Com seu golpe tabajara — uma volta a 1964 e Sylvio Frota (leia texto no link: https://tinyurl.com/5xw94nxt) —, Jair Bolsonaro “conseguiu” provar, paradoxalmente, a vitalidade da democracia brasileira.

Longe de se submeter, a democracia, ecoando a voz dos poderes legais, conteve o golpismo.

Na sequência, a democracia julgou, condenou e prendeu os golpistas de proa — como Jair Bolsonaro, Walter Braga Neto (o verdadeiro ajudante de ordens de Messias), Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Almir Garnier.

A democracia é, a um só tempo, “frágil” e, quando as instituições são sólidas, “dura”.

O grupo de Jair Bolsonaro planejava uma operação “limpeza”, ou seja, matar o presidente Lula da Silva, do PT, o vice-presidente Geraldo Alckmin, do PSB, e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

A democracia, pelo contrário, julgou, condenou e prendeu. Mas não matou nenhuma pessoa.

O Jornal Opção tem publicado que uma direita que tem viabilidade eleitoral e planeja um putsch sangrento só pode ser suicida.

O problema da direita bolsonarista são a pressa e o fato de operar com base numa ideologia difusa e mal ajambrada (não soube avaliar nem a correlação de forças em 2021). Jair Bolsonaro poderia voltar ao poder, em 2026, pelo voto? É provável. Então, por que a vocação para o suicídio político? Falta de preparo tanto político quanto intelectual e moral. (Um general inteligente e astuto como Augusto Heleno que se submete à falta de luzes de Messias só pode mesmo estar com Alzheimer.)

No lugar de combater Lula da Silva de maneira democrática, o bolsonarismo quis derrubá-lo e implantar uma ditadura. Jair Bolsonaro se tornaria o sexto “general” — ainda que não tenha passado de capitão no Exército —, na esteira de Castello Branco, Costa e Silva, Emilio Médici, Ernesto Geisel e João Figueiredo.

A “morte” anunciada do bolsonarismo

O golpismo do grupo de Bolsonaro acabou sendo “positivo”, ainda que por vias tortas. Primeiro, mostrou que a sociedade — exceto figuras radicalizadas e viúvas da ditadura —, os três poderes e as Forças Armadas são tão fortes quanto democráticos. Segundo, mostrou à direita que um golpe de Estado é inviável. Terceiro, tornou-se pedagógico: quem articula golpe de Estado é julgado, condenado e preso.

A vitória da democracia, o fato mais importante, leva intelectuais de esquerda, em artigos e entrevistas, e populares, nas redes sociais, a anunciarem a “morte” do bolsonarismo.

Jair Bolsonaro e outros golpistas foram retirados da cena política — talvez para sempre. Fez-se uma limpeza democrática, quer dizer, os articuladores do putsch estão fora do processo político-eleitoral e do convívio social com os demais brasileiros.

Mas isto não significa que o bolsonarismo “morreu”. Porque não “morreu”. Está vivo e é forte. Assim como Lula da Silva e o petismo são sólidos e competitivos.

Para avaliar a morte de um fenômeno político como o bolsonarismo — cuja falta de conteúdo é evidente (não há um aliado de Jair Bolsonaro que tenha o estofo intelectual de Golbery do Couto e Silva, Ernesto Geisel, Roberto Campos e Mario Henrique Simonsen) — é, na democracia, preciso esperar no mínimo uma ou duas eleições majoritárias e proporcionais.

O bolsonarismo perdeu apelo, está desgastado. Mas, insistamos, não está “morto” e, por certo, não morrerá tão cedo.

Em 2026, o bolsonarismo tende a eleger governadores, senadores, deputados estaduais e federais em alguns Estado.

A expectativa, antes da prisão de Jair Bolsonaro, era uma e agora é outra? Não dá para saber ainda. No Rio de Janeiro, o senador Flávio Bolsonaro (PL), filho do ex-presidente, aparece em segundo lugar numa pesquisa de intenção de voto, atrás do governador Claudio Castro e pouco à frente da deputada federal do PT, Benedita da Silva.

Em Santa Catarina, Carlos Bolsonaro (PL), que é do Rio, aparece bem nas pesquisas. Mas há uma reação à sua candidatura no Sul do país. Tem sido apontado como “paraquedista” e pode acabar sendo derrotado. Talvez nem dispute, optando por ser candidato a deputado federal no Rio de Janeiro.

