Goiás adere ao consórcio Brasil Verde; especialistas explicam medidas para conter mudança climática
25 agosto 2023 às 20h15
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O Estado de Goiás está prestes a ingressar no Consórcio Brasil Verde (CBV). O Projeto de Lei da governadoria, que tramita na Assembleia Legislativa de Goiás (Alego). já passou pela Comissão de Constituição e Justiça e Redação (CCJ) da Casa e foi aprovado em primeira votação nessa quinta-feira, 24. A iniciativa visa enfrentar a mudança climática, a qual o Brasil se comprometeu a combater no Acordo de Paris, em 2015. O protocolo de intenções deve receber a adesão de todos os Estados brasileiros.
Segundo a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), o consórcio “busca estimular o desenvolvimento do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) e um padrão nacional para o pagamento de serviços ambientais (PSA)”.
A pasta destaca que essas são “duas pautas de grandíssima relevância para os setores produtivos e para a sociedade goiana, ao passo que buscam influir nas formas de uso do solo, em prol da redução das emissões de gases de efeito estufa e da conservação dos biomas”.
De acordo com o documento, o Brasil Verde poderá representar os interesses dos consorciados junto ao Governo Federal, Congresso Nacional e demais organismos públicos e privados, nacionais e internacionais.
“Ao unir suas vozes, por meio do Consórcio, as visões e as demandas dos Estados tornam-se mais sonoras quando comparadas às vozes individuais e dissonantes. Este fato é de extrema relevância quando consideramos a presente conjuntura, em que está ocorrendo uma série de negociações no âmbito doméstico e global que envolvem o mercado de carbono, cujos riscos e oportunidades devem ser acompanhados de perto por todos”, cita trecho do comunicado da Semad.
Política estadual
O governo destaca que é importante para Goiás integrar o Consórcio por estratégia para implantar políticas climáticas no Estado. Para tanto, isso é permitir a catalização de recursos financeiros e técnicos para o fomento da matriz produtiva que dê mantenha o que resta do “Cerrado em pé”, em atendimento à Política Estadual sobre Mudanças Climáticas.
“Tais ações se vestem ainda de maior relevância quando tem-se em conta o crescimento nas taxas de desmatamento ilegal no Cerrado nos últimos anos, cuja as ações de fiscalização somente não são suficientes para o seu controle, o que vem exigindo políticas para o fomento de atividades que não sejam baseadas na conversão da vegetação nativa”, salienta a Semad.
Esse novo colegiado é comparado ao Consórcio da Amazônia Legal, que foi imprescindível para a concentração de esforços para a proteção da floresta. “Assim, no âmbito do CBV, Goiás e os demais estados poderão desenvolver mecanismos que contribuam para a difusão de práticas sustentáveis, preservando e expandindo a competitividade de suas economias e impedindo que os setores ligados à terra sejam indevidamente eleitos como um dos inimigos do clima”, acentua a Secretaria Estadual do Meio Ambiente.
Mercado de crédito de carbono
Em consonância a essa iniciativa do consórcio a favor do clima, o governo federal busca acelerar a regulamentação do mercado de crédito de carbono. Além dos parlamentares, que há anos apresentam propostas, agora, após a conclusão e aprovação do arcabouço fiscal, a atenção central da equipe econômica do Ministério da Fazenda, sob Fernando Haddad, é para a tal agenda verde, oficialmente referida ao Plano de Transformação Ecológica. Mas, o que vem a ser tudo isso?
A ideia é que estabelecimentos, como empresas e propriedades rurais, que emitem gases abaixo de um determinado limite possam “comercializar” o excedente. “Toda empresa tem um limite de emissão de gases, que acaba ocasionando o efeito estufa. Quando essa empresa emite menos gases, ela gera um crédito de carbono. E esse crédito pode ser compensado por essa empresa ou por outras empresas que tenham emitido mais [gases] e pode usar o crédito dessa empresa que gastou menos”, esclarece o economista Júlio Paschoal.
Segundo ele, essas transações sinalizam para a formação de novas empresas, a entrada de novos prestadores de serviço no mercado e, com isso, a geração de emprego e renda. “Então, a regulação do mercado é muito importante porque ela vai permitir fazer essa compensação,” pontua.
Entretanto, neste debate, como ficam as demais atividades econômicas? É possível conciliar desenvolvimento econômico com preservação ambiental. “É possível gerar renda sem depredar o meio ambiente. Nós já tivemos nos governos anteriores, aqui em Goiás, principalmente, o governo Marconi [Perillo, do PSDB] foi criado o ICMS ecológico para preservar o meio ambiente da região Nordeste, que tem muitas cachoeiras”, exemplifica Paschoal.
