Decidido, irado e vingador, eleitor é o grande vitorioso da eleição de 2018
13 outubro 2018 às 17h55

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Institutos de pesquisas, se não trabalharem com questionários mais flexíveis, continuarão deixando de compreender que os eleitores brasileiros raramente são indecisos

Leitores são críticos radicais das pesquisas, que, sustentam, erraram tanto em Goiás quanto no país. Eles têm razão? Em parte, sim. Em parte, não.
Os institutos de pesquisa — Datafolha, Ibope, Real Big Data, Fortiori, Grupom e Serpes — falsificam números para beneficiar este ou aquele candidato? Dadas manipulações eventuais, e não exatamente dos seis arrolados, os eleitores-leitores se tornaram, naturalmente, desconfiados. Mas talvez seja possível sugerir que os “erros” não foram deliberados.
As pesquisas quantitativas, que atraem mais a atenção, têm certo grau de precisão, sobretudo quando não ocorre nada de tão extraordinário. Não há como mudar sua metodologia no todo, pois não está errada, mas é preciso acrescentar perguntas e estabelecer cruzamentos que captem o que realmente pensa o eleitorado.
Pesquisas detectaram que uma parte significativa dos eleitores estava indecisa. Em editoriais, o Jornal Opção sugeriu que, ao contrário, os eleitores estavam mais decididos do que nunca. Quando ouvidos nas ruas, não davam uma informação precisa — porque uma pesquisa rápida, com questionários rígidos, leva a conclusões não abrangentes —, o que imediatamente permitia sua caracterização como indecisos. Os eleitores estavam e estão desconfiados e altamente definidos. Votam, por vezes, por exclusão.
No caso específico de Goiás, houve um terremoto — a operação Cash Delivery, que levou Jayme Rincon, ex-presidente da Agetop, à prisão e praticamente jogou parte relevante do eleitorado contra o candidato do PSDB a senador, Marconi Perillo — depois da eleição, foi preso e, a seguir, liberado —, e seus candidatos a deputado. As pesquisas não estavam erradas, mas uma circunstância, uma ação da Polícia Federal, levou os eleitores a se reposicionarem.
De qualquer modo, aferrar-se às teorias conspiratórias, sugerindo que as pesquisas estavam manipuladas, é mais cômodo do que pensar e concluir que a realidade pode ser, não raro, menos complicada.
Ronaldo Caiado se torna instrumento da mudança

Há momentos na história nos quais eventualmente há uma espécie de sintonia fina entre determinado indivíduo e o sentimento global dos demais indivíduos — uma espécie de inconsciente coletivo. Em Goiás, na eleição de 2018, Ronaldo Caiado (DEM), o governador eleito com uma votação extraordinária, no primeiro turno, galvanizou a ideia de mudança. Tornou-se uma espécie de Jair Bolsonaro de Goiás (em termos de conteúdo, frise-se, é muito superior ao líder do PSL).
José Eliton, do PSDB, Daniel Vilela, do MDB, e Kátia Maria, do PT, fizeram campanhas qualitativas, com propostas adequadas. Ronaldo Caiado optou por falar em mudança e em cristalizar sua imagem como político ético e homem experiente. Mesmo sendo agredido verbalmente, decidiu ouvir silente, respondendo episodicamente, mas não no mesmo tom da crítica acerba. Conectado à história do momento, soube fazer aquele discurso que, ao contrário dos demais, foi de fato observado com atenção.
A cabeça do eleitor funcionou mais ou menos assim: só um candidato, Ronaldo Caiado, simbolizava a retirada do poder do grupo de Marconi Perillo e José Eliton. Tornou-se o símbolo da mudança radical. Convenceu mais, como oposicionista, do que Daniel Vilela e Kátia Maria.
Sexta derrota consecutiva do MDB em 20 anos
Dada a derrota acachapante do PSDB, tanto para o Executivo quanto para o Legislativo, fica-se com a impressão de que se trata do grande perdedor. De fato, é um grande perdedor, mas é sua primeira derrota eleitoral, para o governo e para o Senado, em 20 anos.
A debacle tucana “esconde” outro fato: o MDB perdeu sua sexta eleição consecutiva — entre 1998 e 2018. O partido, concluído o governo de Ronaldo Caiado em 2022, terá ficado 24 anos fora do poder. O PSDB perdeu uma eleição.
Na eleição de 2018, ao lançar Daniel Vilela, de apenas 34 anos, o MDB tentou cristalizar a ideia de que, ao se renovar, poderia contribuir para a renovação política no Estado. Entretanto, mesmo dando o segundo lugar ao deputado emedebista, os eleitores decidiram que Goiás renovava com outro político, Ronaldo Caiado.
Derrota de Iris Araújo reforça ocaso de Iris Rezende

