Alguns produtores de leite em Goiás tem criticado o acordo entre o Brasil e a Argentina, que garantiu uma linha de crédito para financiamento de exportações ao país vizinho. Como a Argentina é um dos maiores exportadores de produtos lácteos para o Brasil, o governo federal tem incentivado a importação, enquanto os produtores locais reclamam da falta de incentivos para o mercado latícinio no Brasil.

“Hoje o preço internacional do leite está muito abaixo do que é pago para os produtores rurais aqui no Brasil. Então esse leite, ele entra no País a um preço mais baixo do que é pago para o produtor rural. E isso tem causando bastante problemas dentro da cadeia, que de uma certa forma, já vem sofrendo com a perca de competitividade. A maioria dos produtores em Goiás são pequenos e vem da agricultura familiar, mas o grande volume de leite é produzido por poucos”, explicou o professor em economia Paulo Roberto Scalco, especialista no mercado do agronegócio brasileiro

Uma cooperação entre Banco do Brasil, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe (CAF) garantiu um acordo de US$ 600 milhões para financiar exportações ao país vizinho. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, explicou que havia enviado ao governo argentino uma proposta de acordo para assegurar a continuidade de exportações de alimentos e peças de carros entre Brasil e Argentina. A ideia agora, segundo o ministro, é que, quando o exportador brasileiro vender para a Argentina, ele será pago pelo Banco do Brasil, que receberá a garantia do CAF.

O acordo pode prejudicar esses pequenos produtores, que não conseguem competir com o custo de produção dos grandes produtores. Então, o preço pago para o leite não remunera a atividade e muitos tem migrado para outras áreas do agronegócio, como a produção de soja, milho, cana-de-açucar e café, que tem apresentado bons resultados na produção nacional.

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“O BB vai garantir as exportações das empresas brasileiras e o CAF vai entrar com uma contragarantia para o Banco do Brasil. Existe a possibilidade de a gente nem precisar acionar o Fundo Garantidor de Exportação. Seria uma operação nova que viria ao encontro dos interesses de restabelecer o fluxo de comércio bilateral”, explicou o ministro da Fazenda.

Para o deputado estadual Amauri Ribeiro (União Brasil), ao invés incentivar produtores argentinos, o Governo Federal deveria criar incentivos aos produtores locais. “Os laticínios massacram os produtores porque pagam o pagam o preço que querem. Já tínhamos uma dificuldade com a importação, que já era em torno de 4% ou 5% do consumo. Agora aumentou e está em torno de 12% a importação, e a cada mês que passa, o governo está liberando mais importação”, explicou.

Goiás está entre os estados com maior valor de produção de leite no país. | Foto: IBGE

Nos últimos 5 anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem observado quedas contínuas na produção de leite. A indústria goiana tem trabalhando com metade da capacidade instalada e não há perspectiva de melhora para a economia laticínia no país. Com o aumento da importação, os preços do leite tendem a aumentar cada vez mais e o pequeno produtor não tem incentivos fiscais para continuar produzindo.

O Jornal Opção entrou em contato com o Instituto para o Fortalecimento da Agropecuária de Goiás (Ifag) para saber quais os projetos da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg) sobre o assunto, mas não obteve retorno.

Mercado de laticínio em Goiás

No primeiro semestre de 2023 as importações de produtos lácteos, vindos majoritariamente da Argentina e do Uruguai, aumentaram mais de 180% na comparação com o mesmo período de 2022. Somente no mês de maio, houve um aumento de 400% na importação de leite, o que corresponde a mais de 200 milhões de litros de leite.

“Esse leite que está vindo é de péssima qualidade. É um leite em pó. E aqui [em Goiás] ele é transformado em leite. Ele sai de lá, leite em pó, e aqui ele é hidratado. A Argentina, por exemplo, não compra açúcar do Brasil, porque o país taxou o açúcar em mais de 20%. Assim, o Brasil tem que pagar 20% para vender açúcar lá, não tornando o mercado competitivo. É a mesma coisa que o Brasil tinha que fazer: fechar a importação taxando o leite em 20, 30 ou 40%”, explicou o Amauri, que teve como base parlamentar o município de Piracanjuba, maior produtor de leite no Estado.

Para o parlamentar, o governo deve proteger o produtor de leite brasileiro, que tem parado a produção e migrado para outras áreas. “O produtor de leite vai parar de produzir. E a hora que acabar o produtor de leite do Brasil, aí os países vão vender a preço que quiserem”, explicou Amauri. O professor Paulo Roberto explicou que a única forma do produtor sobreviver é o mercado se tornar competitivo.

A cadeia laticínia argentina também tem enfrentado problemas já há alguns anos, com o aumento de custos de produção, com a questão do custo de oportunidade, de produtores também migrando para outras atividades. “O Brasil tem que ter investir em políticas públicas, por exemplo, como linha de crédito, para os produtores adquirir máquinas e equipamentos, melhorar a qualidade, melhorar a produtividade, e melhorar o rebanho”, concluiu Paulo Roberto Scalco.

Balança comercial

A balança comercial brasileira de leite e derivados é tradicionalmente negativa, ou seja, o país costumeiramente importa mais produtos lácteos do que exporta. No entanto, desde o final dos anos de 1990 o espaço ocupado pelas importações no mercado nacional tem sido reduzido. Enquanto em 1999 as importações chegaram a representar mais de 15% da oferta total de leite no mercado nacional, nos últimos dez anos (2013 a 2022), a participação média das importações no abastecimento interno foi de 4,7% e o maior percentual foi o de 2016, de 7,5%.

Os períodos de crescimento de importação decorrem muito mais de momentos de baixa oferta interna e/ou crescimento expressivo dos preços do leite e derivados no mercado brasileiro do que da redução estrutural da competitividade da atividade leiteira nacional.