O empreendedorismo nunca esteve tão em alta no país. O que comprova isso são os próprios números de aberturas de microempresas e pequenas empresas, responsáveis por geração de empregos de carteira assinada e renda. Nesse segmento da economia, há ainda os microempresários individuais (MEIs), que são pessoas que estavam na informalidade e conseguiram regularizar a atividade, e passaram a contar com benefícios, como de crédito. Dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) mostram que houve recorde no ano passado de abertura de empresas. Segundo o levantamento, no período, o saldo foi de 3,9% milhões de novos CNPJs no país, 19,8% em relação a 2020. Ano em que se registraram 3,3 milhões novos negócios.

No Estado, Allan Máximo de Holanda, analista técnico do Sebrae-GO, destacou que nos quatro últimos anos cerca de 670 mil micro, pequenas empresas e MEIs abriram em Goiás, sendo desse total, 100 mil em Goiânia. Ele atribui esse aumento a redução da burocracia, integração das juntas comerciais e pelo avanço “muito grande” na digitalização, que já chega a 100%. “As melhorias foram a partir de 2019, gradativamente”, pontua. Outra melhoria, segundo o analista, foram as reduções de procedimentos que passaram de 16 para 6, na Capital, com, apenas essa mudança, houve a diminuição de 21 para 4 dias para se abrir uma empresa. 

Acerca de financiamento, os dados do GoiásFomento registraram que no período de janeiro de 2019 a agosto deste ano foram realizadas 6.947 operações, quando houve o financiamento de R$ 213,5 milhões, o que manteve 18.341 empregos. A instituição financeira explicou que durante a pandemia o Governo de Goiás disponibilizou para as empresas créditos com juros muito baixos, com a exigência que fossem mantidos os postos de trabalho. Com isso, foram preservados os empregos, mas também a sobrevivência das micro e pequenas empresas.

O economista Bruno Fleury exalta o trabalho desempenhado por instituições de apoio para o sucesso que se tem alcançado com o desenvolvimento e manutenção das micro, pequenas empresas e MEIs. “O Sebrae tem sido um grande mentor das políticas de apoio as micro e pequenas empresas no Brasil. O Sebrae tem recursos e, além do Sebrae, o próprio sistema CNI e CNC, do comércio e da indústria. Eles têm também programas voltados para as pequenas indústrias e pequenos comércios, mas o Sebrae tem realmente atuado firme nessa questão. A gente tem visto diversos governos, aqui em Goiás, a GoiásFomento tem muitas linhas de créditos para as micro e pequenas empresas, mas, por exemplo, ainda é muito burocrático para esse pessoal tirar dinheiro, ainda existe um processo de garantia de crédito bem complicada”, indica.

O especialista conta que passou boa da carreira no Sebrae, onde pode acompanhar a evolução da instituição, nas décadas de 70 e 80, voltadas para as  micro e pequenas empresa no Brasil. Ele destaca que o Sebrae foi o gestor da criação do Simples Nacional, do estatuto da micro e pequena empresa. “A figura do MEI também foi uma ideia gestada junto com o Sebrae e o governo federal. E, que realmente, foi uma sacada genial do ponto de vista de tirar da informalidade pessoas que tinham pequenos negócios, mas que não estavam prontas ainda para ser uma microempresa, mas a formalização desses negócios iria trazer essas pessoas para dentro da economia do sistema econômico. Então esses profissionais liberais, pequenos, construtores, pequenas negócios, artesãos, é uma gama enorme, que viviam na clandestinidade, trabalhando informalmente sem poder emitir uma nota fiscal, sem poder, por exemplo, prestar serviço para alguns públicos, sem ter acesso a crédito. Então, assim não era um ambiente hostil para esse tipo de negócio e com a questão do microempreendedor individual, dessa ideia genial, milhões de negócios no Brasil surgiram do dia para noite”, relembra.