A queda de Marconi Perillo, que ficou em quinto lugar para senador — perdendo para Vanderlan Cardoso (PP), Jorge Kajuru (PRP), os eleitos, Wilder Morais (DEM) e Lúcia Vânia (PSB) —, camufla uma decadência, a de Iris Rezende.
Em 2014, Iris Araújo perdeu a eleição para deputada federal, mas seu marido, Iris Rezende (MDB), não estava na Prefeitura de Goiânia. Obteve 66.234 votos (2,18%). Em 2018, com Iris Rezende no Paço Municipal, Iris Araújo obteve 39.976 votos (1,32%). A decadência é visível: a emedebista perdeu 26.258 votos de uma eleição para outra.
Na Prefeitura de Goiânia, em quase dois anos, Iris Rezende perdeu sintonia com a cidade, quer dizer, com seus moradores. O prefeito está decepcionando. A votação de Iris Araújo é a resposta dos eleitores, notadamente os da capital, à gestão de seu marido. É um recado.
Comemorando a “queda” de Marconi Perillo — esquecendo-se de que o fundo do poço de um político às vezes tem mola —, o decano emedebista, de quase 85 anos, parece não perceber seu próprio ocaso. A derrota do tucano-chefe, a queda de um poderoso, poderá ser seguida pela derrota de outro poderoso, em 2020. Afastado o tucano, o alvo passa a ser outro, talvez Iris Rezende.
Renovação na Câmara dos Deputados e na Assembleia

A prova de que os eleitores estão decididos e bem informados é que, de maneira rigorosa, mudaram a configuração da Câmara dos Deputados, do Senado e da Assembleia Legislativa. A política tradicional dava como certa a vitória de políticos como Jovair Arantes, Giuseppe Vecci, Eliane Pinheiro, Chiquinho Oliveira — os quatro com forte apoio de prefeitos e com amplas estruturas. Na visão convencional, estavam eleitos. Os eleitores — em parte devido à Operação Cash Delivery — disseram, nas urnas, que não estavam.
Ninguém controla mais os eleitores. Na eleição deste ano, usaram seus votos como instrumento de mudança, o que, para muitos, tem um sabor de vingança. De justiçamento. A rigor, o grande vencedor do pleito de 2018 é o eleitor.
Bolsonaro e Haddad ficaram mais democratas

Os candidatos do PT, Fernando Haddad, e do PSL, Jair Bolsonaro, não têm muito apreço pela democracia. O petista fala em democracia, sugerindo que o capitão do Exército não é democrata. A rigor, o petismo tentou, em seus quatro governos, medidas de contenção da democracia — como o controle do Ministério Público (chegou a aliar-se a forças coronelistas) e da Imprensa, por meio de uma regulação que não difere das ações de países autoritários. A sociedade, inclusive com o apoio da Imprensa, conseguiu barrá-lo.
Bolsonaro tem arroubos autoritários, mas, como nunca esteve no poder, não se sabe o que realmente pretende.
Mas o segundo turno, indicando que nenhum dos dois tem o apoio da maioria da sociedade, mudou o comportamento, ainda que parcialmente, dos postulantes. Ambos passaram a se apresentar como defensores da democracia e deixaram, inclusive, de defender uma nova Constituição (Haddad afirma que, se eleito, não indultará Lula da Silva). Há quem pense que se trata de um logro. Mas pelo menos houve um reposicionamento, e a partir de uma ação da sociedade — dos eleitores —, que optou por observar mais os dois candidatos no segundo turno.
Sublinhe-se que próceres das Forças Armadas, como o admirável comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas, deram depoimentos pró-democracia. Parece conclusivo que os militares de proa não são afeitos à ditadura. Querem, isto sim, um governo mais duro com a criminalidade e com a corrupção.
Surgimento de novos líderes, como Vanderlan e Baldy

