Condenação anormal a Caiado e Mabel coloca tribunais acima dos eleitores
15 dezembro 2024 às 00h00
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A decisão de primeiro grau da 1ª Zona Eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE-GO) que condenou Sandro Mabel e Ronaldo Caiado (ambos UB) é tão contrária aos precedentes estabelecidos em casos anteriores que já quase se pode cravar: deve ser revista em instâncias superiores. Entretanto, mesmo que juridicamente tudo se anule, no final das contas a soma do processo não terá sido zero. Fica o dano à imagem, e fica mais larga a via da instrumentalização da Justiça para fins políticos. Vale a pena analisar suas consequências.
Por que a condenação é destoante
Na sessão do dia 17 de outubro de 2023, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) analisou Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije) contra o então presidente da República e candidato à reeleição nas Eleições 2022, Jair Bolsonaro. O presidente havia concedido entrevista coletiva no Palácio do Planalto anunciando aliados políticos, além de ter recebido artistas sertanejos na sede do governo em apoio a sua campanha. Ainda assim, a Corte decidiu que o caso não configurava abuso de poder político.
O relator da ação, ministro Benedito Gonçalves, ponderou em seu voto que o Palácio é o local onde chefes do Executivo tradicionalmente desempenham suas funções. “De fato, houve a indevida cessão de bens públicos para a realização de atos de campanha, mas não houve demonstração de um contexto específico que dê esses contornos mais acentuados à reprobabilidade da conduta ou à repercussão do pleito”, votou o relator. “Houve prática ilícita, mas sem gravidade para se convolar em abuso. A inelegibilidade seria, de fato, desproporcional”, concluiu.
Em agosto de 2018, o colegiado do TRE rejeitou processo contra o candidato a governador José Éliton (PSDB) por realizar reunião no Palácio das Esmeraldas com autoridades, com base na mesma excessão. O relatório destacou que o Código Eleitoral veda atos públicos em imóveis da administração estadual, mas que a reunião realizada por José Éliton não foi um ato público, pois não permitiu o acesso de eleitores indistintamente.
Antes disso, inúmeros outros casos semelhantes. Em 2014, o ministro do TSE Dias Toffoli julgou improcedente uma representação do PSDB contra a presidente Dilma Rousseff por se reunir com líderes do PT no Palácio da Alvorada. “A vedação prevista na Lei 9.054/1997 não se aplica ao uso das residências oficiais para encontros e reuniões pertinentes à campanha de candidatos à reeleição a presidente e vice-presidente da Republica, governador e vice-governador de estado, prefeito e vice-prefeito, desde que as reuniões não tenham caráter de ato público”, decidiu o ministro.
Em 2007, o ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Carlos Alberto Menezes Direito já havia estabelecido a jurisprudência: “A audiência concedida pelo titular do mandato, candidato à reeleição, em sua residência oficial não configura ato público para os efeitos do art. 73 da Lei nº 9.504/97, não relevando que seja amplamente noticiada, o que acontece em virtude da própria natureza do cargo que exerce.”
O propósito da Lei
Em todos esses casos, um chefe do Executivo foi processado com base na Lei 9.054/1997, Artigo 73, por usar os palácios em período eleitoral. No texto do Código Eleitoral, parece claro que o objetivo da Lei era impedir que mandatários abrissem as portas dos palácios aos eleitores de forma massiva durante as eleições, “comprando votos” com jantares e promessas de participação no status social associado ao poder.
“Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: II – usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram.”
O que a lei não parece pretender é impedir as funções tradicionais dos chefes do Executivo. O que os mandatários citados fizeram — entrevistas coletivas, reuniões com autoridades e encontros com líderes partidários — é esperado na atividade política. Por isso, desde 2007, a Justiça entende que não faz sentido exigir que presidentes, governadores e prefeitos deixem os palácios, atravessem a rua, façam a exata mesma reunião e retornem para o ambiente onde realizam todas suas outras atividades sem prejuízo às eleições.
Nada disso impede que adversários políticos questionem o uso dos palácios na Justiça — é do jogo. O estranho é precisar como uma reunião a portas fechadas com vereadores “feriu os princípios constitucionais da normalidade e da legitimidade do pleito”. Quantos vereadores foram influenciados pelo encontro? Quantos eleitores decidiram votar em Sandro Mabel por conta das influencias exercidas sobre os vereadores? Quantos sequer ficaram sabendo do encontro? Impossível dizer, e a incerteza reforça a necessidade de razoabilidade.
Os próprios jornais ficaram sabendo da reunião porque os vereadores divulgaram que foram convidados para o Palácio (é o tal status, a lisonja de receber um convite do chefe do Executivo). A cobertura jornalística não se deveu à publicidade do encontro, mas o contrário: a publicidade aconteceu porque jornalistas acompanham a vida do Palácio — o ato teria sido descoberto mesmo se fosse secreto.
Consequências políticas
Cabe à Justiça ser justa, porque a política nunca é. A conclusão de que todo o pleito foi comprometido deve ser usada politicamente, ainda que a sentença seja revista no futuro. Podemos esperar que concorrentes exigirão novas eleições, com custos enormes, mesmo que isso seja péssimo para uma cidade fragilizada como Goiânia, com problemas muito concretos e urgentes.
Por essas razões, a advogada Marina Almeida Morais, presidente da Comissão de Direito Político e Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil, afirmou em entrevista ao Jornal Opção: “A infração que causa a cassação tem de ser grave. Absolutamente respeito a sentença, mas minha opinião é de que não há gravidade suficiente para a cassação de registro de candidatura e inelegibilidade”. O Art. 73 considera o uso de imóveis da administração do Estado para campanha uma conduta vedada. “As condutas vedadas geralmente não provocam cassação, mas multas”, disse Marina Morais.
Em editorial de 29 de setembro, o Jornal Opção publicou: “Ao se apresentar como candidato a presidente da República, Ronaldo Caiado começou a incomodar figuras coroadas da República […]. O nome de Ronaldo Caiado como possível candidato a presidente começa a se espalhar pelo país e, sobretudo, de maneira positiva. Então, não seria a hora de manchar o que ele tem de melhor: um nome limpo? É o que parece.”
Em charge de Aroeira publicada na quinta-feira, 12, no portal Metrópole e repercutida por Guga Noblat, Caiado diz para Bolsonaro “Sou tão elegível quanto você” — não é, mas o dano à imagem reside justamente na confusão proposital. Bolsonaro se tornou inelegível por maioria do plenário no TSE; no caso de Caiado, o pedido de efeito suspensivo da decisão será analisado em recurso. Há TRE e TSE, e há má fé na flexibilidade com que jornalistas usam o conceito de trânsito em julgado, a depender do político processado.
Novamente, para citar o editorial de 29 de setembro: “Há algo que ‘incomoda’ em Ronaldo Caiado, inclusive entre os que defendem que políticos devem ser honestos. O que, exatamente? Num país em que a corrupção tira nota 10, o diferencial decisivo de Ronaldo Caiado nem é o acerto na segurança nem os demais atributos de seu governo. Na verdade, o fato de ser decente — de fazer aquilo que prega — é o maior diferencial de Ronaldo Caiado. É por isso que querem contaminá-lo. Ou seja, querem torná-lo ‘igual’ a outros políticos — como Lula da Silva e Jair Bolsonaro — para facilitar o combate político e prejudicá-lo em termos eleitorais.”