O economista acentua, ainda, que o mercado de carbono será bastante importante e estimulará os produtores rurais para o remanejamento de plantio e o cuidado com as nascentes. “Com essa regulamentação, ele passa a ter direito de ser compensado financeiramente por esse tipo de prática que é fundamental para a manutenção e a preservação ambiental”, indica.
Um exemplo citado por ele ocorre em Minas Gerais, na Serra da Canastra. Nessa região, muitos produtores rurais, que antes criavam gado, abandonaram a atividade para cuidar da reestruturação das nascentes e do replantio de árvores. “Só que eles fazem isso hoje por consciência própria. Então com essa regulação do mercado, isso passa a gerar para eles um direito financeiro que vai estimular mais e mais produtores rurais a entrar nessa linha de geração de renda e emprego sem com isso depredar o meio ambiente”.
Potencial de bilhões
A pesquisadora do Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS), Bruna Pavani, aponta a necessidade de estrutura política para o mercado de carbono regulado para, assim, transmitir confiança nos esforços de neutralização de emissões de gases de efeito estufa (GEE). “Após a regulamentação, o fortalecimento da governança e da transparência pode atrair potenciais investidores e financiadores para desenvolvimento de projetos com créditos de carbono, principalmente focados em soluções baseadas na natureza e energia renovável, ambos com grande potencial no país”, relata.
“Em um cenário otimista da Taskforce on Scaling Voluntary Carbon Markets, de US$ 100 dólares por tonelada de CO2 equivalente, o Brasil tem potencial de US$ 120 bilhões para receitas de créditos de carbono até 2030”, destaca.
Esse processo de geração do crédito de carbono envolve diversas etapas, o que pode resultar na geração de até 8,5 milhões de empregos no país. “Além dos produtores rurais e beneficiários, existem oportunidades de atuação como proponentes do projeto, financiadores, implementadores da atividade, desenvolvedores do projeto, fornecedores de tecnologia, standards e programas, auditores de terceira parte, compradores, comunidade locais”, afirma Pavani.
Entretanto, há muitas dúvidas de como funcionará a mensuração da emissão de gás carbono pelos entes econômicos no país. O presidente do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima, do Ministério do Meio Ambiente, Marco Antonio Fujihara, acompanha a tramitação do texto no Congresso, mas percebe que os “técnicos” não foram chamados para o debate.
“O projeto foi entregue ao Senado, vamos esperar até semana que vem para saber como ficará o texto”, disse. Indagado se haveria algum software para mensurar a GEE, ele respondeu que, por enquanto, isso não consta da proposta.
Congresso Nacional
Na segunda-feira, 21, a senadora Leila Barros (PDT-DF) apresentou o parecer sobre o Projeto de Lei que estabelece a regulamentação do mercado de créditos de carbono no País. Pela proposta, há “o direito” das empresas de emissão de emissões, com base em um teto para a emissão de CO2.
Atualmente, os maiores emissores são os setores de cimento, siderurgia, alumínio, produtos químicos, petróleo, gás e grandes frigoríficos.
A senadora do Distrito Federal disse ter elaborado seu relatório com base na minuta criada por 10 ministérios do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Essa força-tarefa foi coordenada pela Fazenda. A estratégia se assemelha à adoção da reforma tributária na Câmara dos Deputados, quando o ministro Fernando Haddad preferiu não enviar um novo texto, mas sim trabalhar junto ao relator para produzir o parecer. O resultado foi bem-sucedido e acelerou as negociações e o trâmite do projeto no Congresso.
Depois do arcabouço fiscal, esse projeto se tornou a principal aposta de Haddad para um novo plano de desenvolvimento econômico e crescimento mais rápido com uma baixa “pegada de carbono”, o que está estreitamente ligado à política de reindustrialização brasileira. Essa parte foi liderada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MIDC), sob o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB).
Conferências mundiais do clima
Estabelecido no Acordo de Paris, em 2015, a regulamentação do mercado de carbono é uma das medidas indicadas para a redução de emissões de gases de efeito estufa. Além do Brasil, outros 194 países assinaram o compromisso de conter o avanço do aquecimento global.
A meta central é evitar que a temperatura global suba mais de 1,5°C até 2050, em relação aos níveis anteriores à industrialização.
No entanto, vale notar que o mercado de carbono não surgiu com o Acordo de Paris, mas teve origem no final dos anos 1970 e ganhou força nos anos 1990, quando passou a ser cada vez mais incorporado em políticas públicas e privadas em todo o mundo.
Apesar disso, no Brasil houve pouco progresso. Tudo indica que agora a legislação sobre o tema acelere no Congresso Nacional.
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