A política ensina, ao longo da história, que candidatos muito bem votados nem sempre se tornam líderes e há casos de candidatos que, mesmo derrotados, permanecem como líderes.
O ministro das Cidades, Alexandre Baldy, não disputou mandato em 2018. Mas contribuiu, de maneira decisiva, para a eleição de um senador, Vanderlan Cardoso, e de um deputado federal, Adriano do Baldy. Seu partido, o PP, elegeu outro deputado federal — Professor Alcides Ribeiro, principal responsável por sua campanha vitoriosa.
Dependendo de como se posicionar nos próximos quatro anos, Baldy se credenciará para a disputa do governo em 2022.
Daniel Vilela, mesmo tendo sido derrotado, representa o futuro do MDB — até por ser mais jovem do que a maioria dos emedebistas mais representativos. Se permanecer no comando do partido, estará credenciado para a disputa de 2022.
Vanderlan Cardoso, primeiro colocado para senador, é outra aposta para o futuro. Aos 56 anos, ainda é um político relativamente jovem. É provável que dispute, com chance de ganhar, a Prefeitura de Goiânia em 2020. Eleito senador, Jorge Kajuru (PRP), se for candidato a prefeito, é um perigo para os adversários.
A “crise” da transferência de voto
Os eleitores desmontaram a ideia de que líderes políticos de Goiás transferem votos para seus candidatos. Daniel Vilela não absorveu a popularidade de seu pai, Maguito Vilela, que foi prefeito aprovadíssimo de Aparecida de Goiânia. Max Menezes (MDB) perdeu para deputado estadual mesmo tendo o apoio de Maguito e do prefeito de Aparecida, Gustavo Mendanha. Iris Rezende montou uma estrutura gigante para bancar sua mulher, Iris Araújo, de 75 anos, para deputada federal e, mesmo assim, ela perdeu.
Delegado Waldir e Flávia Morais: campeões de voto em duas eleições

Nas eleições de 2014 e 2018, para deputado federal, há dois grandes vitoriosos. Naquela e nesta, Delegado Waldir Soares (PSL) e Flávia Morais (PDT) sagraram-se os mais bem votados. Delegado Waldir elegeu a si — superando o quociente eleitoral em muito — e a outro integrante do PSL. Flávia Morais aumentou sua votação, para mais de 160 mil votos, sem precisar de votos de aliados.
O médico Zacharias Calil (MDB), com uma estrutura incipiente mas com uma campanha presente nos bairros e nas suas — o tempo de televisão era curto —, foi o terceiro mais bem votado. O notável cirurgião obteve o chamado voto de opinião.
Evangélicos elegem um senador e dois deputados federais

Não dá para desconsiderar a força dos evangélicos na política de Goiás. Vanderlan Cardoso, para o Senado, João Campos (PRB) e Glaustin da Fokus (PSC), para a Câmara dos Deputados, e Henrique César (PSC) e Jeferson Rodrigues (PRB), para a Assembleia Legislativa, foram eleitos com excelente votação. Trata-se de uma força considerável — ampliada pelo fato de que, com a vitória de Ronaldo Caiado para o governo, seu suplente, Luiz Carlos do Carmo MDB), assume o mandato de senador, em 2019.