Eduardo Bolsonaro (PL) certamente não voltará ao Brasil para disputar mandato de senador em São Paulo. Porque receia ser preso.

A popularidade de Michelle Bolsonaro continua intacta. Aparece em primeiro lugar na disputa para senadora no Distrito Federal, pouco à frente do governador Ibaneis Rocha. Apesar da turma do deixa-disso, a ex-primeira-dama está em guerra com os filhos do ex-presidente. É a batalha pelo espólio.

Então, pode-se falar que o bolsonarismo dos Bolsonaros pode implodir em 2026? É possível. Mas, como se sugeriu acima, é preciso esperar o resultado da eleição de 2026.

A família Karamázov, do romance do russo Fiódor Dostoiévski, é bem conhecida. Pois, de alguma maneira, os Bolsonaros são os Karamázov dos trópicos — no sentido de serem destrutivos e autodestrutivos. São os Bolsomázov — brigam tanto que deixam a impressão de que não precisam de adversários e inimigos. Mas, vale insistir, ainda têm apelo eleitoral.

O bolsonarismo sem Jair Bolsonaro

Há um bolsonarismo sem Jair Bolsonaro? A eleição de 2026 vai dizer se há.

Mas há indícios de que, sim, há um bolsonarismo sem Jair Bolsonaro. Porque a radicalização orquestrada criou um número imenso de seguidores que, na eleição, se tornam eleitores.

Tais seguidores, possivelmente, não abandonaram o bolsonarismo pós-prisão de Jair Bolsonaro.

Entretanto, muitos brasileiros, que votaram no bolsonarismo, mas não são bolsonaristas — talvez sejam mais anti-PT de Lula da Silva —, estão cansados da polarização excessiva gestada pelos Bolsonaros e aliados (o PT também é responsável pela polarização — a história do “nós contra eles”). Mas como votarão em 2026? Parte pode ficar com um candidato da direita, como o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil) — alternativo ao bolsonarismo —, e parte pode acabar migrando para o postulante do petismo.

Na negociação do tarifaço com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, Lula da Silva mostrou moderação. Sobretudo, os resultados foram positivos para o Brasil e resultaram em mais isolamento nacional e internacional de Jair Bolsonaro, filhos e aliados. (Por falta de conhecimento histórico, os Bolsonaros confiaram demasiado em Trump. Porque não sabem que “impérios”, como o americano, são leais apenas a si mesmos (aos seus interesses), e não a “aliados” usáveis. Entre a terra rara e a terra “presa”, fica-se, lógico, com a primeira.)

A crise do bolsonarismo pode levar à ressurreição do centro — e não se está falando apenas do Centrão? De novo, é a eleição de 2026 que dirá se o centro “voltará” com força. Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso eram de centro? Eram. FCH mais de centro-esquerda. Foram importantes para a estabilidade política e econômica do país, logo depois da crise da queda do ex-presidente Fernando Collor.

Fala-se muito do Plano Real, que de fato estabilizou o país, mas é preciso acrescentar que os oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso foram decisivos para a estabilidade política do país. Acrescente-se que os quase 20 anos de poder do PT não representaram risco para a democracia. Pelo contrário, a sedimentaram. A presidente Dilma Rousseff sofreu impeachment e o PT não articulou nenhum golpismo.

Ao lado da possível ressurreição do centro, pode entrar em cena uma direita não extremista, quer dizer, que não articula golpe de Estado, que acredita que a alternância no poder deve ser operada por meio de eleições.

Os Bolsonaros disputam eleições, é certo, porém não se comportam como democratas. Mas, no campo da direita, há vários políticos democratas — como Ronaldo Caiado, Tarcísio de Freitas (que talvez não seja nem mesmo bolsonarista, mas é, de modo, um agregado de Jair Bolsonaro), Romeu Zema, Ratinho Júnior, Gilberto Kassab, entre muitos outros.

Se a prisão de Jair Bolsonaro resultar no enfraquecimento da extrema direita, o que é possível, será o grande feito da democracia. Mas, vale repetir, não se está dizendo que o bolsonarismo já “morreu” e está enterrado. Não se deve avaliar a realidade unicamente pelo vezo ideológico. Desejo e realidades são, no geral, cousas distintas.

Leia mais: STF e suicídio da extrema direita reabrem caminho para uma direita democrática