Cabe ressaltar, que essas pessoas também passaram a ter cobertura do sistema de previdenciário, seja para aposentadoria ou seja para licenças por saúde ou maternidade.  Atualmente, 69% das empresas ativas no Brasil são MEIs, isto é, cerca de 13,5 milhões negócios, em um universo de 19 milhões de empresas ativas no Brasil. “Neste ano, houve um crescimento muito significativo, mais de 1 milhão de MEIs foram abertos, entre janeiro e abril. Isso mostra que empreender no Brasil ficou mais fácil. Fomentar o empreendedorismo é desburocratizar o processo, reduzir a carga tributária e oferecer crédito”, frisa.

Os resultados positivos foram constados no mês passado. A Junta Comercial de Goiás (Juceg) divulgou que houve um recorde histórico no Estado de 1.004.594 empresas ativas. Esse marco para a economia foi alcançado entre os meses de julho e agosto deste ano. Goiânia liderou o ranking com 309.056 empresas ativas, seguida por Aparecida de Goiânia (72.149), Anápolis (58.541), Rio Verde (30.863), Valparaíso de Goiás (22.796), Luziânia (22.037), Águas Lindas de Goiás (19.790), Caldas Novas (18.092), Senador Canedo (17.080) e Trindade (16.405). “O ano nem acabou e estamos com 6,6% de crescimento frente ao ano anterior e rompemos a barreira de 1 milhão de empresas em funcionamento”, comemora o presidente da Juceg, Euclides Barbo Siqueira. Ele acrescentou que essa tendência já vinha desde 2020, quando o ano fechou com 843.234 empresas ativas no Estado. No ano seguinte, esse número avançou para 11,69%, ao atingir 941.857.

Siqueira confere esses bons resultados diretamente ao processo de desburocratização, principalmente, no processo de abertura de empresas. “Desde 2020, a Junta Comercial adotou o processo online para abertura de empresas, passando de meses para horas a criação de um novo CNPJ no Estado. Essa facilidade, aliada à vontade do empresário de empreender e às políticas de crédito para a retomada, é a resposta que precisamos para saber que estamos no caminho certo do desenvolvimento”, descreve.

Quem trabalha no dia a dia, dependendo cumprir a burocracia estatal, também analisa que houve inovação para o setor tanto de iniciativas do governo estadual quanto do governo federal. Um dos pontos indicados foi a criação da Lei de Liberdade Econômica, de 2019, que integrou as juntas comerciais, garantindo melhorias no registro eletrônico simplificado de novas empresas. A presidente do Conselho Regional de Contabilidade de Goiás (CRC-GO), a contadora Sucena Silvia Hummel, esclarece que a nova legislação trouxe flexibilização para segmentos de baixo risco. “Para o MEI, dependendo da sua atividade, para os alvarás dele, ele faz uma declaração, onde ele preenche um formulário e se ele for uma atividade de baixo risco, ele já tem liberado os alvarás. Já sai tudo automático. Então, ele já abriu a empresa, e automaticamente, já tem todas as licenças para trabalhar”, esclarece.

“Agora, nós estamos no período eleitoral e a gente não vê muito esse tema presente nos planos de governos e nas discussões feitas pelos candidatos.

A iniciativa do Governo Estadual se mostrou eficiente e diferente do adotado anteriormente, como ocorria com os incentivos fiscais para grandes empresas em Goiás. Prova disso, foi a conclusão de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instaurada na Assembleia Legislativa de Goiás (Alego), em 2019, que investigou por quase um ano indícios de irregularidades nos programas, relacionadas a fraudes e desvio de verba pública, por meio de venda de crédito outorgado e falta de contrapartida das empresas beneficiadas com incentivos. Ao final, o relator do colegiado, então deputado Humberto Aidar, produziu um relatório de 500 páginas e desabafou: “São bilhões que foram concedidos e ficou clara a ineficiência na fiscalização. Inicialmente acreditei nas contrapartidas, mas como o trabalho foi minucioso, a gente descobriu lá na frente que entre milhares de empresas, pouco mais de dez eram obrigadas a conceder contrapartida”, citou. O próprio relator disse, á época, ter ficado impressionado com as cifras que não foram arrecadas. “Foi fruído R$ 20 bilhões no crédito outorgado, ou seja, montante que o estado deixou de arrecadar. Destes, apenas R$ 320 milhões foram fruídos e comissionados à contrapartida, cerca de 2% apenas. O resto, literalmente, uma benesse”, declarou Aidar.