Vanderlan Cardoso, João Campos, Glaustin da Fokus e Henrique César são da Assembleia de Deus. Jeferson Rodrigues pertence à Igreja Universal.
Observe-se que uma crítica de Jorge Kajuru aos evangélicos pode ter lhe custado o primeiro lugar na disputa por uma vaga no Senado. O poder de articulação e de coesão dos evangélicos, estribada na defesa inflexível de certos princípios — família, contra o aborto e a ideologia de gênero —, não deve ser subestimado. A firmeza moral dos evangélicos, contra uma suposta flacidez moral de outros grupos políticos, ganhou votos.
Goiano pode ser menos conservador do que se pensa
A maioria dos eleitores goianos é conservadora? Talvez seja menos do que se imagina. Votar em Jair Bolsonaro pode representar mais desejo de mudança do que uma posição típica do conservantismo. A restrição ao PT talvez se deva menos a uma posição arcaica ou retardatária — como o conservadorismo é visto — e muito mais ao fato de o partido ser associado à corrupção e ter envolvido o país numa crise econômica desmedida.
O voto “em” Bolsonaro pode não representar um voto “de” Bolsonaro. O capitão do Exército parece ter sido escolhido pelos eleitores brasileiros — não só pelos goianos — para passar um recado ao meio político que pode ser resumido numa palavra, seguida de exclamação: “Basta!” Espera-se que, se eleito, o militar reformado entenda o recado das ruas e das urnas.
Sedução da imprensa pelas pesquisas abala o jornalismo
O trabalho da Imprensa, no primeiro turno, não deixou de ser meritório. Ressalve-se que faltaram grandes reportagens — que devem ir além dos escândalos e das pautas confrontando os candidatos —, mas um dos problemas mais graves é a “pesquisite”, a dependência das pesquisas.
O jornalismo, a partir de determinado momento, ficou preso aos resultados dos levantamentos dos institutos de pesquisa. A GloboNews, que cobriu relativamente bem o primeiro turno, perdeu longo tempo discutindo pesquisas, às vezes a partir de comentários perfunctórios, inclusive de Mauro Paulino, do Datafolha. Chegou-se ao acinte de, ainda no primeiro turno, com Bolsonaro lá na frente, com Haddad em segundo, mas descolado dos demais, perder-se um tempo enorme com simulações de segundo turno que incluíam Ciro Gomes — tem mais seguidores nas redes sociais do que eleitores —, Geraldo Alckmin e Marina Silva.
Os jornais, os jornalistas, as emissoras de televisão perderam-se, em larga medida, porque distanciaram-se dos eleitores reais, pois as pesquisas eventualmente deixam de “apreender” a voz verdadeira deles. No afã de apoiar candidatos ditos progressistas, como Haddad e Ciro Gomes, jornalistas, até repórteres qualificados, deixam de ouvir a voz às vezes não barulhenta dos eleitores. Reportagens mais detidas, indo além das pesquisas, poderiam ter explicado melhor aos leitores e telespectadores o resultado que saiu das urnas. Por que Dilma Rousseff (PT) e Eduardo Suplicy (PT), candidatos a senador por Minas Gerais e São Paulo, perderam a eleição, se, durante boa parte da campanha, figuraram em primeiro lugar? Por terem se fiado apenas nas pesquisas, os jornais e as emissoras de televisão não puderam esclarecer o que aconteceu.
O jornalista precisa perder, ao menos como profissional, o preconceito em relação ao eleitor que avalia como conservador. É preciso ouvi-lo. É necessário entender suas pautas e, até, idiossincrasias. Como disse o leitor-eleitor Natércio Filho, um passeador de cachorros de Goiânia, os jornais não podem culpar apenas as pesquisas por seus erros de avaliação. A voz das ruas não raro é a voz das urnas. O jornalista precisa ancorar-se menos em ideologia e comportar-se de maneira similar ao antropólogo, que, no lugar de condenar, busca compreender a especificidade de uma cultura, de um povo, de um comportamento. “Condenar” o eleitor “de” Bolsonaro como conservador, sem perceber o caráter mais amplo de seu protesto — uma defesa de um país mais ético e menos corrupto —, é deixar de entendê-lo. O eleitor convida o jornalista a compreendê-lo. Mas, se o jornalista continuar se comportando como ideólogo, atuando a serviço de partidos, ainda que indiretamente, vai se distanciar cada vez mais do Brasil real, dos eleitores reais.
O eleitor está decidido, irado, radicalizado, insatisfeito e decidiu usar o voto como arma de uma vingança individual. Este eleitor que “pune” os políticos é mais do que conservador ou progressista. Isto precisa ser explicado e discutido.