opera em dois fronts. Primeiro, para manter sua base unida — e ele é a própria “linha” que a mantém muito bem costurada. Segundo, opera para atrair novos apoios, porque isto tende a atrair “votos novos”. Marconi costuma dizer que suas vitórias têm sido apertadas — como é de praxe num país democrático — e, por isso, precisa buscar novos apoios e, por consequência, conquistar novos votos. O eleitor apontado como indeciso às vezes nem é tão indeciso. Não raro trata-se do eleitor que observa com mais largueza de visão o cenário político, comparando os projetos políticos em jogo, e por isso deixa para se definir em cima da hora. Este eleitor gosta de votar mais no gestor-político do que no político-político. Hoje, registram as pesquisas, a imagem de Marconi como gestor é bem acentuada. Não é impossível derrotá-lo em 5 de outubro deste ano, mas será muito difícil. Seus acertos políticos — mantém sua coalizão — e administrativos — conclui as obras que inicia — são superiores aos da presidente Dilma Rousseff. Ele sempre trabalha bem sua pauta positiva e mina, com habilidade, a pauta negativa.