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Deputado Huberto Aidar durante leitura do relatório da CPI de incentivos fiscais | Foto: Alego

Outros gargalos

O economista Fleury lamenta a burocracia que ainda se mantém para o empreendedor conseguir um financiamento. “Era preciso ter um sistema um pouco menos burocrático e que pudesse atrair muitos negócios, que pudessem ser fomentados. Eu acho que poderia ainda melhorar o sistema tributário, poderia ser melhorado um pouco. A capacitação ainda é muito incipiente. Muitos negócios florescem e crescem pela força de vontade dos próprios empreendedores. A capacitação para gestão dos negócios ainda é muito incipiente e precisava fazer um investimento na área de tecnologia para que esse negócio pudesse aprimorar o seu processo de produção, seu processo de comercialização com novas tecnologias. Um acesso a informações, mas uma facilidade com apoio técnico para que o seu processo de produção, seu processo de comercialização pudesse ser mais aperfeiçoado e pudesse competir melhor no mercado. Além da criação de consórcio de empresas para exportação, consórcio empresas para fazer compras conjuntos e reduzir o custo da matéria-prima. Então, tem uma série de iniciativas que poderiam ser desenvolvidas para poder melhorar mais o ambiente de negócio para o MEI e as micro e pequenas empresas”, sugere.

Os microempreendedores individuais (MEIs) e as micro e pequenas empresas (MPE), juntos, correspondem por 30% do Produto Interno Bruto (PIB). No ano passado, criaram 78% das vagas formais de trabalho e geraram renda anual para os trabalhadores do setor de R$ 420 bilhões por ano, de acordo com dados do Sebrae. No entanto, a importância desse segmento não tem ganhado destaques, por exemplo, nos planos de governos de candidatos ao executivo federal e estadual. Programas entregues ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Jair Bolsonaro (PL), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) apresentam poucas medidas efetivas para desburocratizar o crédito e a renegociação de dívidas, quando não, são citações genéricas.

Candidatos a presidente durante primeiro debate na TV | Foto: Renato Pizzutto/Band

“Agora, nós estamos no período eleitoral e a gente não vê muito esse tema presente nos planos de governos e nas discussões feitas pelos candidatos. Então, seria necessário que esse tema, existem milhares de temas importantes para o Brasil – um país que ainda está em desenvolvimento, tudo é importante, tudo é fundamental, mas diante da importância desse segmento para o desenvolvimento econômico do Brasil, esse tema deveria ter um tratamento a mais, um pouco mais de prioridade. Não se vê nos planos de governo muita coisa a esse respeito. Nem dos candidatos a presidente da República e nem dos candidatos ao governo estadual”, constata Fleury.

Os presenciáveis Ciro Gomes e Lula informaram que devem apresentar novas versões do documento à Justiça Eleitoral, antes do fim do primeiro turno. Já Bolsonaro e Simone Tebet disponibilizaram versões maiores e definitivas, apesar da emedebista sinalizar que o programa segue “em construção” durante a campanha. O Sebrae informou que vem elaborando um documento para entregar às campanhas. Isso deve ocorrer neste mês. A meta é mostrar para os candidatos a importância do segmento das micro e pequenas empresas e quais gargalos precisam ser solucionados. “O papel do Sebrae é lembrar os candidatos da importância dos pequenos negócios, mostrar as dificuldades que enfrentam e sugerir o que conseguimos enxergar como medidas efetivas e viáveis”, justifica Silas Santiago, gerente da Unidade de Políticas Públicas da instituição no Brasil.